sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Brincadeiras à parte? Paulo Ghiraldelli e o caso da Rural do Rio

Infelizmente, essa é a realidade da maioria das Universidades do país. É comum o tipo de comportamento de bando. Não existe reflexão, existe um imediatismo estúpido, plenamente passional (patológico) e fechado a qualquer sombra de racionalidade.
Sim, o Paulo não é "correto", muito menos "incorreto". Sua forma de ensino é a daquele que propõe aos alunos pensarem. A onda do politicamente correto - que tem lá seus motivos - acabou com o caráter que é propriamente subversivo e pedagógico do humor (lembremos de Kierkegaard e Sócrates). Mas é claro que isso é pedir demais. Exige-se uma seriedade total e absoluta para acabar com aquele espaço cinza conhecido como moral. Exige-se preto no branco. Exige-se da filosofia algo que não lhe cabe: a verdade total da circunstância.
Seja como for, o problema está posto. Existe, efetivamente, um problema entre estudantes e professores. Isso não é de hoje. Sabemos que o clientelismo vem dando a estudantes a postura e atitude do "Eu pago, eu faço o que quiser". Eu ouvi não poucas vezes alunos recorrendo à ouvidoria com casos de "humilhação" por parte de professores que haviam dado a eles nota zero numa prova.
O jeitinho ainda impera, infelizmente. Há um jeitinho para tudo. E neste momento, o jeito, aparentemente, é recorrer à acusação de fascismo. Fascismo, hoje, é um termo que cabe para tudo. Nesta luta presente entre PT e PSDB (leia-se esquerda capenga e direita burra), à qual todos nós, ignorantemente não fazemos nada, nos é legada essa forma de picuinha, de manobra  política de grupelhos, de certo e errado que outorga a nosso tempo útil, a nosso tempo de trabalho do pensamento (no caso da filosofia), uma discussão que foge aos problemas tanto da filosofia quanto de nossa vida prática numa sociedade que se propõe democrática.O problema, como dito, está posto. Ele existe. Porque não, então, o debate? Porque essa briga por algo que, na verdade, não é mais do que uma briga por hegemonia? Alunos querem hegemonia, querem mandar e desmandar e sua briga política não é, pela forma que adota, briga por participação, mas por autoridade.
Pondé também foi proibido de falar. Eu entendo. Muitas vezes gostaria de falar que calasse a boca. Mas não é possível defender ou continuar defendendo a postura de silenciar um professor porque se discorda, por mais razão que haja para isso, do que ele fala. Pondé, inclusive, ao me insuflar com a vontade de mandar-lhe um tremendo "cala a boca", me mostra, ao contrário, que é esse, precisamente, o tipo de comportamento que se outorga a pensadores que vão contra a corrente, ou que pregam ideias conservadoras ou mesmo absurdas.
Esse é o jeitinho. Cala-se. Impede-se o direito fundamental de uma democracia em nome dela própria. Deseja-se coadunar pensadores conservadores à ditadura por uma pseudo-luta política que só tem, no fundo, apelativo passional, carece de argumento.
São energúmenos sim! Sempre fui a favor do protesto contra professores, universidades, reitores, políticos. Em suma, contra qualquer coisa que possa estar errada. Mas nunca fui a favor do silêncio. Silenciar alguém é não só baixo, mas cruel. Demonstração de poder por meio da linguagem, naquela perversa economia simbólica analisada por Bourdieu.
Não é preciso ser gênio, nem mesmo conhecedor de Filosofia para saber que o Paulo, com suas piadas, não reproduz o preconceito, o racismo, o machismo ou a homofobia. Ao contrário, ele os torna explícitos como sintomas de uma sociedade que, consciente da existência destas realidades, é incapaz de refletir sobre os motivos, origens e razões de ser tendo em vista o tratamento social para a erradicação de tais problemas.
Conheço o Paulo. Suas brincadeiras sempre tiveram em vista trazer à luz essas realidades preconceituosas. Aconteceu conosco quando fizemos uma aula-trote que fossemos encaminhados à coordenação do curso por "brincadeira de mal-gosto" ou algo do tipo. Ora, ninguém percebeu, então, que nenhum dos alunos fez algo contra a brincadeira que apresentava um professor como uma pessoa absolutamente racista, machista e homofobica. Ninguém fez absolutamente nada. Preferiram recorrer às "Instâncias superiores" de um sistema que exatamente estrutura e reproduz toda essa realidade.
Ignorância? Burrice? Talvez. Ou talvez simplesmente estejamos nos tornando conscientes de que uma população majoritariamente iletrada (e isso não tem a ver com analfabetismo), carece de um preparo que a possibilite filosofar, questionar.
O bumbo no auditório é uma velha estratégia de grupos estudantis. Acontece em todos os lugares e por vezes tem razão de ser. Na PUC se protesta contra medidas administrativas e jurídicas da reitoria. Na Rural do Rio se protestou contra o suposto preconceito de um professor por parte dos alunos. Ora, essas acusações não são só sérias, mas devem ser fundamentadas racionalmente.
Sim, talvez o Paulo perca a mão, force um pouco. Isso pode ser mal-entendido e tomado como ofensa. Acontece. Quando brincamos, muitas vezes erramos a medida. Não obstante, isso se resolve ali, na hora, no boca-a-boca. Andam retomando a discussão de Paulo com o Nassif. Eu reconheço e creio que Paulo perdeu a mão, atacou, denunciou e acusou Nassif de forma não muito acadêmica, mas o que foi feito em resposta? Nassif, de forma tampouco acadêmica ou polida também, respondeu e rebateu as acusações, se defendeu.
As medidas pedagógicas do Paulo podem não ser convencionais, mas medidas refletidas e pensadas enquanto medidas pedagógicas por alguém que estudou e estuda ainda o problema educacional brasileiro, que entende a vida estudantil e os problemas do ensino. Sim, que reclamem que suas brincadeiras perdem a linha, forçam a barra, erram na medida. Justo. Mas que o façam a partir do diálogo. Que briguem contra aqueles que os impedem de ir a frente, não contra os que, mesmo que haja diferenças pessoais, os impulsionam a pensar e questionar. Briguem contra aquele seu colega estúpido e desonesto que por sedezinha de poder terminará sendo seu chefe corrupto, de departamento ou de bancada. Briguem contra os professores que impedem o acesso à educação por cotas ou que usem de diferenças pessoais para impedí-los de seguir adiante. Entendam que o verdadeiro inimigo não é alguém que ensina há 40 anos sem procurar tirar proveito seja financeiro, seja político, por paixão, por vocação, mas aqueles que reproduzem essa estrutura preconceituosa nas instâncias burocráticas que regem nossa sociedade "democrática", naqueles mesmos donos do poder que se escondem de nossa vista. E se entendermos que o inimigo, que o vilão, está por vezes lá no gabinete da reitoria ou na chefia do município, do estado, no chefe da polícia e na falta de debate que reproduz isso tudo, então não precisaremos silenciar ninguém. A universidade, com todos os seus males, oferece uma ágora, um espaço de debate onde contrários podem dialogar, Dia-logo, quer dizer, um argumento duplo, em que ambas as partes têm voz. Esse espaço foi aberto. Devemos usá-lo. Aí sim, saberemos quem merece ser silenciado.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Não-resignação e Autoridade

