quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Uma boa geração

É preciso urgentemente mapear de onde vêm as ideias, que os jovenzinhos de certa "esquerda" têm, de que boas intenções bastam para mudar o mundo.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O nome

Sob a égide da ignorância e do luxo da classe média confortável e colonialista das universidades e do "povo" sem rosto, suspirou o pai, ao ouvido do filho, ao invés do nome secreto a seguinte frase:
"From this day forth, my thoughts be bloody or be nothing worth".

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Sobre "Eros e Civilização" - uma rápida introdução

Herbert Marcuse nasceu em Berlim, em 19 de Julho de 1898, numa família de judeus assimilados. Quando era estudante da Universidade de Freiburg aliou-se ao Partido Social-Democrata entre 1917e 1918 tendo participado de um Conselho de Soldados durante a revolução berlinense de 1919. Em 1922, apresentou sua tese de doutorado: O Romance de Arte Alemão; claramente inspirado no Lukács pré-marxista e em Hegel. Em 1932, vincula-se ao Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt. Com a tomada de Hitler ao poder, em 1933, fugiu para Genebra e um ano depois para os EUA, onde lecionou na Universidade de Columbia e tornou-se cidadão estadunidense. Foi analista para o Exército Americano durante a Segunda Guerra e voltou a lecionar em Columbia, Harvard, Universidade Brandeis (1954-1965) e a Universidade da Califórnia em San Diego (1965-1976). Segundo sua biografia disponível no acervo do Internet Marxists Archives (http://www.marxists.org), Marcuse, como “Hegeliano-Freudiano-Marxiano, destacou as formas culturais de repressão e o papel da tecnologia e da expansão da produção de bens de consumo no mantimento da estabilidade do capitalismo” . Algumas de suas obras mais importantes são: Razão e Revolução (1941), Eros e Civilização (1955), Marxismo Soviético (1958), O Homem Unidimensional (1964), e O Fim da Utopia (1967). Marcuse morreu em Munique em 1979, aos 81 anos de idade.

"A proposição de Sigmund Freud, segundo a qual a civilização se baseia na permanente subjugação dos instintos humanos, foi aceita como axiomática. A sua interrogação, sobre se os benefícios da cultura teriam compensado o sofrimento assim infligido aos indivíduos, não foi levada muito a sério [...] A livre gratificação das necessidades instintivas do homem é incompatível com a sociedade civilizada: renúncia e dilação na satisfação constituem pré-requisitos do progresso. Disse Freud: ‘A felicidade não é um valor cultural’. A felicidade deve estar subordinada à disciplina do trabalho como ocupação integral, à disciplina da reprodução monogâmica, ao sistema estabelecido de lei e ordem. O sacrifício metódico da libido, a sua sujeição rigidamente imposta às atividades e expressões socialmente úteis, é cultura.” (MARCUSE, 1982: 21).

É assim que se inicia Eros e Civilização: Uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. Como o título deixa claro, Marcuse propõe uma leitura filosófica do pensamento de Freud. Partindo da observação de que em seu tempo - as décadas de 1950-60 - o contínuo incremento da produtividade aumentava a promessa de uma vida cada vez melhor embora se vinculasse a uma igualmente intensificada ausência de liberdade, o filósofo alemão radicado nos EUA, analisa a ideologia das sociedades contemporâneas, ditas industriais – análise que mudará posteriormente com O Homem Unidimensional.

O livro se estrutura partindo da análise da teoria freudiana da cultura e conseqüentemente da repressão, traçando a origem ontogenética e filogenética do indivíduo reprimido. Para ele, há uma inversão no princípio de realidade atual. Se no Século XIX, esse princípio era o do “reprima-se”, na atualidade, seu imperativo torna-se o extremo oposto. Assim sendo, a sociedade contemporânea controlaria o sujeito nas próprias bases do desejo. Dentro da análise da obra de Freud, a leitura se pautará pelo problema da dominação e do poder e pela relação entre psicologia individual e psicologia social.

É traçando os limites do princípio de realidade até então estabelecido que Marcuse questionará a possibilidade de um novo princípio de realidade. Uma vez que o imperativo de realidade se inverteu, liberando as pessoas para fazerem o que quiserem, mas paradoxalmente aumentando o nível de controle sobre os indivíduos a partir da lógica da reprodução capitalista e da produção de bens de consumo, que garante a satisfação das pessoas, a constatação de Freud de que a modificação da estrutura instintiva seja econômica, uma vez que faz com que os membros da sociedade desviem suas energias sexuais – manifestações da pulsão de vida – para o trabalho, é fundamental para que Marcuse alie, à sua releitura de Freud, a análise marxista do capitalismo, principalmente pelo fetichismo da mercadoria, pela produção do homem pela produção de coisas.

