quarta-feira, 27 de abril de 2011

Two kinds of Football

A diferença entre o Futebol e o Rugby:

No primeiro, os jogadores passam 90 minutos bem fingindo estarem machucados. No segundo os jogadores passam 90 minutos machucados fingindo estarem bem.
Dê uma olhada em alguns sites de Uniões de Rugby:
http://www.rfu.com/ - England
http://www.ffr.fr/index.php/ffr/accueil__1 - France
http://www.wru.co.uk/ - Wales
http://www.irishrugby.ie/ - Ireland
http://www.scottishrugby.org/ - Scotland
http://www.nzrugby.co.nz/ - New Zealand
http://www.rugby.com.au/ - Australia
http://www.sarugby.net/ - South Africa
http://www.uar.com.ar/ - Argentina
http://www.brasilrugby.com.br/ - Brasil

Uma questão esportiva

Me arriscarei a falar um pouco sobre o nobre esporte bretão, o futebol, ou football, para sermos mais sinceros à origem das coisas, já que acabamos de citá-la. Uma vez que, falar de futebol no Brasil é, como em vários outros países, algo que nos garante o status de intelectual e algo que nos aproxima da realidade social - isso crêem os especialistas no assunto - criticá-lo consiste neste país numa das mais altas traições ao povo, à moral - pois sim, falar em futebol neste país é falar de moral - e à religião popular, uma vez que se acredita, neste canto de terra que espera a volta de Dom Sebastião, que tudo que vem do povo é necessariamente bonito, legítimo e casto.
Sem menos delongas, no entanto, e já ciente das possíveis acusações, a indagação que quero propor consiste no cruzamento do futebol com outro esporte, o vôlei. Na atual Superliga de Vôlei Masculino, encerrada semana passada, o Brasil viu um episódio de homofobia das mais rudimentares. Num jogo pela semifinal do campeonato entre Cruzeiro e Vôlei Futuro, a torcida do time mineiro vaiou em coro, chamando de "viadinho", um dos jogadores do Volei Futuro assumidamente gay. No jogo seguinte, realizado no estádio do Vôlei Futuro, os jogadores de seu time entraram em cor-de-rosa, todos com o nome do jogador vítima de preconceito e o líbero do time jogou vestido com as cores do arco-íris. Além disso a torcida segurava bastonetes cor-de-rosa, que pintaram o estádio.
Quando do episódio, todos os noticiários, programas esportivos e periódicos citaram o caso como absurdo e louvaram o comportamento do jogador descriminado, bem como de sua torcida, que o apoiou, e seus companheiros de equipe. Mais ainda, pessoas fãs de futebol elogiaram o feito do Vôlei Futuro, dizendo ser uma lição de "civilidade" ou qualquer termo do tipo, o que mostrava a evolução no esporte brasileiro, a conscientização social e o fair play esportivo.
Aqui é que reside a indagação: como se pode, ao mesmo tempo, condenar uma atitude como essa no vôlei, mas alimentar a mesma atitude no futebol? Como condenar o xingamento "viadinho" direcionado a um jogador de vôlei, mas ao mesmo tempo, apelidar torcedores de certos times de "viados"? Teria o futebol chegado a um ponto de imbecilidade tão absoluta? Ou ele simplesmente atingiu um status tão alto que o que vem dele possui automaticamente um valor de verdade? É condenatório o comportamente observado no vôlei, e o futebol reconhece isso, mas aceita esse comportamento quando ele parte do próprio futebol.
Teria o futebol se tornado tão imbecil? Pois esse parece ser o grande problema. Um comportamento como o ocorrido no vôlei é imperdoável, mas quando ocorrido no futebol, "faz parte", pois o futebol é muito maior que qualquer esporte - significando isso simplesmente que a paixão e, portanto, a rapidez que se passa do gosto ao fanatismo, é maior - e ele pode ensinar a população e outros esportes, mas jamais será ensinado, dobrado por qualquer outro. Isso, é óbvio, é só um exemplo, existem vários outros. O "viado" não é a úncia coisa ignorada no futebol apra que ele mantenha a posição de grande esporte do Brasil. Parece, no fundo, que o comportamento diferenciado no futebol em relação a outros esportes, vem de vários caminhos que se intercruzam: psicológicos, sociais, históricos. Parece haver uma transferência de nossas frustrações para o campo. Quando nosso time ganha, libertamos nossas forças reprimidas ou vencidas e liberamos nossas energia na festa ou na briga, noc aso de uma derrota. O que quero dizer é: por que o que aconteceu no vôlei "não vale", mas no futebol "vale" sendo mesmo ignorado? Se acredita ainda mesmo que o futebol seja demonstração de algo varonil? Ou que a pátria ainda é mesmo uma pátria em chuteiras?
A mim me parece que se são essas as chuteiras que calçamos hoje, a pátria em chuteiras se transformou numa pátria de asneiras. De qualquer modo, como eu não pretendo atingir o status de intelectual, não me delongarei no assunto. Deixo pura e simplesmente essa breve indagação.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Sobre as origens do Método Sociológico: Durkheim e Simmel