A não-resignação pode levar ao autoritarismo.
Uma parcela da juventude ilustrada ganha voz e se espalha nas movimentações atuais. Essa parcela, em geral auto-proclamada de 'esquerda', nos faz o favor de esclarecer a questão real das manifestações: o aumento da tarifa.
O que em poucos dias tinha tomado uma proporção maior voltou hoje a ser, em parte, um detalhe. O problema real são os R$0,20. Não que não sejam, é claro. Desta vez não estou ironizando essa questão. O problema é teórico. Se a questão são os R$0,20, então as manifestações devem cessar com a resolução do problema. Se as manifestações cessarem, a esquerda cai em contradição, porque é de seu princípio manter a revolta enquanto houver problemas compreendidos como tais pela sociedade. A meu ver, para além de seu caráter de classe, é isso o que acontece.
Sem dúvida, entretanto, pode-se perguntar se essa revolta não é essencialmente uma revolta da classe média. "A classe média cansou de ser explorada". Essa frase impressa num dos cartazes de ontem exibe, em parte, um sentimento que todas essas pessoas parecem compartilhar, queiram ou não. "Nós, burgueses de esquerda, cansamos de sermos explorados e, se o 'povo' não compreende, nós mostraremos a eles". Ora, esse é o caráter fundamental da revolta burguesa: ela toma frente, ela assume a liderança e depois limpa os detritos.
O detalhe é que, se por um lado essa manifestação toma o caráter de 'cara-pintada', por outro toma o de uma atitude crítica pungente sobre a sociedade. Crítica de fato? Não, obviamente. Não é crítica porque aqueles que isso pretendem, que reivindicavam uma causa coletiva, agora se eximem de uma coletividade. Passaram a reivindicar uma exclusividade sobre "a" causa do manifesto. Porque nos manifestos agora estão pessoas de direita, estão novos-ricos, estão reacionários, então não podemos nos misturar.
Mas e quanto ao caráter pacífico da manifestação. Porque é bem claro que se é pacífico, revolucionário não pode ser e consequentemente, é de caráter essencialmente reformista e democrático. Essa é a verdade: esse é um movimento verdadeiramente democrático e muitos não querem aceitar, porque não vão se misturar ao "inimigo", ao playboy e à patricinha.
Ora, é o preço!
Ainda creio que resida nisso tudo uma silenciosa violência. Mais de 65000 pessoas ontem gritaram "Sem violência" e hoje, quando 20 pessoas quebraram a prefeitura, elas silenciosamente se resignaram.
Esquerdistas, socialistas, acordem! Se é assim, quebrem tudo. Se há tantos inimigos à volta, vão à caça! Porque ser democrático não é exatamente ser "de esquerda". É ser democrático.
A repressão dessa vontade potente de organizar um movimento que acabe com as coisas leva ao autoritarismo de alguns jovens intelectuais, que respondem com toda pompa e razoabilidade à ameaça de direitismo. Ali, no campo intelectual, eles estarão seguros, estarão sempre certos e poderão ridicularizar aqueles que, na materialidade, eles não podem derrotar. Eu tenho medo de que muitos jovens intelectuais de classe média que andam protestando tenham, como bons filhos da burguesia, muita violência reprimida. Talvez por isso eles dêem tanta importância à premissa da não-violência.
O que se está fazendo de modo geral é democrático! As manifestações são democráticas! A esquerda perde porque é incapaz de ser tão democrática quanto a direita e ela está começando a mostrar isso mais uma vez! Negando, no discurso de alguns, o direito à participação de certas parcelas sociais.

