quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Qual a importância de um estado?

A moda nao é um fenômeno passageiro. O que é passageiro é simplesmente seu objeto. Assim sendo, a moda também se expressa no campo do pensamento. Existem autores da moda. Atualmente, parte desta moda gira em torno da aura mística de Walter Benjamin, aquele trágico crítico assimilado que tantos insistem em transformar em rabino. Walter Benjamin, assim como seu amigo e companheiro Gershom Scholem, jamais foram sionistas. Benjamin recusou-se a partir para Jerusalém e Scholem, emérito professor da Universidade Hebraica, nunca defendeu o sionismo, se recusando mesmo a aceitar o hebraico como língua oficial de um possível Estado judeu, pois o hebraico, para ele, é uma língua consagrada, sacra.
É de se pensar o motivo das recusas. Benjamin viveu sob um regime político no qual o Estado deve ser apreendido como um conceito que viu, nesta época, a identificação entre conhecimento e verdade. Sob o regime totalitário, o Estado pode, pela primeira vez, realizar-se como ideal. 
Pois o conhecimento, nos diz Benjamin, se relaciona ao conceito, mas a verdade está contida na palavra. Pela primeira vez, o Estado descolou-se do plano conceitual, para realizar-se como pura palavra, nome puro que encerrava as possibilidades últimas de sua própria composição. Por isso tantos vêem Benjamin como um místico, um rabino e, graças ao seu 'caráter destrutivo', um anarquista. Benjamin nao foi, em realidade, nenhum destes, mas isto nao vem ao caso. O que importa aqui, é que foi por essa identificação entre palavra e conceito, verdade e conhecimento, que Benjamin enxergou o sem-número de atrocidades advindas da concepção compartilhada por direita e esquerda. O Estado sob o qual vivia, era um Estado na acepção total da palavra. Encerrada em si mesma, à palavra nada escapa, ao nome - pois palavra e nome sao um e o mesmo - tudo é hermético. Esse é o risco político da luta que se trava contra a autoridade e o poder, recair numa linguagem que reproduz, pela verdade contida no nome, a lógica de uma dominação intrínseca.
O Estado que causou a morte de Benjamin, que causou o extermínio de pessoas aos milhares - independentemente do por que, mortes humanas nao se resumem à contabilidade ou à justificativa; os mortos nao se levantarão para falar - foi o Estado que herdamos. A própria realização da identidade entre conceito e nome poderia ter sido o suficiente para que abolíssemos, de forma radical, a nomenclatura daquilo que confundimos com pátria, nação, ou lar. Mas a verdade foi bem diferente. Exatamente por essa capacidade totalizante e totalitária do Estado, percebemos a total dependência que possuímos sob esta mesma forma de organização sócio-política. O Estado se tornou necessário, e se a figura lógica seria a de um mal necessário, vivemos bem o contrário e pensamos que é um bem necessário. Bem nao somente no sentido do Bom, mas no sentido do bem que se detém, do bem material. Nosso bem material é de tutela do Estado, e na caótica organização à qual nossos bens sao submetidos pela administração estadual, podemos lavar as mâos da responsabilidade do desenrolar histórico. Tudo se torna forca do acaso. O Estado se tornou uma grande poltrona reclinável para a sociedade. De início, pode ser incômoda, as costas se cansam do ângulo reto que acaba por nos paralisar, mas com a pressão certa, posta no lugar correto, ela nos abraça e nós podemos dormir tranquilos.
Ora, nao existe Estado que preconize o bem-estar. O Estado, seja ele qual for, é e só pode ser compreendido em nossos dias, como o requisito formal a uma política que atua na lógica da oficina mecânica: partes sobressalente sao remendadas e trocadas para servirem a outro propósito. Se nada mais pode ser aproveitado, elas sao descartadas imediatamente.