Durkheim pensou a Sociologia no momento de sua formação. Praticamente todo seu esforço se dirigiu no sentido de delimitar a área de atuação da disciplina. Ainda que recorra a um debate com a História - uma vez que põe história e etnografia no mesmo patamar nas Formes Elémentaires de la Vie Religieuse - Durkheim fez questão de diferenciar e afastar a investigação sociológica das investigações das ciências naturais, quebrando a tradição comteana, da filosofia, da economia política e da psicologia, principalmente. Para ele, uma ciência nascente não pode ter como fim senão um sentimento incerto e vago da região à qual ela se dirigirá. Motivo pelo qual é de extrema importância que ela adquira uma consciência mais elevada de seu objeto, o que só se poderia dar metodologicamente.

Nesta questão, é conhecido o pressuposto metodológico fundamental de Durkheim exposto nas Regles de la Methode Sociologique, de 1895: tratar os fatos sociais como coisas. “Fatos”, em sua concepção, seriam fenômenos com caracteres nítidos pertencentes a um determinado grupo que se distinguiria daqueles fenômenos estudados pelas ciências da natureza. Sistemas monetários, o desempenho de deveres e os próprios deveres, sistemas de sinais, linguagem, em suma tipos de conduta ou pensamento, sistemas de pensar e agir que existem fora de nossas consciências individuais que funcionam independentemente dos usos que deles façamos. Seriam, além disso, dotados de um poder imperativo e coercitivo.

De certo modo, para que nos fique clara a idéia de um fato social, podemos nos remeter ao célebre texto de Mauss sobre as práticas corporais, nas quais ele demonstra que mesmo as coisas mais ínfimas como o modo de andar ou nadar é resultado de uma aprendizagem que tem como objetivo a educação do ser social. Por isso Mauss dizia ser capaz de diferenciar um soldado inglês de um soldado francês simplesmente pela forma da marcha de cada um, assim como indicava as diferentes posições tomadas pelas mulheres na hora do parto: acocoradas, debruçadas sobre pernas e mãos ou deitadas; como parte de um sistema de crenças e símbolos característicos de culturas diferentes. E é exatamente isso que definiria um fato social: “crenças, tendências, práticas do grupo tomadas coletivamente; quanto às formas que os estados coletivos revestem ao se refratas nos indivíduos, são coisas de outra espécie” (DURKHEIM; 1977: 6). Essas crenças, tendências e práticas tomariam, segundo Durkheim, uma forma muito particular quando assumidas coletivamente, sendo empiricamente distinguíveis dos fatos individuais que as manifestariam. Aparentemente inseparáveis, à primeira vista, da forma que tomam nos casos particulares, a estatística ofereceria os número que exprimem certo estado da alma coletiva. Tomados por si só, as manifestações privadas reproduziriam, claro, algo de social, mas dependem da constituição orgânico-psíquica dos indivíduos, não constituindo, assim, fenômenos propriamente sociológicos. O fato social seria a resultante da vida em comum, produto de ações e reações travadas entre as consciências individuais, cuja origem coletiva estaria exatamente na capacidade de coerção externa de cada fato.

Fato social seria então “toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior [...] apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter” (DURKHEIM; 1977: 11). O que parece significar que o fato social é a estrutura sobre a qual se constrói a vida subjetiva e a vida coletiva. Tomado individualmente, o fato social compreendido desta forma parece ser capaz de remeter ao caráter estruturante daquilo que é entendido como social, sistemas de sinais, práticas corporais, sistemas monetários e etc.