Crítica e Resignação

Acabo de ter uma surpresa ao ver que muitas coisas que eu tinha escrito em meu blog há alguns dias, vêm se confirmando, como venho observado por manifestações de amigos e conhecidos no Facebook. Quando da publicação do texto na página social, não obtive comentários ou 'curtir' qualquer e somente uma pessoa se prestou a, aqui mesmo no Flanante, marcar o texto como 'ruim'.
Em parte eu posso entender. É a velha postura esquerdoide de ver algo não exatamente igual ao que unanimidade pensa e acusar de 'reacionarismo' (por sinal, uma palavra que se usa tanto que acho que ninguém sabe realmente o que significa). Ora, acho que devo me explicar: o que está certo, para mim está certo e não me importa mais. O que me preocupa, o que eu acho inseguro, errado ou incerto, é o que merece uma atenção maior, por isso prefiro debatê-las. Mas em geral, simplesmente tendem a achar que isso é uma postura oposta. Porque não glorifica, porque 'fala mal'.
Enfim... que o problema agora em relação às manifestações é outro, todo mundo sabe. Qual é, exatamente, também começa a ficar claro. E começamos a ver a coisa se desenhando, tomando forma: os grupelhos estão se escancarando. Qualquer manifestação pública (não exatamente 'popular'), toma forma com o tempo. Exatamente por ser pública reúne interesses diferentes.
Agora, entretanto, há o grupelho dos 'conscientes'. São aqueles que não se decidiram ainda entre matar o pai ou pedir a bênção. São os porta-vozes do bom-senso. Só eles sabem que "isso não vai dar em nada, porque você protesta contra a tarifa e depois paga R$3,20 pra voltar pra casa"; porque "você pede uma coisa numa esquina e outro grupo pede outra coisa na esquina seguinte". Não estão de todo errados, claro que não. Mas ainda insistem em indicar o problema mais vago, mais banal, sem um pingo de mediação. São os que não agem nem como esquerda nem como direita, mas pensa como ambos: inflamados, por um lado (quando atinge o ego) e reativos por outro (quando acabam metidos no 'problema alheio') .
Ora, a questão está longe de ser essa que se aponta. Se há diferenças (e há, definitivamente), essas devem ser resolvidas no desenvolvimento do processo,tendo em vista o rompimento do eterno retorno ou da repetição histórica (claro, isso é o mais difícil e talvez até mesmo utópico, principalmente no Brasil). Sim há partidos, sim eles devem ser postos para fora, sim é paradoxal - porque se subjuga a se comportar do modo que condena; sim, é moral e categórico à la Kant. Isso é parte inerente aos processos de longa duração. Porque isso que se pretende só pode ser entendido como um processo de longa duração, uma vez que, de revolução mesmo, não se está observando nada. E claro que tudo isso deve ser exposto.
Mas ao mesmo tempo, esses mesmos 'coerentes' agem publicamente, postando, dialogando, movidos pela mesma questão que todos os outros. É claro que não ficar a favor dos manifestantes não é a mesma coisa que se por ao lado diametralmente oposto, é sim, talvez, uma terceira opção. Se se fala para aparecer, que se passe batido, se se fala para debater e continua-se a assumir a postura do 'bom-senso', da 'voz da razão', cai-se num poço sem saída. Eu até entendo, porque dialogar com esquerdete enche o saco: se não concorda com vírgula por vírgula, é contra. Mas é preciso ter em conta que a postura crítica não é uma questão de opinião. É uma questão de enganar a própria razão. Os que se acham a voz da razão acabam por ser diametralmente opostos não aos 'democratas' que estão quase se tornando caras-pintadas; eles são opostos aos partidaristas, aqueles guiados pela pura vontade de poder que os leva ao oportunismo Eles são resignados no pior sentido da palavra, porque é por eles que os que escolhem fazer algo, por mais que tipicamente partidarista - algo que grande parte dos manifestantes vem sendo contra - ganham força.
Pela primeira vez em muito tempo pode-se dizimar essa força partidária de uma esquerda capenga que só pensa na "queda do capitalismo", do PSTU, do PSOL etc. Pela primeira vez, pode-se juntar uma força maior que ambos os lados, aí sim, criando uma alternativa.
