sábado, 26 de fevereiro de 2011

No hay camino [ou o nómada]


Ilustração de Lucas Armendani.

Posto que o tempo tem seu próprio modo de lidar consigo mesmo, motivo de teorias e metodologias, poemas e histórias, desde o desconhecido Heródoto e o soturno Tucídides até os Fèbvres, Blochs e Benjamins de nossos dias, cuja ligação com os primeiros é somente a de que a história continua ainda a ser um mistério; ao nome o tempo já apagou e o tipo caminha ainda sem direção até a porta que se lhe apareceu no meio do caminho, ou no fim deste talvez, posto que nunca saberemos o que se lhe passará, já que o momento que estamos a viver consigo é somente momento de perigo, instante fugaz que passará num lampejo.

Seja como for, as correias da mochila apertam-lhe cada vez mais os ombros, fazendo com que puxe as amarras para frente, bom motivo para disfarçar o nervosismo e cravar as unhas no couro gasto da bagagem. Seu rosto, também, é bem conhecido e sua feição só pode ser a mesma que a deste que vos fala ou as vossas mesmas ao observar a paisagem que se apresenta. De resto, não há nada que não saibamos. A casa é desconhecida, mas suas janelas, diferentes e assimétricas entre si, remetem a quando ele se apoiava sobre o parapeito de seu quarto e observava as flores de sua juventude. Principalmente aquelas, do mal. A chaminé, provavelmente a saída da coifa de uma cozinha rudimentar, lhe transporta por sua fumaça o odor de ovos mexidos e de torta de amoras e a escada é longa somente para que, chegando ao seu fim, ele já tenha coragem suficiente para sentir medo.

"Caminante, son tus huellas

el camino y nada más;
Caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace el camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante no hay camino

sino estelas en la mar"
 
Nos lugares mais raros, nos pratos mais simples, no som mais sutil, encontramos nossa casa. Andar, como anda o tempo, sem compreender sua lógica, mas resumindo a história, seu caminhar, no instante mais fugaz, mais perigoso. No instante de agora.



quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Sobre o Conceito de História III

Tese X: "Os objetos que a regra monacal propunha aos monges para a meditação tinham a tarefa de torná-los evessos ao mundo e à sua agitação. O curso de pensamento que aqui perseguimos emergiu de uma determinação semelhante. Num instante em que os políticos, em quem os adversários do fascismo tinham colocado as suas esperanças, jazem por terra e reforçam sua derrota com a traição à própria causa, esse curso de pensamento se propõe a desvencilhar os filhos políticos deste século dos liames com que os políticos os tinham enredado. Partimos da consideração de que a crença obstinada desses políticos no progresso, sua confiança em sua 'base de massa' e, finalmente, sua submissão servil a um aparelho incontrolável, foram os três aspectos de uma única e mesma coisa. Essa consideração procura dar uma idéia do quanto custa a nosso pensamente habitual elaborar uma concepção da história que evite toda e qualquer cumplicidade com aquela a que esses interesses políticos continuam se apegar".

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"Partimos da consideração de que a crença obstinada dos pol´tiicos no progresso, sua confiança em sua 'base de massa' e, finalmente, sua submissão servil a um aparelho incontrolável, foram três aspectos de uma única e mesma coisa". O exemplo da regra monacal expõe, junto a essa consideração, que o materialista histórico deve se distanciar das concepções, na tentativa de encontrar as causas que estão além da superficialidade e também para se distanciar das posições confortáveis das ideologias políticas do progresso.
No fundo, Benjamin parece apontar para duas questões intimamente ligadas: a primeira diz respeito ao perigo da cumplicidade com a história dominante; o que no sleva a segunda, a necessidade premente de se pensar uma história que evite essa cumplicidade. Questão teórica que se torna metodológica. De qualquer modo, isto é antes de tudo uma crítica à própria esquerda de seu tempo, ao conformismo stalinista que levou à assinatura do Pacto Ribbentrop-Molotov. E pode ser vista à luz da tese 8 de Korsch, em suas 10 teses que viriam a aparecer 10 anos após a morte de Benjamin. Ali ele denuncia o seguinte: "[...] Marxism has been changed; from a revolutionary theory it has become an ideology. This ideology could be and has been used for a variety of different goals". A solução à questão teórica e metodológica apontada por Benjamin, seria também apontada sintéticamente pelo mesmo Korsch ainda nestas 10 Teses: "the first step in re-establishing a revolutionary theory and practice consists in breaking with that Marxism wich claims to monopolize revolutionary initiative as well as theoretical and practical direction". A crítica à esquerda de seu tempo leva à concepção de um novo tipo de prática revolucionária.
Por isso, no lugar do progresso idealizado pela esquerda stalinista conformista, Benjamin vê a atualização: "O que são desvios para os outros, são para mim os dados que determinam a minha rota - Construo meus cálculos sobre os diferenciais de tempo - que, para outros, perturbam as 'grande linhas' da pesquisa" [N 1, 2]