Uma vez resolvido o problema sobre o que seja o fato social, é preciso entender então o que é uma coisa, para que o fato social seja como coisa tratado. Ora, a coisa, é aquilo que se opõem à idéia; é tudo aquilo que não podemos apreender por um processo de análise mental simples; tudo aquilo que o espírito só pode compreender com a condição de sair de si mesmo, por meio da observação e da experimentação. “Tratar fatos como coisas não é, pois, classificá-los nesta ou naquela categoria do real; é observar, com relação a eles, certa atitude mental” (DURKHEIM; 1977: XXI). A natureza só possui coisas, e não conceitos, mas se relativo à ciência, deve-se observar certa atitude mental, como escapar do psicologismo?

Segundo Durkheim, os fatos sociais defeririam dos psíquicos por apresentarem um substrato diferente, não evoluindo no mesmo meio, nem dependendo das mesmas condições. Se o objetivo do sociólogo é estudar a sociedade como um todo, então o que se deve ter em vista os fatos sociais tais como existem, e não a idéia que deles tem o vulgo. O perigo de um apoio no psicologismo é exatamente o de tomar como objeto não os fatos sociais, as coisas, mas o senso comum. Tomemos por exemplo a economia. Não nos é dada a idéia que os homens formulam a respeito do valor; o que nos é dado são os próprios valores que se trocam nas relações econômicas. Somente acessando as fontes das idéias e que se pode saber de onde estas idéias, as idéias pessoais, provêm. Deve-se, então, destacar os fenômenos sociais dos indivíduos conscientes e de suas formulações a seu respeito. Mesmo porque, a coisa não é passível de mudança por mera vontade, não depende de nós, ou só de nós.

Ainda que os fatos sociais sejam por demais complexos, dificultando a objetividade e a interpretação, seu acesso é mais fácil, pois vêm da natureza e na natureza não existe senão coisas. A psicologia, por exemplo, não só tem dificuldade em elaborar os fatos, como também a tem em apreendê-los. O primeiro preceito para se apreender um fato social é afastar todas as prenoções. Ainda que esse seja o corolário de toda ciência, em sociologia torna-se particularmente complicado, pois o sentimento afetivo intervém freqüentemente nas questões. Mas o sentimento em si é objeto de ciência e não critério de verdade. Por isso, para que se tenha um pé na realidade, é necessário que se classifique os fenômenos em função de propriedades inerentes a eles mesmos. Para saber se um preceito é moral ou não, por exemplo, deve-se observar se apresenta ou não um sinal exterior de moralidade. A “punição não cria o crime, mas é pela punição que o crime se revela exteriormente a nós e, por conseguinte, é dela que se deve partir se quisermos chegar a compreendê-lo” (DURKHEIM; 1977: 36).

Uma vez que o sentimento não é critério de verdade, a sensação será tanto mais objetiva quanto mais fixo for o objeto ao qual se liga. Fora dos atos individuais, os hábitos coletivos se exprimem por meio de formas definidas: regras jurídicas, morais, ditos populares, não são mais do que a expressão de uma coletividade referente a algum campo, como leis, comportamento e etc. Portanto, para que evite cair em subjetivismo, o sociólogo deve empreender a exploração de uma ordem de fatos sociais esforçando-se para considerá-los naquele aspecto em que se apresentam isolados de suas manifestações individuais. Torna-se, portanto, necessário um critério que ultrapasse o indivíduo. Isto se alcança pela Morfologia Social, que constitui e classifica os tipos sociais e cujo princípio é a idéia de que as partes constitutivas de qualquer sociedade são sociedades mais simples, desvendando-se assim de que modo se ajuntaram os compostos que originaram uma sociedade. Para Durkheim, a morfologia social possibilitaria a observação correta dos fatos sociais, mas não daria suporte suficiente para suas explicações. Mostrar, por exemplo, a função ou utilidade de um fato social não é o suficiente, pois explica as propriedades que os caracterizam, mas não as que os criam. Além disso, um fato pode muito bem existir sem utilidade. É, portanto necessário que se busque separadamente a causa eficiente que produz o fenômeno social e a função que esta desempenha.

