terça-feira, 25 de outubro de 2011

Entre os Muros da Escola

Escola é pichada com suástica nazista
Racismo. Diretora diz que escola 'mexeu em ferida profunda

O muro da Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Guia Lopes, no Limão, zona norte de São Paulo, foi pichado durante o fim de semana com a frase "vamos cuidar do futuro de nossas crianças brancas", acompanhada da suástica nazista. Para a diretora do colégio, Cibele Racy, foi uma reação às ações afirmativas pela igualdade racial desenvolvidas desde o início do ano entre os alunos.

A Emei tem 430 alunos, com faixa etária entre 4 e 6 anos, divididos em classes da educação infantil 1 e 2 (pré-escola). Durante este ano, as questões raciais têm sido discutidas com as crianças, como parte do projeto pedagógico. A festa junina, por exemplo, teve motivos afro-brasileiros.

"Foi um sucesso total. Trouxemos comidas e aspectos culturais da África. Tenho vários depoimentos de pais mostrando toda a aceitação", diz Cibele.

Segundo a diretora, apesar de bem recebido, o projeto pode ter despertado reações negativas por parte de alguém que sabe do trabalho desenvolvido pelo colégio. "Essa pichação teve um endereço certo. Não foi algo aleatório. Mexemos em uma ferida muito profunda e eu estava até preparada para alguma reação, mas não dessa maneira."

A diretora da Emei afirma que, em sete anos na unidade, nunca havia visto uma pichação nos muros da escola. Ela diz ter ficado surpresa com a manifestação racista. "A escola foi aberta ontem (domingo) para a eleição do conselho tutelar. Quando fui embora, por volta das 19h, passei pelo muro lateral e vi o que estava escrito. Fiquei espantada. Pela manhã, já chamei os professores para discutir o que seria feito."

Cibele pretende registrar um boletim de ocorrência na delegacia do bairro hoje, mas não só isso. No próximo mês, haverá, também, uma reunião pedagógica. Os pais de alunos serão convidados para um bate-papo com integrantes de movimentos pela diversidade racial.

Além disso, os alunos serão convidados a remover do muro a frase e o símbolo de intolerância, mas de uma forma divertida.

"Vamos dizer que sujaram a escola e que precisamos dar um jeito naquilo. As crianças estarão livres para pintar o que desejarem. É uma forma de eliminar completamente essa marca lamentável. O que merece publicidade é o que tem sido feito de positivo aqui na escola."

Reação ao projeto. Todos os anos, em novembro, o colégio faz passeata temática em via pública. A diretora diz que, no próximo mês, a igualdade racial será o tema da manifestação.

Professora de Psicologia da Educação da Universidade de São Paulo (USP), Silvia Colello acredita que o projeto escolar surtiu efeito. Daí a reação. "Foi tão eficiente que as vozes contrárias não conseguiram se calar."

A professora da USP elogia a solução proposta pelo colégio. "A diretora está dizendo que vai responder de forma pacífica, lutando pela igualdade. Vamos cobrir as marcas da violência com a nossa mensagem, com desenhos, com o que temos a dizer."

Segundo Silvia Colello, na faixa etária dos alunos da Guia Lopes ainda não há manifestação de racismo. "A criança pequena que é branca brinca com a negra sem problemas. A discriminação é algo socialmente adquirido, que surge depois. Na adolescência, por exemplo, a intolerância já está arraigada."

Investigação. Depois do registro do boletim de ocorrência, a Polícia Civil deve instaurar inquérito para investigar o caso e apurar responsabilidades. Em São Paulo, manifestações racistas são apuradas pela Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi).

http://m.estadao.com.br/noticias/impresso,escola-e-pichada-com-suastica-nazista-,786810.htm

O absurdo chocou, se tornou um dos assuntos da semana. Mas por que será que o racismo, uma vez que sua existência se tornou tão óbvia ou clara em nosso país, ainda choca tanto? Parece que no fundo, as manifestações racistas de parcelas de nossa sociedade são produtos do além, são causadas por forças ocultas ou agentes do mal.
Vem se discutindo pouco os aspectos sociais de reprodução do racismo. Isto é, discute-se muito pouco de que modo a organização formal, isto é, burocrática legal, vem ajudando a perpetuar a segregação.  Se, como disse a psicóloga da USP, "a criança que é branca brinca com a negra sem problemas", sendo o racismo algo que "surge depois", ora então o foco parece estar na faixa etária errada! Se é no adolescente que se encontra um racismo arraigado, adquirido socialmente, então é preciso trabalhar o adolescente, os irmãos mais velho destas crianças. Além do mais, dizer que algo é socialmente adquirido significa dizer que algo é adquirido a partir da posição social qu ealguém ocupa, o que envolve a posição econômica daquele de quem se trata.
O racismo não será erradicado - será isso mesmo capaz? - enquanto não se resolverem as feridas profundas no seio da desigualdade econômica. O pobre, quando se toma como linha de frente o discurso racial, continuará pobre, sofrendo preconceito, independente do seu tom de melanina.
Os motivos psicológicos e ditos culturais predominam demais e são por demais subjetivados para que uma solução seja pensada por inteiro. Pois até agora, a questão parece ter sido pensada sem suas possíveis consequências.