Hipótese: Aqui Benjamin dá sinais de por onde começaria uma nova concepção de história: na autalização. Para compreender o que seja esta atualização, é necessário compreender a imagem dialética e a questã da infância.cf [N 2,2] das Passagens.


quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Independência Filosófica

Uma idéia me surgiu assim um pouco de repente, involuntariamente. Me parece que, para que os falantes da língua portuguesa ou ainda o pensamento de língua portuguesa, consiga uma independência filosófica, uma certa identidade filosófica, melhor dizendo, algo que o caracterize enquanto tal, que o localize e o determine em características próprias, ele precisa de uma "teoria da saudade". Em tempos em que nossa língua silencia sobre seu próprio definhamento frente a galicismos e anglicismos, caminhamos para uma resposta fatal à pergunta feita por Camões na ficção de Saramago. Antes que seja tarde demais, antes que nos expropriem essa palavra que só nós podemos entender - alguns dicionários espanhóis já a adotaram - precisamos caminhar um pouco em relação a ela, aprofundá-la. Os portugueses com certeza dirão que isso é impossível pois não há como explicar a saudade, somente sentí-la. Que não a aprofundemos então para explicá-la, mas para, de algum modo, e não necessariamente de forma explícita, fundamentar, tendo-a como base, aquilo que se pensa neste sentimento único. Caso contrário, parece que caminhamos numa direção na qual em alguns anos, a saudade só constará nos dicionários de uma língua morta. Se ainda a saudade vivesse um dia como saudade, ela resistiria, mas, quando se esquece a palavra, é difícil lembrar seu significado. Ainda mais quando esse significado é somente sentido, e não racionalizado.

"Saudade" - de Lucas Armendani

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A Daniel e Bárbara

"O que me fascina e me mantém encantado nas fotografias que amo? Creio que se trata simplesmente disso: a fotografia é para mim, de algum modo, o lugar do Juízo Universa; ela representa o mundo assim como aparece no último dia, no Dia da Cólera. Certamente não é um aquestão de tema; não quero dizer que as fotografias que amo são as que representam algo grave, sério ou mesmo trágico. Não; a foto pode mostrar um rosto, um objeto, um acontecimento qualquer.

[...]

Há, porém, outro aspecto, nas fotografias que amo, que não gostaria de silenciar de modo algum. Trata-se de uma exigência: o sujeito fotografado exige algo de nós [...] Mesmo que a pessoa fotografada fosse hoje completamente esquecida, mesmo que seu nome fosse apagado para sempre da memória dos homens, mesmo assim, apesar disso - ou melhor, precisamente por isso - aquela pessoa, aquele rosto exigem o seu nome, exigem que não sejam esquecidos.

[...]

Autores do Nouveau Roman: Alain Robbe-Grillet, Claude Simon, Claude Mariac, Jérôme Lindon, Robert Pinget, Samuel Beckett, Nathalie Serraute e Claude Ollier, em frente das Éditions de Minuit, em Paris. Foto de Mário Dondero.

De tudo isso, a fotografia exige que nos recordemos; as fotos são testemunhos de todos esses nomeperdidos, semelhantes ao livro da vida que o novo anjo apocalíptico - o anjo da fotografia - tem entre as mãos no final dos dias, ou seja, todos os dias".


AGAMBEN, Giorgio. O Dia do Juízo. In: Profanações. São Paulo: Boitempo, 2005. pp 27-30.
Mario Dondero


Sobre o Conceito de História II

Tese V: "A verdadeira imagem do passado passa célere e furtiva. É somente como imagem que lampeja justamente no instante de sua recognoscibilidade, para nunca mais ser vista,que o passado tem de ser capturado. 'A verdade não nos escapará' - essa frase de Gottfried Keller indica, na imagem que o Historicismo faz da história, exatamente o ponto em que ela é batida em brecha pelo materialismo historico. Pois é uma imagem irrestituível do passado que ameaça desaparecer com casa presente que não se reconhece como nela visado".

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O passado deve ser capturado como a imagem que lampeja, como aquela do instante fugaz entre sono e vigília. O materialista histórico deve se apoiar nesse instante do saber ainda não consciente. Ao contrário do epiteto de Keller "A verdade não nos escapará", imagem que o Historicismo faz da História, o materialista está ciente de que a História nos escapará exatamente quando não pode ser reconhecida no presente. E é no instante da fuga que ela é capturada. Há uma semelhança entre passado e presente. Semelhança essa que que não passará batida aos olhos do materialista histórico, pois é a semelhança que faz exatamente com que passado e presente se unam. Aquele não só pelo que foi de fato, mas pelo que poderia ter sido e o outro por ser o instante em que o passado se compreende e, de certo modo, se realiza, pois assume a forma de possibilidade e transforma o presente na promessa que deve, ainda, ser descoberta em seu plano maior.

Hipótese: A História não seria ela mesma, então, possibilidade?

A tarefa do materialista histórico é aquela retratada no poema de Brecht:

"Com cuidado examino
Meu plano: ele é
Grande, ele é
Irrealizável".

