terça-feira, 18 de junho de 2013

Não-resignação e Autoridade

A não-resignação pode levar ao autoritarismo.
Uma parcela da juventude ilustrada ganha voz e se espalha nas movimentações atuais. Essa parcela, em geral auto-proclamada de 'esquerda', nos faz o favor de esclarecer a questão real das manifestações: o aumento da tarifa.
O que em poucos dias tinha tomado uma proporção maior voltou hoje a ser, em parte, um detalhe. O problema real são os R$0,20. Não que não sejam, é claro. Desta vez não estou ironizando essa questão. O problema é teórico. Se a questão são os R$0,20, então as manifestações devem cessar com a resolução do problema. Se as manifestações cessarem, a esquerda cai em contradição, porque é de seu princípio manter a revolta enquanto houver problemas compreendidos como tais pela sociedade. A meu ver, para além de seu caráter de classe, é isso o que acontece.
Sem dúvida, entretanto, pode-se perguntar se essa revolta não é essencialmente uma revolta da classe média. "A classe média cansou de ser explorada". Essa frase impressa num dos cartazes de ontem exibe, em parte, um sentimento que todas essas pessoas parecem compartilhar, queiram ou não. "Nós, burgueses de esquerda, cansamos de sermos explorados e, se o 'povo' não compreende, nós mostraremos a eles". Ora, esse é o caráter fundamental da revolta burguesa: ela toma frente, ela assume a liderança e depois limpa os detritos.
O detalhe é que, se por um lado essa manifestação toma o caráter de 'cara-pintada', por outro toma o de uma atitude crítica pungente sobre a sociedade. Crítica de fato? Não, obviamente. Não é crítica porque aqueles que isso pretendem, que reivindicavam uma causa coletiva, agora se eximem de uma coletividade. Passaram a reivindicar uma exclusividade sobre "a" causa do manifesto. Porque nos manifestos agora estão pessoas de direita, estão novos-ricos, estão reacionários, então não podemos nos misturar.
Mas e quanto ao caráter pacífico da manifestação. Porque é bem claro que se é pacífico, revolucionário não pode ser e consequentemente, é de caráter essencialmente reformista e democrático. Essa é a verdade: esse é um movimento verdadeiramente democrático e muitos não querem aceitar, porque não vão se misturar ao "inimigo", ao playboy e à patricinha.
Ora, é o preço!
Ainda creio que resida nisso tudo uma silenciosa violência. Mais de 65000 pessoas ontem gritaram "Sem violência" e hoje, quando 20 pessoas quebraram a prefeitura, elas silenciosamente se resignaram.
Esquerdistas, socialistas, acordem! Se é assim, quebrem tudo. Se há tantos inimigos à volta, vão à caça! Porque ser democrático não é exatamente ser "de esquerda". É ser democrático.
A repressão dessa vontade potente de organizar um movimento que acabe com as coisas leva ao autoritarismo de alguns jovens intelectuais, que respondem com toda pompa e razoabilidade à ameaça de direitismo. Ali, no campo intelectual, eles estarão seguros, estarão sempre certos e poderão ridicularizar aqueles que, na materialidade, eles não podem derrotar. Eu tenho medo de que muitos jovens intelectuais de classe média que andam protestando tenham, como bons filhos da burguesia, muita violência reprimida. Talvez por isso eles dêem tanta importância à premissa da não-violência.
O que se está fazendo de modo geral é democrático! As manifestações são democráticas! A esquerda perde porque é incapaz de ser tão democrática quanto a direita e ela está começando a mostrar isso mais uma vez! Negando, no discurso de alguns, o direito à participação de certas parcelas sociais.

