sábado, 27 de fevereiro de 2010

Unidimensional

O ser ou não ser arraigado,
Nas mentes sãs normalizadas,
A parecer mancomunado
Co'a vida e as gentes ultrapassadas.

Tradição do homem fadado
A ser para sempre dividido
A ser unidimensionado
A ser vida sem libido.

Dessa gente vivida
usurpa-se a essência,
Cadeia do tempo dividida
Exige-se eficência.

Quer-se a realidade,
satisfaz-se no consumo,
dialética na idade,
a vida vira um resumo.

Então acordado até tarde,
na esteira da produção,
O homem se alarde,
ne vê ir-se a emoção.

Em noites idas sem fim
Nas rodas de seu fazer,
Só resta ao homem assim,
o velho ser ou não ser.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

No carnaval...

Há algo em nosso carnaval que vem mudando.
Já não se ama só por uma noite. Os que rondam nos salões não são mais de 1000 palhaços, mas 1000 desesperados. Não há mais arlequins apaixonados. Tudo é velho. O carnaval, tempo em que as coisas mais extraordinárias aconteceriam já não nos impressiona mais. Tudo é repetido. Nada há de novo. É tudo superficial e toda a sutileza dos conheceres, dos beijos e dos encontros se perdem como se fosse algo já feito.
Parece que chegamos a tal ponto de mesmidade, que não sabemos mais aproveitar uma de nossas festas mais simbólicas e mais representativas de nossa cultura. Se os feitos do carnval que antes eram extraodinários - exatamente no sentido de ser "fora do dia-a-dia" - e que, por isso mesmo eram tão intensos, já nos parecem lugar comum, não é porque temos aproveitado mais a vida, ou temos feito mais festas, mas porque até nisso nos deixamos dominar.
Elton Medeiros já vinha criticando esse aspecto do carnaval há lgumas décadas.
"No carnaval não vou querer me fantasiar
não vou querer me vestir de rei
não quero mais colorir a dor
e se alguém quiser me aplaudir
vai ter que ser assim como eu sou
não quer dizer q não vou nem brincar
só não quero é enganar o meu coração
No carnaval não vou mais sair fingindo
que passo a minha vida inteira a cantar
eu vou me divertir, na certa eu vou sambar
mas dessa vez a ilusão não vai me pegar

No carnaval eu sempre saí sorrindo
me divertindo só pra desabafar
três dias pra sorrir, um ano pra chorar
mas dessa vez a ilusão não vai me pegar".

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Sabe mais quem viveu...

"Você jamais
Vai me fazer sofrer
Agora esse prazer
Você não vai ter mais
Quero é distância, e falou em lhe ver
Não quero nem por trás.
Inda me lembro daquela vida de amargura
Andei sofrendo como ninguém tempos atrás
Mas se até mesmo o Bem um dia acaba o Mal não dura
Me abandone pois hoje eu estou vivendo em paz
Por desencargo eu até fiz uma jura
Eu juro que vivo sozinho mas com Você jamais
Na sua vida eu só representei uma aventura
Quem vê de fora não sabe do que Você é capaz
Quando estou muito bem é que Você me procura
Me abandona quando eu já não lhe sirvo mais
Mas só que agora eu tenho uma outra criatura
E no meu caminho eu não quero mais ver Você jamais."
Paulo César Pinheiro

"O Último desabafo de Arcanjo Mistura" (Mia Couto)

"Esse mundo não é falso. Esse mundo é um erro".

sábado, 6 de fevereiro de 2010

O Funâmbulo

Há uma anedota de Thomas Bernhard que resume bem a forma a qual as relações interpessoais se dão atualmente. O conto diz o seguinte:
"Um cômico que havia anos ganhava a vida sendo apenas e tão somente cômico e lotava todas as salas em que se apresentava, tornou-se de repente a tão aguardada sensação para um grupo de bávaros em excursão que o descobriu no topo do penhasco sobre o chamado Pferdeschwemme, o bebedouro dos cavalos de Salzburgo. O cômico afirmou perante o grupo de excursionistas que, do jeito que estava, de calça de couro e chapéu tirolês, iria se jogar de cabeça lá de cima, ao que, então, como de hábito em se tratando dele, o grupo rompeu numa gargalhada. O cômico, no entanto, teria dito que falava sério e, de fato, se atirado do penhasco no mesmo instante" (BERNHARD, Thomas. O Imitador de Vozes. São Paulo: Companhia das Letras, 2009).
Quem já não se sentiu como esse cômico, esse funâmbulo nietzscheano a quem nada mais resta senão sua própria arte?
A questão é que a vida em si é uma arte. É um poema. e ser poeta é, de fato, difícil demais. As pessoas que fazem de sua vida uma coisa qualquer - e, vejam bem, "coisa qualquer é algo impensável ao artista, é algo amorfo, matéria-prima bruta - são, no fundo, corações normalizados, são lugares comuns, são pessoas que abriram mão da vida antes mesmo de conhecê-la ou começá-la.
Só prova que o individualismo corrente dos dias (nem tanto) atuais, é uma piada. Só há um "eu" quando sou chamado de "você".

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Rodas de Samba

Tenho lido uma ótima pesquisa de uma amiga sobre rodas de samba. Em certo ponto do texto, nos deparamos com duas idéias contrapostas: uma por parte de Jean Duvignaud que caracteriza a festa como uma quebra de cotidiano, capaz de despertar e animar os sentidos; e outra, de Norberto Luiz Guarinello que entende a festa não como uma realidade oposta ao cotidiano, mas como parte de sua estrutura, sendo o cotidiano compreendido como o espaço e o tempo concreto das realizações sociais.
Eu tendo para esta segunda concepção. A meu ver, a festa faz parte do cotidiano sim, mas devemos lembrar que, submetida à lógica do trabalho, ela pode facilmente ser o bode expiatório da ideologia, o mecanismo de diversão aparente que é o lazer. É a fórmula manjada porém real de que "o lazer é somente o tempo em que descansamos para voltar a trabalhar", tão criticado pelos defensores da dita "cultura" como expressão mais íntima e verdadeira da coletividade. A verdade é que a festa, ainda que possa ser usada ideologicamente, oferece grandes possibilidades. As letras das rodas de samba, o clima de identidade, o momento que nos propicia a possibilidade de nos vermos no outro só potencializa algo que está presente no cotidiano, no dia-a-dia mais corriqueiro.
A festa, não qualquer festa, mas a roda de samba com certeza, me faz lembrar algo presente no "18 Brumário" de Marx, no qual ele apresenta nas primeiras linhas as leis da dialética. A roda de samba me faz lembrar que os homens fazem sua própria história mesmo sem o saber e mesmo que, sabendo-o, não a faça necessariamente como queira. Ou seja, esta festa, este samba, propicia um momento libertador. Basta que olhemos atentamente... as possiblidades se apresentam na nossa frente no compasso de um surdo. A tomada de consciência vem no intervalo da síncopa.