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Sobre o Conceito de História

A segunda tese de Walter Benjamin:

"Pertence às mais notáveis particularidades do espírito humano, [...] ao lado de tanto egoísmo no indivíduo, a ausência geral de inveja de cada presente em face do seu futuro", diz Lotze. Essa reflexão leva a reconhecer que a imagem da felicidade que cultivamos está inteiramente tingida pelo tempo a que, uma vez por todas, nos remeteu o decurso de nossa existência. Felicidade que poderia despertar inveja em nós existe tão-somente no ar que respiramos, com os homens com quem teríamos podido conversar, com as mulheres que poderiam ter-se dado a nós. Em outras palavras, na representação da felicidade vibra conjuntamente, inalienável, a [representação] da redenção. Com a representação do passado, que a História toma por sua causa, passa-se o mesmo. O passado leva consigo um índice secreto pelo qual ele é remetido à redenção. Não nos afaga, pois, levemente um sopro de ar que envolveu os que nos precederam? Não ressoa nas vozes a que damos ouvidos um eco das que estão, agora, caladas? E as mulheres que cortejamos não têm irmãs que jamais conheceram? Se assim é, um encontro secreto está então marcado entre as gerações passadas e a nossa. Então fomos esperados sobre a terra. Então nos foi dad, assim como a cada geração que nos poceder, uma fraca força messiânica, à qual o passado tem pretensão. Essa pretensão não pode ser descartada sem custo. O materialista histórico sabe disso".

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Primeiramente trata-se aqui de uma redenção que ultrapassa o limite individual, consolidando-se como redenção coletiva, por meio da história. A vontade de compreendê-la (a História), seria algo possibilitado por essa fraca formça messiânica presente naqueles que detém tal vontade. Força essa à qual o passado tem pretensão. Seria possível falar então, talvez, de uma "Vontade de História", ela mesma histórica, pois constituída naquelas "vozes a que damos ouvidos", ecos das vozes hoje calada. Essa vontade resume-se, exprime-se e realiza-se somente no agora, no presente que trás para si o passado; no agora, no Jetztzeit. É ele, o tempo de agora, o agora da cognoscibilidade talvez - trazendo a referência do trabalho das Passagens - o instante do despertar, no qual o sonho ainda se nos vem à memória, na forma de suas imagens. O  materialista sabe disso, pois ao invés de "passar (vertreiben) o tempo, convida-o (einladen) para entrar, carregando-se (laden) de tempo como uma bateria armazena energia (lädt): o flâneur", que devolve o tempo sob outra forma: aquela da espera.

Hipótese: para que o materialista realize a História, é necessária tê-la como espera. Espera da atualidade.

cf: [D 2a, 2]; [D3,4]; [D 10a, 2] e [K 1a, 2] das Passagens

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Constituição

A subjetividade é a pior das cadeias. O sujeito transcedental, aquele postulado pro Kant, é o ápice desta prisão que postulamos a nós mesmos.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Excerto V

"[...] à tout âge, avec tout poème, commencer est possible. Ainsi, jeune gens, vous pouvez commencer".

"[...] à toda idade, com todo poema, começar é possível. Assim, jovens, podeis começar".

Abbas Beydoun

Excerto IV

"Tuer la langue, c'est tuer la mémoire, car les mots, c'est aussi une histoire; ce sont eux qui nous donnent l'assurance de notre vie passée; grâce à eux, nous entendons encore nos aïeux parler".

"Matar a língua, é matar a memória, pois as palavras são também uma história; são elas que nos asseguram nossa vida passada; graças a elas, nós escutamos ainda a fala de nossos antepassados".

Abbas Beydoun (Ch'hour, Líbano 1945 - )

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

JETHRO TULL ¨ Wond´ring Again ¨



Em homenagem aos que compartilham meu gosto por essa banda extraordinária, peço que tomem 4 minutinhos do seu dia para escutar esta pérola do rock. E dia 14 de Maio Ian Anderson se apresenta em Sampa, no Credicard Hall. Vamo ae?

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O Rancor

Guardar rancor é até certo ponto algo inevitável. É muito difícil dizimar a raiva que alguém nos suscitou. O perdão é extamente a solução cristã para o rancor: "Não esqueça, mas não leve em conta".

Por muito tempo eu achei que o rancor fosse necessário embora eu sempre fugisse dele. Necessário para mantermos as coisas vivas: os sentimentos, o tempo, a verdade das relações entre as pessoas. A verdade, é que o rancor consome muito tempo, inibe muitos sentimentos e traz mentira a muitas relações.

O rancor nasce quando vemos que, lá no fundo, somos fracos, pois não conseguimos lidar cara-a-cara com aquilo que foi contrário à nossa vontade Esquecer é impossível. Mas porque guardar raiva de pessoas tão baixas, erradas ou pior, pequenas? Somente uma pessoa muito fraca precisa de motivos que a fortifiquem. Só resta lidar com o fato de que não haverá um dia em que esses motivos não sejam necessários.

Melhores Filmes - Melhores Posters 3

Outro clássico da década de 60: A Pantera Cor-de-Rosa, a original, com Peter Sellers e não aquele zé-graça do Steve Martin.