Uma crítica possível é apontada pelo próprio Durkheim. Diz ele que se a sociedade é constituída por um sistema de meios instituídos pelos homens tendo em vista certos fins, esses fins só podem ser individuais. Portanto é do indivíduo que viriam as idéias e necessidades que determinariam a formação das sociedades sendo necessariamente por ele que tudo deveria ser explicado, sendo a origem dos fenômenos sociológicos senão de ordem psicológica.

Como dissemos no início do texto, o todo é mais do que a soma das partes, constitui algo de diferente e cujas propriedades divergem daquelas que apresentam as partes de que é composto. Isto significa que a sociedade não é a simples soma dos indivíduos que a compõe, mas um sistema formado pela sua associação que representa uma realidade própria com caracteres específicos. As consciências se associam, combinam de determinada maneira e é disto que resulta a vida social sendo conseqüentemente esta combinação que a explica. Chegamos, portanto, ao ápice da crítica durkheimiana ao psicologismo e ao subjetivismo: “a contribuição psíquica é por demais geral para determinar o curso dos fenômenos sociais” (DURKHEIM; 1977: 94). A causa determinante de um fato social deve ser buscada entre os fatos sociais anteriores, portanto, e não entre os estados de consciência individual, pois a função do fato social não pode ser senão social.

Esta crítica à Psicologia e ao subjetivismo, no entanto, não descarta a importância da disciplina em relação à Sociologia. Vida coletiva e vida individual estão em estreita relação. Mas o que Durkheim busca é uma neutralidade que, segundo ele, deve ser inerente à própria ciência e à postura do cientista. No fim, segundo Durkheim, a cultura psicológica constitui uma propedêutica necessária ao sociólogo, útil sob a condição de superá-la, de dela se libertar, de ultrapassá-la, completando-a por uma cultura especialmente sociológica.

Num texto posterior às Règles, datado de 1900, Durkheim afirma ter sido Simmel o sociólogo a ter feito o maior esforço para delimitar o domínio da sociologia. Para Simmel deve-se partir da idéia de que se existe uma sociologia, esta deve se constituir como um sistema de investigações a parte, perfeitamente distinto daquele das ciências existentes sob o nome de economia política, história da civilização, estatística ou demografia. A diferença residiria no fato de que estas ciências estudam fatos da sociedade, mas não a sociedade ela mesma. Para que isso fosse possível, seria necessário estabelecer a separação de duas formas de elementos no seio daquilo vulgarmente chamado de sociedade: o conteúdo “c’est-à-dire les différents phénomenes qui se produisent entre les individus associés” ; e o contido ou continente , ou seja, a associação em si pela qual se observam tais fenômenos. De modo que a associação seria a única coisa verdadeiramente social e a sociologia, a ciência da associação in abstracto. O método da abstração possibilitaria a conclusão sobre as leis particulares de socialização, a despeito das diferentes finalidades e interesses. De acorodo com Durkheim, Simmel mostra que a abstração é não só o método da Sociologia nascente, mas o método de toda ciência. A crítica a uma possível incapacidade de se tomar a sociedade pela abstração - pois isto impossibilitaria o conhecimento real da própria sociedade - cai por terra quando Durkheim demonstra que a própria abstração, sendo então um recurso metodológico, deva ser repensada enquanto tal, algo explicado ao se tomar como exemplo a Economia Política, que reclama o direito à abstração, mas a usa de forma viciada, a partir do momento em que põe à base de todas as suas deduções uma abstração que ela não tem o direito de utilizar: a noção de que um homem, nas suas ações, é exclusivamente guiado por seu interesse pessoal.

“Il n’existe pas de moyen pour s’assurer s’il y a em nous quelque chose d’assez défini pour qu’on puisse l’isoler des autres fateurs de la conduite et le considérer en lui-même . Qui peut dire s’il existe entr el’égoïsme et l’altruisme cette séparation tranchée que le sens commun admet sans réflexion?»

Deve-se então, não somente evocar as abstrações utilizadas nas ciências, mas provar que a abstração à qual se recorre, satisfaz aos princípios aos quais devem se conformar todas as abstrações científicas. A partir desta discussão metodológica de Simmel, Durkheim passa a tratar das questões morfológicas da interpretação sociológica. O uso correto da morfologia é explicitado por Simmel, quando este mostra que o uso desta noção se torna restritivo ao se limitar à forma como os indivíduos se relacionam uns aos outros no seio da própria associação, isto é, patrões e empregados, pais e filhos e etc, reduzindo a sociologia à tão somente consideração do substrato sobre o qual repousa a vida social.