Crítica e Resignação

Acabo de ter uma surpresa ao ver que muitas coisas que eu tinha escrito em meu blog há alguns dias, vêm se confirmando, como venho observado por manifestações de amigos e conhecidos no Facebook. Quando da publicação do texto na página social, não obtive comentários ou 'curtir' qualquer e somente uma pessoa se prestou a, aqui mesmo no Flanante, marcar o texto como 'ruim'.
Em parte eu posso entender. É a velha postura esquerdoide de ver algo não exatamente igual ao que unanimidade pensa e acusar de 'reacionarismo' (por sinal, uma palavra que se usa tanto que acho que ninguém sabe realmente o que significa). Ora, acho que devo me explicar: o que está certo, para mim está certo e não me importa mais. O que me preocupa, o que eu acho inseguro, errado ou incerto, é o que merece uma atenção maior, por isso prefiro debatê-las. Mas em geral, simplesmente tendem a achar que isso é uma postura oposta. Porque não glorifica, porque 'fala mal'.
Enfim... que o problema agora em relação às manifestações é outro, todo mundo sabe. Qual é, exatamente, também começa a ficar claro. E começamos a ver a coisa se desenhando, tomando forma: os grupelhos estão se escancarando. Qualquer manifestação pública (não exatamente 'popular'), toma forma com o tempo. Exatamente por ser pública reúne interesses diferentes.
Agora, entretanto, há o grupelho dos 'conscientes'. São aqueles que não se decidiram ainda entre matar o pai ou pedir a bênção. São os porta-vozes do bom-senso. Só eles sabem que "isso não vai dar em nada, porque você protesta contra a tarifa e depois paga R$3,20 pra voltar pra casa"; porque "você pede uma coisa numa esquina e outro grupo pede outra coisa na esquina seguinte". Não estão de todo errados, claro que não. Mas ainda insistem em indicar o problema mais vago, mais banal, sem um pingo de mediação. São os que não agem nem como esquerda nem como direita, mas pensa como ambos: inflamados, por um lado (quando atinge o ego) e reativos por outro (quando acabam metidos no 'problema alheio') .
Ora, a questão está longe de ser essa que se aponta. Se há diferenças (e há, definitivamente), essas devem ser resolvidas no desenvolvimento do processo,tendo em vista o rompimento do eterno retorno ou da repetição histórica (claro, isso é o mais difícil e talvez até mesmo utópico, principalmente no Brasil). Sim há partidos, sim eles devem ser postos para fora, sim é paradoxal - porque se subjuga a se comportar do modo que condena; sim, é moral e categórico à la Kant. Isso é parte inerente aos processos de longa duração. Porque isso que se pretende só pode ser entendido como um processo de longa duração, uma vez que, de revolução mesmo, não se está observando nada. E claro que tudo isso deve ser exposto.
Mas ao mesmo tempo, esses mesmos 'coerentes' agem publicamente, postando, dialogando, movidos pela mesma questão que todos os outros. É claro que não ficar a favor dos manifestantes não é a mesma coisa que se por ao lado diametralmente oposto, é sim, talvez, uma terceira opção. Se se fala para aparecer, que se passe batido, se se fala para debater e continua-se a assumir a postura do 'bom-senso', da 'voz da razão', cai-se num poço sem saída. Eu até entendo, porque dialogar com esquerdete enche o saco: se não concorda com vírgula por vírgula, é contra. Mas é preciso ter em conta que a postura crítica não é uma questão de opinião. É uma questão de enganar a própria razão. Os que se acham a voz da razão acabam por ser diametralmente opostos não aos 'democratas' que estão quase se tornando caras-pintadas; eles são opostos aos partidaristas, aqueles guiados pela pura vontade de poder que os leva ao oportunismo Eles são resignados no pior sentido da palavra, porque é por eles que os que escolhem fazer algo, por mais que tipicamente partidarista - algo que grande parte dos manifestantes vem sendo contra - ganham força.
Pela primeira vez em muito tempo pode-se dizimar essa força partidária de uma esquerda capenga que só pensa na "queda do capitalismo", do PSTU, do PSOL etc. Pela primeira vez, pode-se juntar uma força maior que ambos os lados, aí sim, criando uma alternativa.
Ser crítico não é apontar ou acusar isso ou aquilo. Isso é necessário, sem dúvida e eu devo dizer que até divertido, mas somente como parcela autocrítica da própria manifestação da insatisfação. Por um lado, esse 'coerentes', esses 'razoáveis', ajudam a todos, mas acabam sendo deixados de lado. Ou porque há gente burra que nem consegue entendê-los, ou porque eles creem que essa postura por si só já indica uma decisão. E indica! Ironicamente, indica a direção oposta. A acusação, a ironia, o sarcasmo deve ser, por isso, somente usadas como autocrítica. Crítica não é se resignar à própria "certeza" da falibilidade do movimento. Essa é a postura do partidário: ele crê no fim da história. Crítica é saber que Deus não existe e mesmo assim escolher acreditar nele.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Insatisfação, Revolução e Medo