Ser crítico não é apontar ou acusar isso ou aquilo. Isso é necessário, sem dúvida e eu devo dizer que até divertido, mas somente como parcela autocrítica da própria manifestação da insatisfação. Por um lado, esse 'coerentes', esses 'razoáveis', ajudam a todos, mas acabam sendo deixados de lado. Ou porque há gente burra que nem consegue entendê-los, ou porque eles creem que essa postura por si só já indica uma decisão. E indica! Ironicamente, indica a direção oposta. A acusação, a ironia, o sarcasmo deve ser, por isso, somente usadas como autocrítica. Crítica não é se resignar à própria "certeza" da falibilidade do movimento. Essa é a postura do partidário: ele crê no fim da história. Crítica é saber que Deus não existe e mesmo assim escolher acreditar nele.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Insatisfação, Revolução e Medo

Triste da terra que precisa de herois, de fato!
De que serve escrever pelos muros que o Estado é violento e esperar, por outro lado, que o Estado endosse as opiniões populares (que não são exatamente 'do povo'). Embora sejamos roubados a cada instante, a indignação geral do momento não tem e não deve ter nada a ver com um aumento de 20 centavos.
Há coisas que vem antes, mais importantes. Coisas maiores.
O que fica é a impressão de que, por mais justa que seja, essa reivindicação esconde a silenciosa cumplicidade e outorga de legitimidade ao poder do Estado. O movimento que tem tomado conta das ruas de São Paulo nos últimos dias se parece - não pela manifestação efetiva, mas pelo discurso - mais como uma birra adolescente do que com uma "tomada de poder" como certas vezes se vê em mídias sociais. É uma cumplicidade pelo clamor de que o Estado nos geste e tome conta. 
"Você, Estado, não está cumprindo seu papel. Tome conta de nós! Afinal, é por isso que pagamos nossos impostos!".
Ao mesmo tempo, o grito é de que o Estado deve ter seu poder cerceado. Se o problema é realmente o que se diz ser, a questão de fato não é o aumento no preço do transporte público, mas um descontentamento geral com o modo como nossa sociedade como um todo vêm se organizando.
Claro, tem que ir pra rua, tem que bater e tem que apanhar. Mas sem glorificação. Essa glorificação da indignação, da chegada da revolução, esse típico Sebastianismo brasileiro, tira as coisas de foco. É preciso fazer o que é preciso fazer e não transformar isso numa luta de vencidos contra vencedores. Não estamos escrevendo a história à contrapelo.
Não é só o preço do transporte que é absurdo; é o preço do tomate, o preço de um livro, de uma peça de roupa, o preço do leite da criança, da merenda escolar.
O problema é o seguinte. Isso a que andam chamando de "manifestação popular" tem um caráter outro que "popular". Quem incitou às manifestações - e repito, acho as manifestações a princípio corretas - foram os jovens "ilustrados", universitários e de classe média sim. Em tempos idos ao menos a esquerda admitia a necessidade de uma vanguarda do partido. Se é para ser do modo que está sendo. É preciso primeiro mudar o foco da manifestação e segundo, admitir que essa manifestação tem um viés ideológico e assume o pressuposto de uma vanguarda de jovens intelectuais.
Do contrário, isso passará para a história simplesmente como um episódio de descontentamento burguês.
E não adianta falar de Istambul ou de Londres. Não somos Istambul nem Londres. Somos São Paulo, somos Rio de Janeiro, somos do Brasil e estamos tratando - ao menos em teoria - do Brasil que queremos.
Se for pra fazer revolução, façam revolução! Admitam! Peguem em armas. Mesmo! Põe fogo em tudo.
E não recorram ao seu Estado social-democrata, burguês e burocrata, para pedir justiça aos pobres inocentes presos. Se é pra por fogo, é pra correr o risco de ter fogo posto no que é seu!
Os revolucionários indóceis sabiam disso. Foi assim que revolucionaram.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Mundo à la Merde