Durkheim faz uma crítica, ao mesmo tempo em que elogia a tentativa de Simmel. Para o último, o motivo da sociologia como uma área específica derivaria de duas proposições: a de que em qualquer sociedade humana poder-se-ia fazer uma distinção entre conteúdo e forma; e que a própria sociedade em geral se refere à interação entre indivíduos. Este próprio motivo forneceria, então, a matéria de aplicação a ser descrita: conteúdos formais e formas de vida social, de onde se concluiria que a sociação “é a forma (realizada de incontáveis maneiras diferentes) pela qual os indivíduos se agrupam em unidades que satisfazem seus interesses. Esses interesses [...] formam a base das sociedades humanas” . Este trecho de Simmel é sugestivo para entendermos em que ponto, segundo Durkheim, a teoria de Simmel é incompleta. Para o sociólogo francês, não haveria duas espécies de realidade, como forma e conteúdo, que, mesmo solidárias seriam distintas e dissociáveis, mas fatos da mesma natureza examinados em estágios diferentes de generalidade. Seria necessário então fazer da Sociologia algo diferente do que “simples variations philosophiqes sur certains aspects de la vie sociale, choisis plus ou moins au hasard, em fonction des tendances individuelles » , tal qual Simmel.

Essa crítica a Simmel talvez venha do fato de este ter pensado a Sociologia numa esteira anti-positivista e anti-racionalista, ao que muitos dizem o ter levado ao irracionalismo. Quando Simmel, por exemplo, trata as formas sociais aparentemente desprovidas de funções como no caso do direito que segundo Simmel, nasce de requisitos da existência social que forçam ou legitimam certos comportamentos individuais, cujo “porquê, com a instituição do direito, retrocede para segundo plano: “agora os requisitos são seguidos simplesmente porque se tornaram o ‘direito’, e de forma completamente independente da vida que originalmente os engendrou e dirigiu” . Com isso ele queria dizer que, ainda que o direito tenha suas origens nos propósitos da vida social, ele deixa de ter propósito a partir do momento em que passa a determinar a forma pela qual os conteúdos de vida devam ser determinados. Simmel indica, na realidade, para uma dialética entre sociedade e individualidade, tema que Elias abordaria posteriormente. Os conteúdos sociais, segundo Simmel, se autonomizam, como no caso do direito; prescindem da vida coletiva mas a ultrapassam numa reviravolta da determinação das formas pela matéria da vida à determinação de sua matéria pelas formas.

Enquanto para Durkheim a sociedade caminha à perfeição pela criação de instituições como o direito e a religião, exatamente porque são resultado de formas de pensar de toda uma sociedade, Simmel crê a vida social, em seu âmbito mais amplo, ou seja, do conjunto das instituições e regras criadas por uma sociedade, é somente uma parcela da própria sociabilidade que deve envolver compreende o homem como uma construção ad hoc: ser político e econômico, membro de uma família, representante de uma profissão e etc. Essa disparidade entre sociabilidade e subjetividade talvez seja o que levou Durkheim a afirmar que Simmel, apesar de sua tentativa em definir um campo sociológico científico, transformou a Sociologia numa elucubração filosófica, quase como se a Sociologia tratasse, no fundo, de “qualquer coisa”.

Numa continuação às suas Regras do Método Sociológico, Durkheim afirma serem as questões principais postas ao domínio sociológico para a definição dos substratos sociais as seguintes:

1) a extensão territorial;

2) a situação geográfica da sociedade, isto é, sua posição periférica ou central em relação ao continente e a forma pela qual ela é avizinhada;

3) pela forma de suas fronteiras.