A lógica de um Estado, seja ele qual for, será sempre a da reprodução daquilo que Benjamin pode perceber com perspicácia: a lógico intrínseca de uma dominação que começa pela linguagem, pelo nome. Por isso Benjamin virou seus olhos à história. Pois era essa mesma história, sob a sombra do historicismo e da necessidade de se descobrir a lógica do desenvolvimento histórico fato por fato, 'tal qual aconteceu', que legitimou a dominação da qual o Estado moderno se serviu.
A história racional, pretensamente neutra ou secular, mitologizou-se. A historia do homem tornou-se a rua de mao única para uma teleologia prescrita nas religiões institucionalizadas: na chegada do Messias pela porta estreita, na segunda vinda do Cristo, ou na conversão do mundo aos ensinamentos do único Profeta de Deus, nas regras e nas proibições, no tabu e no jejum.
Foi essa mesma superação do mito pela religião que serviu ao Estado, pautado pelo Capitalismo, para que este se tornasse ele mesmo um religião.  O Estado, pelo Capitalismo - nao há Estado sem Capitalismo - sacralizou-se, tornou-se uma certeza tao clara quanto a existência de Deus ou a vida após a morte, isto é, certeza nenhuma, senão dogma.
Sob essa sacralizacao, a história transforma-se, assim como a religião, em tabu, ou seja, em mito. Religião e História caem para o domínio da natureza sob a qual nao há escapatória. É esse mesmo problema que o Oriente Médio, em nossos dias enfrenta. A promessa de um Estado prometido por Deus é a confirmação do estatuto mitológico falseado de uma realidade social que, dada pelo Capitalismo, é de foro econômico e consequentemente, dominador.
Nao há Estado que sirva ao povo. Um Estado serve ao povo na medida de seu próprio interesse, na garantia de sua reprodutibilidade. A ideia de uma Terra Prometida nao tem relação alguma com a necessidade de uma território nacional. Essa era a questão que dizia respeito a Benjamin e Scholem no tocante à Palestina. A ideia de um Estado Judeu é inconsequente e autoritária porque se impõe pela nomeação de um Justo eleito. É tao absurda quanto nos pautarmos pela brincadeira de que 'Deus é Brasileiro'. Porque o Estado é em si mesmo um desrespeito à religião enquanto organização de uma doutrina histórica de crenca. Porque o estado vem para tomar o lugar da religião, para tornar-se, ele mesmo a religião vigente. O falseamento entretanto, recorre no fato de que, por trás de sua pretensão totalizadora, o Estado mascara-se pelo sistema linguístico-cultural daqueles que o cultuam. O estado vive da fagocitose, vive de devorar o Estado mais fraco, sorvendo-se de sua energia econômica para fortalecer-se.
Por isso, para a Sociedade Ocidental, o Estado Laico foi uma conquista, ainda que nao sem problemas, para o pensamento e as formas de vida. Ele garante a situação necessária para a superação da problemática cultural. Nao só, um Estado verdadeiramente laico, suprime o apelo à religiosidade como fonte de Justiça e justificativa política. Por isso o Reino Unido foi, perspicazmente, contra a formação de Israel. 
Sem colocar a necessidade de um território nacional em questão, porque esse me parece um apelo justo, a justificativa de Israel se dá sob a ótica daquela que os países Ocidentais põem e questão desde o fim da Segunda Guerra. A necessidade de um território nao por questões de organização sócio-cultural e mesmo econômica, mas por questões de destino manifesto. nesta esteira, incorrem hipocritamente no mesmo discurso de que acusa seus vizinhos inimigos: domínio regional. É absurdo que o Islam se exija um mundo sem fronteiras territoriais, mas nao é absurdo que se organize um país porque lhe foi prometido por Deus. Nao só um país, na verdade, mas um Estado, um Estado real, forte, mitológico, porque na acepção de um Estado judeu para o Povo Eleito, confunde-se - talvez o propósito seja misturar propositadamente - o caráter falseador do Estado moderno, posto em questão desde o fim da Guerra.