Há quem diga que um Summer of Love é necessário,
A outros o problema é um novo Maio.

Professores velhos, rancorosos e engessados,
Ficaram feios, nenhuma menininha ou garotão os querem.

O problemas, dizem uns, é a classe média.
Outros dizem ser a periferia.

O problema maior, de fato,
São os que criticam a crítica.
Não por uma crítica crítica,
Por pura paixão.

O que falta aqui,
No terceiro mundo da fome,
É um Wilde, Voltaire, Kraus, Ponte-Preta,
Pra rir do que todos tem medo.

O cinismo não é hipócrita.
Hipócrita é o medo de assumir sua posição.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

As Bailarinas Escritoras

Há em mim uma propensão a ver em quase tudo uma forma de texto. Raramente, entretanto, esse texto se me apresenta aos olhos. De forma irônica, eu não me dei conta disso até o dia em que, totalmente desligado dessa tendência inconsciente, uma nova forma se apresentou aos meus olhos. Um grande texto, uma narrativa, uma história simplesmente. E essa história me veio por meio de umas das artes que eu mais desconheço, se é que chego de fato a saber qualquer coisa sobre o assunto: a dança.
A Cia.Soma se apresentava pela última vez no Brasil antes de viajar a Europa por alguns meses e eu, que já havia visto algumas apresentações, compareci ao espetáculo somente paraa me surpreender uma vez mais, da forma mais verdadeira.
O que eu vi não foi simplesmente um espetáculo de dança ou performance. Foi um texto que se escrevia ali mesmo diante dos meus olhos. Um texto composto materialmente com cada aspecto daquilo que é brasileiro e universal. A começar pelos olhos. São duas as componentes. Os olhos são dois pontos : apresentam a grande ideia. Cada passo, cada movimento de pé é uma vírgula, que pausa e inverte sentido e direção. Os pulos são pontos. Marcam e resistem sobre espaço e tempo... assim como as reticências que se alongam como os corpos rasteiros que por vezes se fazem presentes.
Eu me lembro, durante a apresentação, de ter me emocionado porque podia ver que tanto estudo, tanto conflito intelectual, tanto esforço físico, no universo o qual fazemos parte, podia ainda criar um texto como aquele, cuja tinta era o corpo e cujo fim se alongaria em minha mente como ruína. Ruína, sim. Não algo velho e esquecido ou destruído. Antes, como algo que resiste em partir. O fim é o início porque se alonga corporalmente na mente, mudando a percepção do espaço e do tempo."Não há experiência de corpo que não seja também experiência de alma, o contrário sendo também verdadeiro".
O que eu via não era somente um espetáculo. Era um ensaio. Sobre o corpo, sobre o som. Um ensaio de linguagem à melhor moda brasileira, essa moda de dialética de síntese desconhecida. Foi algo como Gilberto Freye: intuitivo e lógico, contidiano e raro, popular e erudito, sensível e abstrato. Não só, e finalmente, a Cia. Soma me parece, num momento de tamanha confusão cultural, um alívio. Para as artes, para a nossa cultura. Sem ufanismo, sem nacionalismo. Mas de fato algo que devemos nos orgulhar por ser nosso. E eu, por ter a chance de conhecê-la.