O ponto de partida é que, ainda que Freud tenha identificado a civilização como repressão, ele mesmo nos teria fornecido razões para rejeitarmos essa proposta na medida em que, tendo simplesmente diagnosticado as características psicanalíticas da sociedade de seu tempo, Freud não historicizou sua situação. Deste modo, a pergunta de Marcuse questionará se nos tempos atuais o conflito entre princípio de prazer e princípio de realidade será irreconciliável ainda ou permitirá um conceito de civilização não-repressiva. Essa civilização não-repressiva, buscada por Marcuse, será então analisada não como uma noção abstrata e utópica, mas principalmente em dois dados concretos:

primeiro, a própria concepção teórica de Freud parece refutar a sua firme negação da possibilidade histórica de uma civilização não-repressiva; e, segundo, as próprias realizações da civilização repressiva parecem criar as precondições para a gradual abolição da repressão”. (MARCUSE, 1982: 22)

O estudo de Marcuse terá como objetivo então contribuir com a filosofia da psicanálise, buscando as origens e a legitimidade da transferência da ênfase do inconsciente para o consciente, dos fatores biológicos para os culturais, superando a análise das escolas neo-freudianas que suprimiam as raízes da sociedade nos instintos, colocando-a no nível em que se defronta com o indivíduo em seu “meio” pré-fabricado.

Partindo da premissa freudiana de que a civilização se baseia na subjugação permanente dos instintos humanos, ou seja, na idéia de que a civilização, entendida como cultura, é um espaço de conflito, então para que nos aculturemos é preciso que abramos mão de nossos instintos, ou melhor, de nossa vontade natural em concretizá-los, de modo que o progresso só é possível pela renúncia de nossa satisfação permanente. O progresso da civilização se daria, para Freud, pela sublimação de Eros, pulsão de vida do homem. Eros, no entanto, se mostra como uma figura dialética: gera cultura, mas não se realiza, libertando os impulsos destrutivos. Nesse movimento, enraíza-se a opressão em nossa natureza; naturalizam-se os fatos históricos. O princípio de realidade, o ego organizado, que modifica a substância do prazer, ou seja, a instância que faz com que abandonemos é simplesmente o processo de inserção do indivíduo no universo social, mas é, ao mesmo tempo, o grande acontecimento traumático do desenvolvimento do homem. Tanto no desenvolvimento do gênero – o nível ontogenético – quanto no nível do próprio indivíduo – o nível filogenético.

Ao identificar isso, Freud mostra que a liberdade na civilização é “antagônica da felicidade, pois envolve a modificação repressiva (sublimação) da felicidade. Inversamente, o inconsciente [...] é o impulso para a gratificação integral” (MARCUSE, 1982: 32). Essa equação de liberdade e felicidade seria sustentada pelo inconsciente. Sua verdade, ainda que repelida pela consciência assombraria a mente, preservando a memória de estágios passados do desenvolvimento individual, nos quais as gratificações imediatas eram obtidas. A memória possui, assim, um valor de verdade, pois conserva as promessas e potencialidades traídas pelo indivíduo maduro e civilizado. A libertação da memória pela psicanálise faz surgir a verdade que a razão nega. E o passado redescoberto produz e apresenta padrões críticos que, no presente, se tornam tabus.

O princípio de prazer sobrevive no inconsciente pela fantasia, a imaginação, que se opõem ao princípio de realidade, e se manifesta e opera a partir do próprio inconsciente. A fantasia é uma atividade mental que retém um grau elevado de liberdade em relação ao princípio de realidade, mesmo na esfera da consciência desenvolvida, que surge primeiramente com os brinquedos infantis e mais tarde prossegue como divagação. Nasce, então, e é abandonada pela organização do ego do prazer no ego da realidade. Mas a fantasia retém a estrutura da psique anteriormente à sua organização pela realidade. Ela, então, preserva a memória do passado, “quando a vida do indivíduo era a vida do gênero, a imagem da unidade imediata entre o universal e o particular, sob o domínio do princípio de prazer” (MARCUSE, 1982: 128). Assim sendo, a imaginação visa a reconciliação do indivíduo com o todo, da felicidade da razão, exatamente por ser a instância da psique que guarda a memória das experiências subjetivas de vida no princípio de prazer. Ela sustenta as reivindicações do indivíduo total que o princípio de desempenho destrói.

