quarta-feira, 25 de maio de 2011

Ao lidar com comunistas...

...faça a barba, penteie o cabelo e dê um nó na gravata!

Ao lidar com fascistas...

... saiba dar socos!

Ao lidar com anarquistas...

... seja um bom cristão!

Produção do Conhecimento. Práticas e Transformações


A questão sobre a produção do conhecimento é abrangente e complicada. Pois no fundo, ela remete às mais amplas bases de uma atuação e uma transformação da realidade empírica, uma vez que o conhecimento é tanto fruto quanto causa desta realidade empírica. Isto significa dizer que o conhecimento repercute nos comportamentos e nas formas simbólicas que criamos em nossa vida ao mesmo tempo em que delas se forma, numa relação dialética. “Produzir” conhecimento não significa, aqui, produzir no sentido burocrático ou técnico, mas pura e simplesmente o ato de embasar uma reflexão a partir de uma temática e uma abordagem teórica. Debruçar-me-ei sobre a necessidade de uma reflexão entre o produtor e o produto em si. Falar sobre produção de conhecimento exige antes de tudo uma reflexão sobre que conhecimento se pretende produzir.

Quando nós, indivíduos sociais, nos propomos à transformação da realidade social, colocamos em voga nossa própria posição dentro dessa realidade. Isto significa que colocamos em voga nossa posição como jovens, estudantes, homens ou mulheres, hetero ou homossexuais e cientistas. E difícil, no entanto, nos depararmos com uma reflexão que tome como ponto de partida, ou mesmo que considere em si esse componente individual e isso é compreensível. Uma grande aversão parece ter se desenvolvido contra uma postura científica e nós, das ciências sociais, sabemos porque. Quando a ciência é posta no trono de todo-poderosa, algo para nós tido como um comportamento extremamente burguês, a sabedoria dela advinda se torna a única possível a ser adotada pela sociedade ocidental moderna. O modelo de ciência, entretanto, que se torna super-poderosa, que chegou a nós por meio de nomes como Comte, Tyler, Frazer, é o positivista, que acreditamos estar necessariamente em voga até hoje nas ciências exatas. Ocorre daí uma cisão que leva as Ciências Humanas a desenvolver um modo de pensar que confronte o cientificismo de modelo matemático.

Crise da Ciência

Essa cisão e esse pensamento crítico antipositivista levou, a uma crise: fez com que as ciências sociais perdessem de vista seu objeto maior, pondo em cheque a possibilidade de uma ciência realmente social, posto que ela leva sua análise rapidamente à discussão ética, política, jurídica e etc. Criou-se a partir daí uma recusa à ciência que descobrimos não ser capaz de dar conta da totalidade da realidade e com isso, a definição de “cientista” tornou-se muitas vezes um sinônimo de ideólogo, conservador, positivista.

Deveríamos saber, entretanto, que a verdade não é bem essa. Que a ciência foi, é e seguirá sendo fundamental para a produção do conhecimento humano. Por uma longa tradição de uma certa esquerda, criou-se a ideia de que qualquer pessoa provavelmente sob inspiração da Vontade Pura ou do Espírito Santo, é capaz de produzir conhecimento e com isso chegamos quase a tornar a ciência um crime. O professor José Machado Pais, ao me explicar sua ideia de uma Sociologia do Cotidiano, me disse buscar objetos de análise no próprio cotidiano, isto é, em suas próprias vivências diárias, ao conhecer pessoas novas, ao vivenciar eventos marcantes. Transformou assim, o excelente sociólogo, o mundo em seu campo de pesquisas, identificando e descobrindo fatos relevantes e indispensáveis para uma análise que de micro passa a macro-sociológica. Sem deixar, contudo, de ser um cientista.

Como é comum ao homem naturalizar as formas nas quais se encontra, seja ela a arte, o trato interpessoal ou o preconceito (o maior exemplo), naturalizamos a crise e a insuficiência científica e esquecemos que essa mesma ciência e essa mesma crise possuem uma história e um conhecimento de si. Kuhn, Feyerabend, Popper são autores que não entram em nossa bibliografia, enquanto começam a se tornar indispensáveis em bibliografias de cursos de ciências exatas.

