segunda-feira, 29 de junho de 2009

Fragmento III

"Fôssemos infinitos
Tudo mudaria
Como somos finitos
Muito permanece."

Se Fôssemos Infinitos - Bertolt Brecht.

We are the world!

Parece que há já algum tempo, é moda apontar as necessidades do mundo. Uma hora precisamos de Amor, outra hora de uma política "Firme", outra hora de mais Compaixão.
No fundo, pedimos para os outros aquilo que pensamos ser melhor para nós mesmos, passamos para os governantes, os políticos, o clero e vários outros títulos aquilo que deveríamos buscar por nós mesmos. É fácil, assim, identificar os males do mundo e tagarelar sobre isso, porque a responsabilidade não é nossa, é sempre dos que mandam... Assim, fazemos a "nossa parte" e ficamos em paz com nossa consciência...
Se podemos ser salvos, se queremos sê-lo, só nós podemos fazê-lo... há um limite para tudo... os problemas políticos do mundo são importantes... mas deixemos de substituí-los pelos nossos próprios. Deixemos de fingir que estamos em paz com nós mesmos...

terça-feira, 23 de junho de 2009

Digressão

"Os verdadeiros indivíduos do nosso tempo são os mártires que atravessaram os infernos do sofrimento e da degradação em sua resistência à conquista e à opressão, e não as personalidades bombásticas da cultura popular, os dignatários convencionais. Esses heróis não celebrados expuseram conscientemente sua existência como indivíduos à aniquilação terrorista que outros arrostam inconscientemente através dos processos sociais. Os mártires anônimos dos campos de concentração são os símbolos da humanidade que luta para nascer. A tarefa da filosofia é traduzir o que eles fizeram numa linguagem que será ouvida, mesmo que suas vozes finitas tenham sido silenciadas pela tirania". - Max Horkheimer - Eclipse da Razão

terça-feira, 9 de junho de 2009

Fragmento II




"Que sueño, el de la vida!" - Miguel de Unamuno

Vozes

Pessoa não fez mais do que dar voz aos inúmeros 'eus' que habitam em cada um. Na verdade, Caeiro, Reis, Campos ou Soares não são outros que habitam em nós, mas o pouco de nós que habita em outros e que se confluem para dar forma àquele 'yo' de Unamuno; o 'yo de carne y hueso'. Não o eu do nome, da memória ou da razão. Simplesmente, 'yo'.
Não à toa Saramago nos diz que "dentro de nós tem uma coisa que não tem nome". Os heterônimos de Pessoa constituem a tentativa frustrada de captar o inominável que nos habita, o lugar perdido da linguagem original na qual não precisávamos nos desdobrar para ter qualquer tipo de experiência. Talvez, assim como Baudelaire, que deu à sua vivência o peso de uma experiência verdadeira, pois mostrou que não há mais experiência possível, só aquela de estar sujeito às mesmas vivências cotidianas, Pessoa tenha mostrado pela sua poesia, pelo esfacelamento de seu 'eu' em vários compartimentos (a divisão entre conhecimento e alma é o que constitui o sujeito moderno), a extinção do local da experiência verdadeira.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Uma para o Alemão

"Por lo que a mí hace, jamás me entregaré de buen grado, y otorgándole mi confianza, a conductor alguno de pueblos que no esté penetrado de que, al conducir un pueblo, conduce hombres, hombres de carne y hueso, hombres que nacen, sufren, y aunque no quieran morir, mueren; hombres que son fínes en sí mismo, no sólo medios, hombres que han de ser lo que son y no otros; hombres, en fin, que buscan eso que llamamos la felicidad. Es inhumano, por ejemplo, sacrificar una generación de hombres a la generación que le sigue, cuando no se tiene sentimiento del destino de los sacrificados. No de su memoria, no de sus nombres, sino de ellos mismos".


Miguel de Unamuno - Del Sentimiento Trágico de la Vida

Resposta à poetisa de Marte

Disse a Marcianita,
Que o amor não se escolhe.
Que o coração vem antes,
e mesmo assim, que coisas colhe!

Disse a Marcianita
que o amor é uma droga.
Que a mente se avilta,
E a gente quer mais, roga.

Disse a Marcianita,
que amor dá depressão.
Que a gente se atrita,
com a própria emoção.

Disse a Marcianita,
que ele dá cabo à Vontade.
Assim, a gente grita,
E da vida se evade.

Ora poetisa!
Muito amor eu já tive!
Então, corte essa brisa!
Amando, se vive!

=)

terça-feira, 2 de junho de 2009

Cotidiano

Como conversar? Com quem? Sobre o quê?
Acabam de me vir à cabeça essas questões...
Parece, na maioria das vezes, que não temos nada a conversar. Parece realmente que a rotina, não importa de quem, já é conhecida. De fato, cada vez mais me convenço de que esse mundo capitalista se pauta pela eterna repetição do velho, que nos aparece disfarçado de novo. Por isso é preciso ter em mente que a rotina é uma invenção; que ir todos os dias aos mesmos lugares não é jamais repetição. As pessoas que vemos são outras, as vozes que ouvimos são diferentes. è preciso trazer à tona aquilo que há de mágico no tempo.
Por isso, lembro-me sempre de um dia em que, mau-humorado, pensando em meus enormes problemas, dirigindo-me à faculdade recebi de uma garotinha - tinha não mais que 4 anos - um enorme sorriso, daqueles que só uma criança pode dar, que atinge toda nossa alma. Sorri instantaneamente. A garotinha, no entanto, ao se virar olhando para o outro lado, mostrou-me uma enorme cicatriz que trazia da nuca à testa. E lá estava eu, sorrindo ainda e ela de novo sorrindo para mim.
Aquela garotinha me salvou...

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Tristesse


Schopenhauer nos diz: Alles Leben Leiden ist (toda vida é sofrimento). Ultimamente, tenho sido levado a pensar que é verdade. Percebi, no entanto, que essa afirmação, feita por um filósofo "pessimista", não signifique que a vida seja triste, depressiva ou sem valor e isso em parte pelo que Saramago escreveu em seu blog.
Numa de suas entradas, "Beijar os Nomes", ele deixa registrado que, ao ver em Espanha as pessoas lembrando o atentado aos trens de Madrid, lembrou-se das mães argentinas no memorial das vítimas da ditadura. Lá, elas beijavam os nomes marcados em pedra. Eram os nomes de seus filhos, sobrinhos, maridos, tios e etc. Tanto lá, como em Espanha, ele percebeu que o verbo solidariedade é conjugado todo dia nos seus três tempos. Por isso, percebe que na rememoração dos atentados e das vítimas da ditadura - e devemos entender que não só as vítimas desses dois casos específicos - o povo ascende ao sublime com grande dignidade, pois o belo não é apenas uma categoria do estético, podemos encontrá-lo também na ação moral.
Por isso, se olharmso para grande parte da História, talvez toda vida seja realmente sofrimento, mas que dignidade, que beleza não criamos disso. E que reconhecimento no outro, que reconhecimento do Eu, que enobrecimento do Nós, que estímulo àquela Vontade que Schopenhauer tanto elevou. Que Vontade de Vida!
Fui levado a pensar isso enquanto ouvia à Tristesse de Chopin tocada por Baden Powell. Senti, naqueles minutos, que cada vez mais minha Vontade cresce. E que cada vez mais a tristeza, dialeticamente, mostra que podemos ser felizes.