De forma nova, Durkheim parte de uma concepção naturalista da formação da sociedade na qual a sociedade se forma, primeiramente, pela transformação da natureza. Transformações estas que deveriam, também serem compreendidas pela Sociologia, pois esses fenômenos seriam fenômenos estruturais da sociedade, que possuiriam mais estabilidade que os fenômenos funcionais. O grande problema é que a estrutura em si é um devir que se forma e se decompõe incessantemente. Eis a importância da morfologia. Ao lado da morfologia, a fisiologia, na qual se encontrariam os fenômenos funcionais da sociabilidade. Mas diferentemente do que para Simmel, que aparentemente cria não ser possível estabelecer uma divisão entre ambas as esferas, Durkheim acreditava ser possível estabelecer onde começa e termina uma e outra região da vida coletiva. O ponto de partida para esta limitação estaria no fato de que uma verdadeira Sociologia teria como necessário que se produzissem, em cada sociedade, fenômenos nos quais esta sociedade fosse a causa específica e que não existiriam se ela não existisse. Uma proposição cujo corolário é de que os fenômenos sociais não possuem causa imediata e determinante na natureza individual. Se os fenômenos sociais fossem da mesma natureza que os fenômenos individuais, isso significaria, para Durkheim, que a Sociologia teria o mesmo papel da Psicologia.

A caída da analise dos fenômenos sociais, ou melhor, dos fatos sociais como epifenômenos psicológicos mais ou menos desenvolvidos, condenaria a análise científica a uma sociologia “fácil e abstrata”, posto que assumiria a sociedade como não tendo leis próprias, não havendo, socialmente, nada a descobrir. A sociologia de Simmel cairia neste erro, ao estudar fatos já estudados por outras ciências existentes muito antes da Sociologia. Para Durkheim, a verdade seria que todas as ciências especiais como a Economia Política, a História comparada do Direito, das religiões, a demografia e a geografia política foram concebidas e aplicadas até seu tempo, como se cada uma formasse um todo independente quando na verdade os fatos dos quais se ocupam não passem de manifestações de uma mesma atividade, a atividade coletiva. O que se passa é que os lugares que as ligam passam despercebidos. Para que se chegasse à idéia das leis dos fenômenos sociais, se deveria descobrir primeiramente o que são as leis naturais e os procedimentos pelos quais as leis sociais possam ser descobertas, algo pelo qual se chegaria pela pratica das ciências nas quais as descobertas se improvisam constantemente: as ciências da natureza, corolário dos primeiros pensadores a pronunciar a palavra sociologia, Comte e Spencer.

Por meio desta análise, Durkheim conclui que, mais do que uma renovação de vocabulário, o termo Sociologia define, no sentido dado pelo pensador francês, uma renovação profunda de todas as ciências que têm por objeto o reino humano, uma vez que a vida social em toda sua extensão, não foi ainda compreendida exatamente pelo fato de estudarem as ciências separadamente, sem se importar com aquilo que as uniria, tarefa da sociologia contemporânea, ao mesmo tempo em que, para que a síntese da análise dos fatos sociais seja realizada, deva-se fazer progredirem as ciências particulares. O erro de Durkheim, no entanto, seria de que o progresso de ciências particulares pela Sociologia daria origem a especificidades dentro da própria sociologia, por exemplo, quando da descrição social com referência a achados geograficamente determinados, procedimento que viria a fundar a Sociografia.

Para concluirmos, fica claro que a questão do método é determinante na Sociologia, uma vez que as formas de investigação acabam determinando o que é socialmente essencial. A tentativa de formalização da Sociologia, da qual Simmel, mesmo se o lermos por Durkheim, parece ter sido um dos mais produtivos sociólogos, expressa exatamente a impossibilidade da Sociologia em formação de determinar o que é essencial e mesmo o que é o próprio objeto de estudo da Sociologia: a sociedade. A análise de ambos deixa de lado o nexo dos fenômenos sociais com o desenvolvimento histórico. E mais ainda, o caráter da Sociologia de Durkheim reside no fato de saber que os fatos sociais propriamente ditos não equivalem aos fatos sensoriais singulares, mas que seria, entretanto possível lhes atribuir um caráter de dado tangível. Essa característica é importante, pois nos leva a uma conclusão decisiva sobre o método sociológico defendido por Durkheim: sua visão implica que o social é envolto numa espécie de

“‘dado de segudo grau’, uma inclinação da Sociologia a corroborar o processo de reificação ou de autonomização a que a sociedade se subordina por leis imanentes, e a tomar essa reificação sempre dotada de uma aparência de sociedade, como algo absoluto, em vez de refletir criticamente e dissolver a reificação”

O que faz da sociedade coisificada, ou seja, sendo composta, para a Sociologia, senão de coisas, algo positivo. Mas nesta concepção, tal como demonstramos aqui, omite-se que o conceito de sociedade é propriamente um conceito que designa uma relação entre pessoas, isto é, omite-se o fato de que a sociedade seja sempre uma sociedade de indivíduos. Tem-se aqui uma idéia clara, segundo Adorno, do que se compreende por dialética.