Fala-se muito pouco do que seja a ciência na atualidade. Damos essa questão como superada. Pelo menos nós, jovens estudantes, pouco ouvimos falar sobre questões de método ou de lógica científica. Não aprendemos a pensar os objetivos da ciência mesma que nos propusemos a estudar e partimos do pressuposto de que se a ciência é algo falido, só nos resta buscar consolo na Filosofia ou na Arte. Nesse sentido, não produzimos conhecimento seja ele qual for. Não que a Sociologia ou a Antropologia e a Filosofia não se misturem. Evidentemente que se misturam e se enriquecem mutuamente, mas na ilusão de que o problema científico não tem solução, migramos para um limbo teórico, ainda que acreditemos pregar a interdisciplinaridade.

Interdisciplinaridade e o problema dos pressupostos

A interdisciplinaridade existe somente com a discussão extensa com diversas áreas de saber (ao que a teoria é indispensável) e não com o abre aspas de uma citação de um ou outro livro de física ou genética ou mesmo da Sociologia ou da Filosofia. Existe aí o perigo eminente da colonização autoral e do ahistoricismo. Tem se tornado cada vez mais freqüente a colonização de autores que são tratados como se nos encontrássemos no momento em que escreveram suas teorias. As citações se tornam mais freqüentes, mas também mais vazias, pois não se subvertem os sentidos originais, sendo esses simplesmente adequados a situações dadas. Sob a desculpa da interdisciplinaridade jaz a reprodução de ideias e o descolamento histórico.

Outro problema que parece pungente é o dos pressupostos. Há o perigo constante de se tomar os objetos de nossas pesquisas como pressupostos e nesse movimento, se acabar por simplesmente conduzir a pesquisa em direção a comprovação do mesmo objeto do qual se parte, ou seja, se utiliza da pesquisa como forma de argumento que justifique os pressupostos. Deixou de existir uma lógica da descoberta científica – salvo os levantamentos estatísticos, dos quais esquecemos por serem exatamente científicos demais – para que se criasse uma lógica da justificativa. Não podemos deixar que nossas pesquisas sejam argumentos conciliatórios de nossa consciência. Argumentar é só uma parte da descoberta científica. É como, por exemplo, realizar uma pesquisa sobre o pensamento político de Gilberto Freyre, partindo da consideração de que ele apoiou o Golpe de 64. Há um pensamento vulgar, anticientífico e com toda certeza não produtor de conhecimento (pois nele o fim está dado pelo problema), de que se Gilberto Freyre, apoiou o Golpe de 64, então sua análise culturalista do patriarcado brasileiro necessariamente nada tem a dizer, pois seria só um espelho de sua escolha política. Ora, lembremos que muitas vezes grandes intelectuais não foram grandes homens políticos. Enquanto Freyre fazia isso no nosso Brasil, Borges fazia o mesmo na Argentina. E nem por isso sua literatura deixa de ser genial.

Esse problema dos pressupostos é comum e a meu ver principalmente perigoso em nós, jovens cientistas sociais que cremos ter, ao entrar na faculdade, todo o aparato necessário àquilo que chamamos conhecimento. No fundo, muitas vezes o que fazemos é dar vozes (ou melhor, letras) à nossa Vontade, no sentido exposto por Schopenhauer, para justificarmos as opiniões que trazemos conosco por nossa formação.

Possibilidade de Conhecimento

O problema desta “lógica dos pressupostos” como eu chamei aqui é, como já disseram os mais variados críticos da ciência, algo próprio da ciência, e poderíamos, portanto, nos deixar levar pelo argumento de que os problemas científicos não possuem soluções. São paradigmas e enquanto tais não oferecem perspectivas ou válvulas de escape. A meu ver, no entanto, é preciso, para a produção do conhecimento na ciência social, primeiro: dar cabo à noção de que a ciência é fundamentalmente algo retrógrado e reacionário por operar por mecanismos lógicos; segundo: acabar com a ideia de que opiniões formam conhecimento. São uma forma de conhecimento, indispensável por sinal, mas não a forma que nós devemos almejar como cientistas; terceiro: lembrarmos que o estudo e aprendizado e a investigação são fatos que não se restringem à Universidade e cujo fim não está dado.