Essa harmonia salva pela fantasia, no entanto, é removida para a utopia pelo princípio de desempenho – o princípio de realidade - e a fantasia passa a ganhar forma quando cria um universo de percepção e compreensão, universo esse subjetivo e objetivo ao mesmo tempo: a arte. “A análise cognitiva da fantasia conduz-nos [...] à estética como ‘ciência da beleza’: subentendida na forma estética situa-se a harmonia reprimida do sensualismo e da razão” (MARCUSE, 1982: 129). A arte realiza a vontade da fantasia, é expressão de um anseio de conciliação, uma promessa de felicidade e liberdade, uma soma de desejo e realização, de felicidade e razão, e se opõe à lógica da dominação, pois a imaginação que se torna artística modela a “memória inconsciente” da libertação que fracassou, da promessa traída de liberdade e felicidade, porque a arte representa a realidade da não liberdade, ao mesmo tempo em que é a negação desta não-liberdade, e pode então, representar um sujeito livre.

A arte assume então um papel importante na utopia marcuseana. Ainda que a arte não possua, por si, a capacidade de preconizar uma ação política, a proposição aristotélica do efeito catártico da arte resume sua função: opor e reconciliar; acusar e absolver, tudo ao mesmo tempo. Assim, a oposição entre fantasia e princípio de realidade estará mais bem resumida na arte surrealista, que colhe parte de seu significado em processos sub-reais ou surreais como o sonho, a divagação, a atividade lúdica e o fluir da consciência. “Em sua mais extrema reivindicação de gratificação, para além do princípio de realidade, a fantasia anula o próprio principium individuationis estabelecido. Aqui se encontram, talvez, as raízes da vinculação da fantasia ao Eros primário [...]” (MARCUSE, 1982: 130), uma vez que a sexualidade é a única função de um organismo vivo que se estende além dele e garante sua união com a espécie. Se a sexualidade é organizada e controlada pelo princípio de realidade, a fantasia afirma-se contra a sexualidade normalizada por esse princípio. Mas seu elemento erótico ultrapassa as expressões pervertidas, pois visa uma “realidade erótica” em que os instintos vitais terminem por descansar na gratificação não reprimida. Assim sendo, a fantasia desempenha um papel único na dinâmica mental: ela cria a imagem de uma forma diferente de realidade; imagem esta que contém a unidade perdida entre universal e particular e também a gratificação integral dos instintos vitais pela reconciliação entre os princípios de prazer e de realidade.

O valor de verdade da imaginação relaciona-se não só com o passado, mas também com o futuro; as formas de liberdade e felicidade que invoca pretendem emancipar a realidade histórica. Na sua recusa em aceitar como finais as limitações impostas à liberdade e à felicidade pelo princípio de realidade, na sua recusa em esquecer o que pode ser, reside a função crítica da fantasia”. (MARCUSE, 1982: 132).

A fantasia é, então, uma Grande Recusa contra a repressão desnecessária. Ela é criadora de imagens possíveis para a realidade, que a filosofia deve reivindicar como função política. Ainda que a gratificação das necessidades humanas exija o trabalho, fato que por si só imporia restrições quantitativas e qualitativas aos instintos, as pretensões utópicas da imaginação seria capaz de reivindicar um novo princípio de realidade.

Um novo princípio de realidade, eis um dos focos de Marcuse em Eros e Civilização. Algumas críticas, no entanto, podem ser feitas tanto a esse objetivo quanto ao método utilizado pelo pensador. Uma das críticas é feitas por Jürgen Habermas, que parte da idéia de Marcuse de uma nova relação entre homem e natureza para, a partir do pensamento de Weber, criticado por Marcuse, pensar a possibilidade de existência desta nova relação. A crítica de Habermas à Marcuse parte do princípio de que a possibilidade de uma nova relação com a natureza não é possível. Marcuse tem em vista a criação de uma nova técnica que não mais se baseie na exploração e na dominação, mas na atuação conjunta entre homem e natureza.

O primeiro item a ser considerado na crítica de Habermas é que cultura e técnica são esferas separadas; e à esfera da cultura caberia a política. Desse modo, o caminho tomado pela técnica, ou seja, o caminho de seu desenvolvimento seria o único possível. Técnica é necessariamente dominação da natureza. Os problemas advindos com o desenrolar do processo histórico não seria um problema ideológico inerente à técnica, mas um problema de excessos tomados na utilização destas técnicas. Toda técnica pauta-se por critérios instrumentais, como uma ação racional relativa a fins, tal qual Weber já havia identificado. Já a política pauta-se por critérios discursivos e são ações racionais geralmente relativas a valores. São, portanto, campos que não se misturariam. Entretanto, quando o discurso na técnica é introjetado na política – e ele é, necessariamente, uma vez que, como Marcuse aponta corretamente, o modelo técnico traz consigo implicações políticas - então ela se torna um problema. Este problema, contudo, é político e, portanto, comunicativo. É isso que o termo “intersubjetividade” significa no contexto.