No fundo, a Sociologia de Durkheim, ainda que vital para a compreensão sociológica cai, pelo chosisme, no erro de não superar suas próprias contradições. Ao tratar fatos como coisas, legitima uma reificação que reproduz o sistema social que produz os problemas que a própria sociologia pretende solucionar. Essa é obviamente, uma crítica de orientação marxista, uma vez que, a se falar em reificação, fala-se em alienação. No entanto, pode-se pensá-la numa crítica marxista-hegeliana, pois o que se pode concluir da crítica à contradição no sistema de Durkheim, é que o que está em debate é a própria idéia de ciência posto que esta, em seu início, ultrapassava a barreira de um procedimento formal e quase burocrático, procurando alcançar certa conexão “espiritual” dentro de um sistema racional filosófico como a Doutrina da Ciência de Fichte ou a Ciência da Lógica de Hegel. Na realidade, é um debate que aprece estar longe de terminar, algo próprio da ciência, que faz com que seja o primeiro dever do cientista o pensar sobre seu próprio ofício. Algo a que a Sociologia não escapa.


Bibliografia

ADORNO, Theodor W. Introdução à Sociologia. São Paulo: UNESP, 2007.

DURKHEIM, Émile. La Sociologie et son Domaine Scientifique. In. http://classiques.uqac.ca/classiques/Durkheim_emile/textes_1/textes_1_01/socio_scientifique.pdf

SIMMEL, Georg. Sociabilidade – Um exemplo de sociologia pura ou formal. In. MORAIS FILHO, Evaristo de (org.) Coleção Grandes Cientistas Sociais. 34. São Paulo: Editora Ática, 1983