Possíveis apontamentos sobre essas questões seriam os seguintes: primeiro, partirmos de uma ciência que não se considere falida, mas que tenha em seu cerne a reflexão ativa de seus próprios paradigmas (o que envolve uma transformação na operacionalidade da lógica da pesquisa, de uma clássica formal, para uma dialética); segundo: aprender a separar as formas de conhecimento, a começar por uma autocrítica que possa nos impelir à improvisação de nosso pensamento, separando a doxa do logos; e terceiro: não procurarmos pelo fim de nossos saberes, não partirmos do pressuposto de que teoria e prática são necessariamente opostas e procurarmos nos libertar um pouco das vontades que lançamos sobre o objeto, pois estas podem facilmente nos distorcer as vistas.

Outra consideração fundamental me parece ser a de que operar somente pela lógica de que a ciência deva realizar uma certa função social, é operar pela reprodutibilidade de um sistema que todos nós sabemos insuficiente. Entretanto operar pela lógica do puro hedonismo, do puro deleite é ser conivente com essa reprodutibilidade. O que eu vejo apropriado a nós, jovens estudantes, ara a produção de um conhecimento real, é a articulação de nossos esforços antes de tudo pelo próprio valor do conhecimento e da verdade. Valor esse que, por sua imensurabilidade, esquecemos existir.

Se há uma necessidade em produzir conhecimento, é porque há, antes de tudo, a consciência de que não se conhece. Esse trabalho é interminável e é pelo conhecimento por si, e não por nós mesmos que devemos, antes de tudo, buscá-lo. Mesmo porque, o conhecimento não deve ser de um ou de poucos, mas patrimônio de quantas pessoas se puder atingir.

(Texto redigido inicialmente para comunicação na palestra de encerramento da II Dessemana de Ciências Sociais da PUC-SP).

quarta-feira, 18 de maio de 2011

domingo, 1 de maio de 2011

Duplipensamento

Este mundo atual é o mesmo de sempre. É, ao menos o mesmo desde que postulamos as relações dialéticas entre infra e superestrutura. As mesmas usinas que abastecem um país, podem levar a população à morte por conta de um acidente geográfico. As inovações, as novidades, os avanços sõ pensados somente em termos tecnológicos. Por isso se diz que vivemos uma tecnocracia. A técnica e a tecnologia vêm em primeiro lugar. Ditam as normas, as visões de mundo e as posturas ético-morais. Isso, entretanto, é antigo. Basta lermos, por exemplo, Baudelaire.

O mundo parece ser uma soma de fracassos. Com o medo da repetição das atrocidades passadas, fingimos aprender a lidar com a história, quando na verdade, a recalcamos. A arte, tem sido cúmplice da confusão humana com o passado ao transformar a pobreza em luxo, ao embelezar os horrores e a feiúra. O pensamento desorientou-se e se tornou legítimo falar em qualquer coisa, partindo do princípio de que, ao se politizar uma questão ela necessariamente ganha valor de verdade e, portanto, legitimidade. A premissa de um discurso político exime a cumplicidade dos horrores e tranquiliza a consciência. Ao mesmo tempo o outro resta sempre irracional, pois os motivos daquele que se pronuncia, são e só podem ser, reais. Tudo isso, obviamente, na cabeça de quem se proclama. Pois o estímulo à subjetividade totalizante, que o mundo tanto alimenta, cria um sem número de "eus" que vêem em seu bem-estar a totalidade de seu processo. Esse processo, entrentanto de proclamação do "eu", não passa de um espelho da estandardização sofrida em geral e neste movimento, os homens tornam-se aos outros, um grande dedo acusador que denuncia as mentiras que vêem nos outros.

A técnica, mesmo que acusada pelas grandes mentalidades atuais, é ainda, a grande dona dos avanços, inclusive intelectuais. A medicina avança como a indústria bélica: se um foguete erra o alvo matando algumas centenas de civis a mais, corrigem-se os cálculos e tenta-se novamente. O salto ontológico que se preconiza é do ser social ao ser maquinal.

A Sociedade Civil, tão protagonista nas sociedade ocidentais já há quase 250 anos, tornou-se um burocracia manifesta pelas grandes ONG's, Terceiro Setor e organizaçõe slocais que precisam se parelhar às administrações sociais governamentais.