Neste movimento, uma jornalista ou coisa qualquer é capaz de utilizar este mesmo argumento como desculpa para criticar, com uma ironia deselegante que lhe deve ser bem característica, da 'Utopia' palestina de um território árabe. Mas até onde se pode pensar, a ideia do território judeu unificado foi durante muito tempo uma utopia.
Claramente, a pseudo-qualquer coisa desconhece a diferenciação entre utopia e utopia concreta, esta última pensada, inclusive, por outro intelectual judeu alemão - porque é importante dizermos que esses intelectuais da Escola de Frankfurt por exemplo, eram judeus, mas também alemães. Ironiza, também o domínio palestino do marketing, que os levou inteligentemente a banir aos poucos a sigla OLP. Como eu disse, os dois povos sao face da mesma moeda. O argumento desta - como chamá-la? nao consigo classificá-la como jornalista, analista política e muito menos como pensadora -  pautam-se por essa desculpa mitológica da terra prometida, da promessa de Deus, quando a questão real envolve o interesse que é próprio ao Estado, nao só o Estado Israelense, mas qualquer Estado. Esta mulher se serve, se apropria dos termos clichês de quem ainda nao conseguiu se desligar das aulas de História do colégio, de chavões como 'eternos inimigos de Israel' e de uma aparente conspiração mundial contra seu povo. 
Os judeus nao deveriam precisar - e eu creio que uma elite intelectual de fato nao precise - deste repertório exaustivo de um Holocausto sem fim no qual ninguém, no mundo, foi inocente a nao ser os judeus. 
Trocando em miúdos, quando o mundo contemporâneo revê a problemática intrínseca do Estado nacional e do Capitalismo, porque esse pendor tao grande cada vez mais forte de Israel à detenção de um Estado? Porque o argumento é o mesmo do Islamismo: o direito divino, a mitologia do destino que concretizará, sem escapatória, a sacralizacao de todo um povo frente a outros.
Nao contente com isso, a mesma redatora contra-argumenta o pedido da Autoridade Palestina ao reconhecimento do Estado Palestino na ONU. Ora, torna-se tao errado agir conforme as regras de um jogo mais ou menos civilizado, quanto lutar fisicamente, por meio da resistência, contra aqueles que se consideram inimigos reciprocamente.
No fim, isso tudo parece ser consequência, pelos dois lado, da História transformada num grande Tabu, na mitologizacao e inescapabilidade da teleologia imposta por esse grande Mito nos quais se tornaram as religiões.
Nomes nao sao necessários. Mas a quem interesse, o artigo da mulher citada acima, encontra-se na Revista Shalom do dia 19 deste mês. Na mesma revista relata-se um artigo sobre o pendor anti-semita de 20% da população alemã, fator que se repete com outras cifras pela Europa graças às origens históricas da Inquisicao.
Seriam inúmeros os argumentos possíveis para combater esses tipos de juízos históricos de valor, mas sao exatamente estes juízos que reproduzem uma linguagem burra que nao resolve problema algum. A trajetória da justificativa histórica no que diz respeito a Israel está intimamente ligada a uma resposta autoritária porque se amarrou intimamente ao problema mitológico da Schulde.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

STF

O clamor por Justiça só pode ser compreendido, num país como nosso, em razão inversamente proporcional ao desenvolvimento social.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Toda Condição Ilimitada da Vontade

"Toda condição ilimitada da vontade leva ao mal. Ambição e luxúria são expressões ilimitadas da vontade. Como os teólogos sempre perceberam, a totalidade natural da vontade deve ser destruída. A vontade deve ser estilhaçada em um milhar de pedaços. Os elementos da vontade que têm proliferadotão grandiosamente limitam-se uns aos outros. Isso dá origem à limitada vontade terrestre. Não é objeto da vontade seja o que for que vá além destes elementos e chame pela (suprema) unidade da intenção; não requer a intenção da vontade. A oração, entretanto, pode ser ilimitada",

Walter Benjamin - 1918.