sexta-feira, 8 de abril de 2011

Sobre o Massacre no Rio

"Por que sempre depois de acontecmientos como o de hoje no Rio, todos pensam que são sociólogos?". Essa foi a pergunta feita por um amigo em sua página social no dia de ontem. E realmente, é uma pergunta sobre a qual se deve pensar. Quando atitudes "anormais" como a da chacina na escola do Realengo se passam, canais televisivos, periódicos, jornais, toda a mídia passa a se perguntar os motivos e as causas de comportamentos transtornados.
O que me parece, entretanto, é que o que se passa é muito mais um julgamento do que um questionamento - ainda que qualquer questionamento, principalmente o clínico, envolva julgamentos. As mídias se prontificaram a chamar especialistas em segurança pública, psiquiatria e socioloia. Em quanto isso, as tv's mostram em tempo real os cortejos fúnebres,o choro das famílias e a dor da perda destas crianças. Até mesmo especialistas em armas são chamados, apra descrever os tipos de armamentos usados.
Na realidade, acontecimentos  como esses são considerados exceções e casos esparsos. Como pano de fundo, a mídia preocupa-se em encontrar o herói - o policial que alvejou o assassino - e o monstro, "alguém preparado para matar ou morrer". Ainda que assassino, no entanto, o monstro é uma pobre vítima, pois, sofrendo de esquizofrenia, estava cindido da realidade.
Não é à toa, então, que todos se julguem "sociólogos". A opinião pública se manifesta na forma de um comportamento grupal que divide, mais ou menos, a mesma opinião, cuja a origem é difícil de traçar: seria ela produto da grande mídia, ou produtora desta? Questionamento insuficiente para dar conta da realidade de um acontecimento como esse.
Me parece que a grande questão não é o encontro de vítimas, herósi e vilões, mas a pergunta sobre as causas de um acontecimento como esse. Se o atirador era um esquizóide, é irônico que o poder público o julgue como um homicida de sangue-frio ao mesmo tempo que o tache na categoria de anormal e doente; cindido da realidade. Mas essa insuficiência do poder público nos é uma velha conhecida e sua solução, ainda que muitas vezes proposta, depende mais do que a mera vontade - que não é tão forte quanto parece - da população ou de qualquer reforma que se proponha. As únicas vítimas reais, os únicos inocentes, são essas crianças que viram e estiveram na escola no momento dos tiros. Se há algum motivo novo pelo qual deveríamos nos perguntar sobre as causas do acontecido, este motivo é a transformação extrema pela qual a vida destas crianças está passando.
Não só, é necessário a pergunta se poderíamos ter evitado esta tragédia. A escolha por uma escola, por parte do atirador, não foi à toa. Se de fato, sofria de esquizofrenia, a cisão ao princípio de realidade poderia incoscientemente, remeter aos acontecimentos passados na infância de Wellington. A manifestação de violência não ocorre publicamente à toa, a força libidinal explode em manifestações violentas quando é reprimida ao ponto em que não tem mais vazão. A manifestação desta esquizofrenia, no entanto, como atitudes sociais, pode ser puro acaso, casualidade. Talvez não seja possivel prever a ocorrência de ações psicóticas.
A pergunta, entretanto, é premente. Podiamos ou não podiamos haver evitado essa atitude, pois essa mesma atitude é expressão de milhares de outras que ão chegamos a saber. Além disso, A responsabilidade sobre as crianças que sofreram com isso é imensa, no sentido que o que se passou com o atirador, pode voltar a acontecer com alguma delas. É necessário, então, perguntar pelas causas sociais, públicas mesmo, que podem levar a ocorrências como essas. A idéia de banalidade do mal leva ao extremo da consideração de que atitudes como essas são puras manifestações de vontades subjetivas. Não se trata, obviamente, de inocentar quem faça algo do tipo. A solução, em tal situação, não poderia ter sido outra. Trata-se, no caso, de compreender que o mal que se dirige à sociedade - e provavelmente se dirigirá sempre aos verdadeiros inocentes desta sociedade - não é nenhum mal que não seja fruto desta própria sociedade.
A preocupação deve ser, então, em pensar como cuidar para que essas crianças não sofram a mesma distenção com o principio de realidade que o atirador aparentemente sofria. Ou seja: é necessário que nos preocupemos em não permitir que atos como esses se repitam. O que aparentemente parece uma questão de segurança pública, como fotos 3x4 do assassino na televisão e músicas dramáticas, tem causa muito mais profundas e primárias. Isto é tão claro quanto a solidariedade que se vê das pessoas, passantes em volta da escola, que tentaram acalmar e ajudar as crianças feridas, que estão fazendo, agora mesmo, comboios para doar sangue para os feridos graves.
Esses problemas primários são os mesmos que fazem com que pessoas todo os dias viajem 2 horas para chegar ao trabalho, que se espremem em metrôs e se arriscam em alta velocidade em motos entre carros. O próprio princípio de realidade para impor a cisão consigo mesmo. É absurdo colocarem as crianças frente às cameras para se pronunciarem sobre o acontecimento. "Como você se sentiu?"; "Você está muito triste?" São perguntas profícuas que mostram a distensão pela qual passamos desde a mais tenra idade.
Por isso, se todos se pensam sociólogos, é porque as pessoas querem, sim, saber o que se passa com elas, com o meio em que vivem. Mas é em parte por causa desta exacerbada exposição, que as pessoas que não vivem um contato direto rapidamente reprimem ou superam o acontecido. Se há alguma responsabilidade social, essa responsabilidade recai sobre a imposição de não permitir que isso aconteça novamente. Pois fatos como esse acontecem todos os dias. Se não levam a mortes, levam ao suicídio. Se não levam ao suicídio, levam à mortificação e à repressão que um dia, pode levar ao tiroteios e às chacinas. Mais uma vez, isso não é uma questão de culpa ou de vitimizar aquele que matou as crianças, indefesas e inocentes. A questão aqui é de pensar se, de algum modo isso pode ser evitado, pois se o atirador era um doente mental, a causa da doença é uma questão da psicologia e da psiquiatria. Essa causa só pode ter, no entanto, repercussão social e neste mesmo âmbito social deve ser resolvida, posto que se exterioriza exteriromente, isto é, socialmente.
Nada impede que comportamentos classificados como esquizóides ocorram, ainda mais pelo fato de, segundo a ciência, ser algo genético. Aquilo pelo que se deve lutar, no entanto, é uma sociedade em que o ser humano não tenha que se reprimir tato tempo quanto ele vem se reprimindo, em praticamente todas as esferas das mais banal vida cotidiana. À Justiça cabe outra função. Mas há algo que precede a ação da Justiça e algo pelo qual o poder público deveria se preocupar antes das medidas remediativas.