"O Horror se dá em que estamos (dizem os Outros) em uma época "esclarecida", "evoluída", "desenvolvida" etc., mas quando, na verdade, é o momento em que mais nos aproximamos da Barbárie e do Caos do Estado de Natureza Hobbesiano!" - diz um início de conversa no facebook.

R - "Fato! Mas há um outro problema que as pessoas tendem a esquecer, que está intimamente ligado a isso. O fato de que um discurso racial é sempre um discurso propenso ao racismo. O pressuposto de uma identidade aberta a poucos ...causa logicamente a reação inversa. Uma cultura que é pretensamente aberta a alguns e fechada a outros vai causar o mesmo movimento na direação contrária. Há um grande perigo numa maioria com vontade de maioria.

É claro que eu acho isso um absurdo. Mas é preciso questionar a origem mesma desse absurdo. Há algo de perigoso no discurso racial, no aprofundamento de uma vitimização, porque envolve a condenação de outros.O discurso da identidade sempre envolve a outorga de um status de "outro"! No que diz respeito à raça, pior ainda porque o racismo é uma via de mão dupla!

Eu particularmente detesto o discurso racial. Mais ainda a ideia de "raça". Isso para mim não existe e eu acho que seria mais produtivo se ensinar às crianaçs o preço da cultura brasileira enquanto "brasileira" do que enquanto "africana" de um lado, "europeia" de outro. Tendemos a virar um EUA, com a diferença que esse discurso se resolveu, lá, na década de 60".


X - Fiquei pensando nisso o dia todo. E, de fato, você tem certa razão. Mas, há coisas aí. O problema do discurso racial, é o "discurso mainstream" digamos assim. Isto quer dizer aquele discurso fechado, truncado e raivoso - que leva a vit...imização e à opressão do outro. São discurso e contra-discursos que partem do mesmo princípio, como se a via fosse única, que vai e volta. É o que acontece não só com grande parte do discurso racial no Brasil (que, aliás, eu também penso ser falho e ideológico); e também com o discurso do sionista da vitimização pela barbárie nazi-fascista. Concordo com a construção de uma identidade composta, que pense em cultura do aquém-mar sem precisar ir para o além... Contudo, se há várias vertentes que compõem essa cultura e, por conseguinte, a identidade brasileira, isso não é de fato levado à cabo, já que o discurso dominante esmaga e subsume às pretensas minorias. Não só os discurso, é claro. Ainda, não é uma minoria (suposta) com vontade de maioria. Tal discurso, prática e entendimento é aquilo que chamei de "mainstream". Pelo contrário, é parte do todo com vontade de integração ao todo. Mas como? Se todo discurso e prática que fuja à regra do estabelecido é visto como suspeito (já diria o Adorno da Indústria Cultural). Não penso em uma dissidência teórica ou prática: isso é segregação. E é o que vivemos. Mas são pontos contrários que fornecem a possibilidade de síntese (dialética mesmo): a necessidade de uma prática das culturas "minoritárias" que sejam reconhecidas enquanto tal e, por conseguinte, sejam suprassumidas, juntos às outras práticas para que, assim, se forme a síntese da identidade complexa (a cultura brasileira, talvez?!). Além do mais, o discurso racial só te torna uma via de mão dupla na medida que a resposta é de ataque e não de reflexão. A identidade só pode ser definida na pluralidade se for pautada na diferença. O princípio de identidade da lógica formal se torna reacionário. Talvez seja por isso que eu relego um pouco do movimento negro... Alguns aspectos (o resgate cultural, por exemplo. Que não é um resgate de além-mar. Antes, é um resgate da quota-parte de cultura brasileira que foi relegada pela prática dominante) são importantes; já há outros - e esse argumento eu jogo nas minhas costas (e nas do Florestan!), não é possível a integração (ou a suprassunção em síntese de uma cultura-amálgama) no capitalismo massificador. Outro problema que surge daqui, do racial pelo racial, é a abstração em relação ao poder do capital: alguns não leêm autores brancos (porque são brancos), outros não leêm os negros (porque são negros!) etc.. E o problema principal, em meu ver, o poder ideológico abstratamente organizado do capital... é escamoteado pela vitimização etc.. O problema é estrutural, eu insisto. Não ético.
Concordo contigo, em partes. Mas há coisas que devem ser levadas em consideração antes do 'ideal' de cultura nacional. Senão, a gente volta ao Hegel da Filosofia do Direito ou ao Gilberto Freyre... Ufa! Parei! Já perdi o fio da meada! rs
R - Hahahah concordo com você. E acho inclusive que você não poderia ter exposto meu pensamento de forma tão boa!