Duplipensamento - Lucas Armendani

Na arquitetura, os homens voltam a tentar conquistar as alturas e os designs arredondados e limpos, brilhantes, não condizem com as periferias que a vista atinge na altura de seus andares.

Os automóveis dobram em número e ainda que se aposte em fontes de energia ecologicamente corretas, o lixo e o desperdício se renovam mais rápido e mais eficientemente do que as fontes limpas.

Os homens vivem sob a sombra do consumo. A crédito, de preferência. E o consumo, que para tantos é importante, pois é simbólico e traz uma gama de significações que afirmam a subjetividade, é somente o meio de reprodução dos símbolos impostos por essa mesma lógica tecnocrática e estandardizante. Tanto que os hábitos reproduzidos advém de revistas e programas televisivos que informam, de um ponto de vista presumidamente racional, lógico e de fundo científico, a forma de se cozinhar, de educar e implicitamente, de pensar. Essas mesmas idéias e mentalidades ultrapassaram a barreira dos conhecimentos populares adquiridos e transmitidos pela experiência coletiva em comunidade, mesmo urbanas, que compartilhavam a vida numa rotina conjunta.

A intelectualidade é, ao menos no Brasil, politicamente correta e as doces flores de nossa classe média acreditam assumir posições políticas pelo mero discurso, reproduzido das tradições de iniciados nos segredos ocultos da militância pela justiça dos nobres burgueses.
O politicamente correto assumiu os argumentos políticos, mascarando os reais preconceitos adquiridos. Não basta não ser contra as minorias, deve-se amá-las. Nessa direção, a luta pela igualdade social tomou a forma de igualdade racial, ou igualdade sexual. Ou isso ou aquilo.

As pessoas às margens dos processos de alfabetização, alimentação, infraestrutura, são, no fim das richas dos emergentes, esquecidas. Todos falam em injustiça, e humanização, mas poucos cruzaram suas cidades para encontrar a pobreza e a miséria. Os dedos acusadores apontam, em riste, para as barbáries dos outros, pois estes dedos mesmos são, evidentemente, incapazes de apertar um gatilho.

Mas muitos ainda vivem nesta miséria. Todos nós. Vivemos nesta barbárie que renovamos a cada uma ou duas décadas. Sobrevivemos à cultura que criamos a cada momento, para nos adequarmos às situações imperativas.

O que se cria de bom é superado pelo instante próximo, pois é obsoleto. E a obsolescência impera. O irônico é que dependemos disso. Dependemos dos avanços técnicos à custa das guerras. Chegaram tão longe os males que criamos a nós, que nesses mesmos males residem nossas esperanças. Irônico ainda que, a todo momento propomos soluções. Elas nascem dos professores, dos operários, dos proprietários, de homens e mulheres e crianças e jovens e velhos. Mas os velhos não podem o que sabem e os jovens, não sabem o que podem. Os choques a que nos acostumamos recalcam as atitudes insurgentes e a crença no futuro é de uma utopia nada concreta, pois nós mesmos ignoramos as possibilidades efetivas às quais os avanços nos possibilitam, uma vez que  mudam a todo instante.

Sob tudo isso, o mundo está, ele todo, em crise. A sombra de guerras começa a imperar e as revoluções no norte da África e no Oriente Médio não devem ser tomadas como casos que se resumem à territorialidade das situações. A tecnocracia esconde o império econômico segundo o qual o instante da crise traz o momento de perigo da guerra.

Em Portugal os jovens são desacreditados. No Brasil, a crença é sebastianista, ainda. No mundo, corre solto o veneno do sonho de que querer é poder; de que o desejo pelo Bem vale mais do que pensar e agir pela ideia do Bem. Corre solta, frouxa, a ideia de queas ações miúdas do politicamente correto, de que o amor à natureza e ao próximo, são as ações que começarão a mudar o mundo. 

Talvez a mudança real resida na sombra desta guerra que começa a tomar conta. Talvez a mudança real impere extamente nestes momentos críticos.

Quando jovens migrarmos; quando jovens encontrarmos os amigos do além-mar, começaremos a compreender que nossa situação não é exclusividade nossa, mas linha geral de uma situação global. A mudança talvez venha quando da crise nasça uma grande recusa, que ponha em conta os riscos das ações políticas que repercutem no mundo inteiro.