Falar em racionalidade científica é falar necessariamente, para Habermas, da forma da atividade econômica capitalista, das relações de direito privado burguesas e da dominação burocrática. Pois é por meio deste progresso técnico e científico que a sociedade pode progressivamente se racionalizar e tratam-se, portanto, da propagação do tipo do agir racional com respeito a fins. O que Marcuse faz é pegar o conteúdo político da razão técnica como ponto de partida analítico para uma teoria da sociedade capitalista em fase tardia. Nessa esteira, a fusão entre técnica e dominação, racionalidade e opressão é vista como a priori escondendo um projeto de mundo determinado por interesse de classe e situação histórica. Por esse motivo, somente por meio de uma revolução seria possível conceber uma nova ciência e uma nova técnica. “De maneira conseqüente, Marcuse tem em vista não somente uma outra construção de teorias, mas também uma metodologia da ciência que difere em seus princípios” . O quadro no qual a natureza se tornaria objeto de uma nova experiência não seria mais a esfera do agir instrumental, mas um tratamento zeloso que liberasse os potenciais da natureza.

A questão é que essa atitude diferente para com a natureza proposta por Marcuse não é suficiente para que se derive uma nova técnica. Em outras palavras, o que Marcuse prega, é uma reconciliação entre sujeito (a sociedade) e objeto (a natureza). O problema é que só no dia em que todos os homens puderam se compreender e se reconhecer no outro que poderemos tratar a natureza como outro sujeito. A solução está, então, na comunicação, que corrigiria os excessos da ação instrumental uma vez que os rumos tomados pela ação instrumental não deram conta da incompletude da intersubjetividade. É necessário que se resolva esse problema antes que se possa propor uma interação simbolicamente mediada diferente da ação racional quanto a fins. A única possibilidade humana para uma ciência, para Habermas, é a já existente.

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Críticas à parte, a meu ver a obra de Marcuse é um marco do Século XX. Talvez mal-compreendida, ela expressa a vontade de toda uma geração. Acostumados como somos, no Brasil, a vincularmo-nos à tradição francesa, tencionamos a, assim como os franceses, menosprezar o que quer que seja que venha dos EUA. No entanto, aquele grande ano de 68 talvez tivesse sido diferente se não viesse desde muito antes, sendo delineado pela contracultura estadunidense dos beatnicks e etc. O grande movimento cultural dos anos 60 dos EUA, do qual Marcuse é expressão, tem seu mérito não por ter sido maoísta, stalinista ou marxista ou de qualquer outro tipo de "ismo" - embora, é claro, as ideologias políticas e as filosofias das mais diversas permeassem os ideais - mas por ter sido um movimento de reivindicações de outras instâncias, mais profundas. Foram movimentações a favor da sensibilidade, da compreensão do diálogo, da política feita entre as pessoas, boca a boca.

Em sua aparente isenção da sociedade, por parte dos hippies, ou do engajamento pela igualdade dos direitos civis e pelo fim da Guerra do Vietnã por parte dos estudantes universitários e a deserção por parte dos garotos em idade militar. Aquela sociedade tão criticada, tão vil aos olhos do mundo, tão imperialista e todos os outros adjetivos que os marxistas ortodoxos adoram reproduzir para pintar o demônio em alguém, foi a única sociedade que possibilitou à filosofia aquela que é provavelmente a única utopia da atualidade, pensada por Marcuse - independentemente das centenas de críticas possíveis - e muito bem resumida nas últimas linhas de Eros e Civilização:

"Os homens podem morrer sem angústia se souberem que o que eles amam está protegido contra a miséria e o esquecimento. Após uma vida bem cumprida, podem chamar a si a incumbência da morte - num momento de sua própria escolha. Mas até o advento supremo da liberdade não pode redimir aqueles que morrem em dor. É a recordação deles e a culpa acumulada da humanidade contra as suas vítimas que obscurecem as perspectivas de uma civilização sem repressão" (MARCUSE, 1982: 199)

Foi contra isso que essa geração levantou sua voz: a impossibilidade de uma civilização não repressiva. E a importância de uma utopia é vital, pois é o projeto de uma civilização que tem materialmente quase todas as condições para se realizar.

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BIBLIOGRAFIA

HABERMAS, Jürgen. Técnica e Ciência Enquanto Ideologia. In: Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

MARCUSE, Herbert Eros e Civilização. Uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. São Paulo: Círculo do Livro, 1982.


WEBGRAFIA