Triste da terra que precisa de herois, de fato!
De que serve escrever pelos muros que o Estado é violento e esperar, por outro lado, que o Estado endosse as opiniões populares (que não são exatamente 'do povo'). Embora sejamos roubados a cada instante, a indignação geral do momento não tem e não deve ter nada a ver com um aumento de 20 centavos.
Há coisas que vem antes, mais importantes. Coisas maiores.
O que fica é a impressão de que, por mais justa que seja, essa reivindicação esconde a silenciosa cumplicidade e outorga de legitimidade ao poder do Estado. O movimento que tem tomado conta das ruas de São Paulo nos últimos dias se parece - não pela manifestação efetiva, mas pelo discurso - mais como uma birra adolescente do que com uma "tomada de poder" como certas vezes se vê em mídias sociais. É uma cumplicidade pelo clamor de que o Estado nos geste e tome conta. 
"Você, Estado, não está cumprindo seu papel. Tome conta de nós! Afinal, é por isso que pagamos nossos impostos!".
Ao mesmo tempo, o grito é de que o Estado deve ter seu poder cerceado. Se o problema é realmente o que se diz ser, a questão de fato não é o aumento no preço do transporte público, mas um descontentamento geral com o modo como nossa sociedade como um todo vêm se organizando.
Claro, tem que ir pra rua, tem que bater e tem que apanhar. Mas sem glorificação. Essa glorificação da indignação, da chegada da revolução, esse típico Sebastianismo brasileiro, tira as coisas de foco. É preciso fazer o que é preciso fazer e não transformar isso numa luta de vencidos contra vencedores. Não estamos escrevendo a história à contrapelo.
Não é só o preço do transporte que é absurdo; é o preço do tomate, o preço de um livro, de uma peça de roupa, o preço do leite da criança, da merenda escolar.
O problema é o seguinte. Isso a que andam chamando de "manifestação popular" tem um caráter outro que "popular". Quem incitou às manifestações - e repito, acho as manifestações a princípio corretas - foram os jovens "ilustrados", universitários e de classe média sim. Em tempos idos ao menos a esquerda admitia a necessidade de uma vanguarda do partido. Se é para ser do modo que está sendo. É preciso primeiro mudar o foco da manifestação e segundo, admitir que essa manifestação tem um viés ideológico e assume o pressuposto de uma vanguarda de jovens intelectuais.
Do contrário, isso passará para a história simplesmente como um episódio de descontentamento burguês.
E não adianta falar de Istambul ou de Londres. Não somos Istambul nem Londres. Somos São Paulo, somos Rio de Janeiro, somos do Brasil e estamos tratando - ao menos em teoria - do Brasil que queremos.
Se for pra fazer revolução, façam revolução! Admitam! Peguem em armas. Mesmo! Põe fogo em tudo.
E não recorram ao seu Estado social-democrata, burguês e burocrata, para pedir justiça aos pobres inocentes presos. Se é pra por fogo, é pra correr o risco de ter fogo posto no que é seu!
Os revolucionários indóceis sabiam disso. Foi assim que revolucionaram.