Quando falo de uma "minoria com vontade de maioria" quero dizer que é sim, uma parte do todo que busca uma afirmaç...ão dentro do tod, mas o faz - pelo menos tem feito até agora - por meio do discurso do "mainstream". Ou seja, não é o problema em si que me incomoda, mas a proposta de solução. O que me incomoda é que o que se tem é efetivamente brancos x pretos. É a emergêncai de um tal discurso afirmativo que me fez ouvir diversas vezes já - e eu te contei um dos casos - que eu não posso ouvir samba por que "samba é coisa de preto".

Quer dizer, o discurso que muitas vezes vem sendo reproduzido é o mesmo daquela maioria (minoria) branca quando se legitima. É uma cultura afirmativa que se segrega ao mesmo tempo em que denuncia uma segregação histórica. Parece haver uma confusão entre os motivos econômicos de uma segregação "de raça" e os motivos propriamente raciais.
 
Porque a grande questão da "democracia racial" não foi inventado por Gilberto Freyre, mas por seus intérpretes. De um ponto de vista culturalista - as pessoas lêem o Casa Grande inteiro, só esquecem de ler o prefácio - é mais do que provada... materialmente a miscigenação. Ao mesmo tempo, o Florestan nos mostra a solidificação do capitalismo periférico no Brasil pela ~transformação do escravo em capital em si. Uma análise não necessariamente contradiz a outra. dificulta sim o entendimento do Brasil, que já não é nada simples hahaha

É o modo de reflexão, que se expressa nessa cultura emergente que me preocupa. Porque ensinar reaggae na escola, como cultura "afro", não tem nada a ver com ensinar a pensar a realidade brasileira.

O racismo existe, é óbvio.Mas a própria ideia de que será possível erradicá-lo torna o problema maior ainda. Por que para além do componente social, o racismo conta de um componente individual, com certeza. É a ideia de que o "amor triunfa sobre o ódio", como disse o secretário de educação, gera, ironicamente, o comportamento que se quer evitar.

Porque a ideologia serve como desculpa. Mandela não lutou contra o Apartheid aprofundando uma segregação já existente, mas lutando por uma sociedade eqüitativa - não igualitária - isto é, democrática no sentido de possibilidades justas para seus cidadãos.

Mas a identidade parece ser muito forte na nossa cabeça. Precisamos nos apegar a algo que diga quem somos. Portugal é o pai superegóico, África a mãe carinhosa. E nós? ´

A solução para mim, está no ensino da história, da filosofia, da sociologia. As crianças devem aprender que "pipoca" é uma palavra indígena, que "budum" é iorubá, entende?! Não por uma questão de identidade - e aqui eu brigo com os antropólogos - mas porque eu apostaria que nessa história estão ainda escondidos os componentes que nos tornaram o que somos, que constroem nossa realidade.

Ou seja, concordamos. Eu só queria expor o que eu acho problemático. eheheh

Outra coisa. É preocupante sim as crianças brancas se pixarem os muros das escolas como foi feito. Mas isso indica um grave problema, de que o retorno da questão racial tende a piorar...

Porque se as crianças brancas aprendem simplesmente que é bonito que as crianças negras se afirmem como negras - o que muitas vezes é feito pelo esteriótipo do tipo: o branquelo não tem ginga, o branquelo não é malandro e etc - as crianças brancas irão se perguntar sim porque elas não têm o direito, também de se afirmar. Ora, o exemplo que se tem não é muito bom não é?! Mas isso está sendo deixado de lado.

Ou seja: pensar a identidade negra significa também pensar a identidade branca. É isso que me preocupa.