Confiram o vídeo da Cia.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Pai Xangô

Porque é tanto o amor,
em mim, seja carnaval,
seja quaresma, que eu peço Xangô,
Me faça morrer, mas sem sofrer, de dor.

Saravá

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Um Homem Subterrâneo (Crítica de "Dias de Rock and Roll" de Edmilson Felipe)

Como diz o Professor Edgard de Assis Carvalho na apresentação de Dias de Rock and Roll, Anderson Vick, personagem principal do livro de Edmilson Felipe é "Errante e erótico, sábio e louco". Sem dúvida. Vick é um errante que perambula pelas ruas de Sampa, de BH, de Manaus, do Brasil recomposto e resumido no detalhe dos cotidianos urbanos. Entretanto, não creio ser, à diferença do Professor Edgard, um flanêur. Pois para que se seja flanêur é necessário ser ou trapeiro, ou burguês. Vick não é nenhum dos dois. Vagabundo, talvez? Mas nem trapeiro, mendigo, nem burguês. Vick se encontra tanto na periferia do conforto burguês quanto à margem da vida de mendicância. 
Anderson Vick é um homem bem resolvido, não fossem as antinomias da vida moderna que o enredam numa dinâmica de busca incessante: primeiro pela conclusão de seu livro, depois pelo amor, depois de um sentido aos dois primeiros.  Tudo "parece conspirar contra ele". De fato. Por isso, não flanêur, mas funâmbulo é aquilo a que Vick se assemelha. Um funâmbulo tal qual a velha imagem suscitada por Nietzsche em Assim Falou Zaratustra. Vick se equilibra pela vida, e o faz com maestria, com pitadas de erotismo-fodas mórbidas (como a do cemitério), violência (como a fuga da casa noturna que termina com Vick baleado, ou o episódio do catamarã amazônico em que Vick se arrisca com traficantes) e amizade (como a amizade construída entre sua ex-namoradas que se tornam amantes). As vivências pelas quais passa o personagem principal possam talvez levar a crer, à imaginação inocente, que Vick é um desses que "vai levando", um conformista como outro qualquer, mas a verdade é que Vick "vai criando", se embrenhando pelos laços afetivos sirgidos entre os personagens, sempre uma espécie de erotismo-filia.
Vick e seu pai-fundador, Edmilson Felipe se aproximam de um tipo de literatura marginal, subterrânea, que toma como origem as formas de vida que em geral assusta o cidadão confortável e que tira sarro daquele jovenzinho tão comum na universidade, que se vê na boemia e no entanto, nunca passou perto de depender do jogo de cintura que Vick emprega em cada rua, em cada dia. Nisso, Edmilson Felipe cunha uma escrita que se aproxima da do uruguaio Felipe Polleri, principalmente na trilogia do Dios Negro. Ali, Polleri reune os elementos de uma Montevideo decadente vivida, no primeiro romance que compõe o livro, Carnaval (1990), por um aspirante a escritor que renuncia a sua origem aristocrática para trilhar o caminho de uma literatura violenta, visceral, humana, somente para cair nos trambiques de seu editor e finalmente matá-lo. Compõe as desventuras deste também funâmbulo, uma escrita direta, não exatamente poética, ainda que com extremamente visual e alegórica, onírica por vezes, permeada de gírias, xingamentos, lnguagens e estilos coloquiais, não numa reivindicação anti-burguesa, mas numa composição ilustrativa necessária à estrutra da narrativa e da psiquê dos personagens. Não há dúvida, nem em Polleri, nem em Felipe, de quem são os personagens, do "que" eles são. Isso está claro para os próprios personagens.
São pessoas que "lidian cons sus traumas o demonios frente a una cámara oculta, más que sobre algún diván. Sobreviven, pero aspiran a triunfar en su estilo exuberante de brutal y loca cordura". Não só, o estilo quase aforístico de certos trechos, aproxima o texto de Felipe à forma do conselho enigmáico presente em alguns dos textos de Thomas Bernhardt. Mais um ponto a favor, mais um ponto funâmbulo.
Por essas e por outras, a leitura de Dias de Rock and Roll é um investimento. A rapidez do estilo, a fala coloquial, a de alguma forma divertida desventura violenta do protagonista nos faz de certa forma perceber a passagem breve e louca que alguns de nós temos, nos equilibrando, prestes a cair, caindo talvez, mas sempre com os olhos na meta, além do abismo.