sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Um Homem Subterrâneo (Crítica de "Dias de Rock and Roll" de Edmilson Felipe)

Como diz o Professor Edgard de Assis Carvalho na apresentação de Dias de Rock and Roll, Anderson Vick, personagem principal do livro de Edmilson Felipe é "Errante e erótico, sábio e louco". Sem dúvida. Vick é um errante que perambula pelas ruas de Sampa, de BH, de Manaus, do Brasil recomposto e resumido no detalhe dos cotidianos urbanos. Entretanto, não creio ser, à diferença do Professor Edgard, um flanêur. Pois para que se seja flanêur é necessário ser ou trapeiro, ou burguês. Vick não é nenhum dos dois. Vagabundo, talvez? Mas nem trapeiro, mendigo, nem burguês. Vick se encontra tanto na periferia do conforto burguês quanto à margem da vida de mendicância. 
Anderson Vick é um homem bem resolvido, não fossem as antinomias da vida moderna que o enredam numa dinâmica de busca incessante: primeiro pela conclusão de seu livro, depois pelo amor, depois de um sentido aos dois primeiros.  Tudo "parece conspirar contra ele". De fato. Por isso, não flanêur, mas funâmbulo é aquilo a que Vick se assemelha. Um funâmbulo tal qual a velha imagem suscitada por Nietzsche em Assim Falou Zaratustra. Vick se equilibra pela vida, e o faz com maestria, com pitadas de erotismo-fodas mórbidas (como a do cemitério), violência (como a fuga da casa noturna que termina com Vick baleado, ou o episódio do catamarã amazônico em que Vick se arrisca com traficantes) e amizade (como a amizade construída entre sua ex-namoradas que se tornam amantes). As vivências pelas quais passa o personagem principal possam talvez levar a crer, à imaginação inocente, que Vick é um desses que "vai levando", um conformista como outro qualquer, mas a verdade é que Vick "vai criando", se embrenhando pelos laços afetivos sirgidos entre os personagens, sempre uma espécie de erotismo-filia.
Vick e seu pai-fundador, Edmilson Felipe se aproximam de um tipo de literatura marginal, subterrânea, que toma como origem as formas de vida que em geral assusta o cidadão confortável e que tira sarro daquele jovenzinho tão comum na universidade, que se vê na boemia e no entanto, nunca passou perto de depender do jogo de cintura que Vick emprega em cada rua, em cada dia. Nisso, Edmilson Felipe cunha uma escrita que se aproxima da do uruguaio Felipe Polleri, principalmente na trilogia do Dios Negro. Ali, Polleri reune os elementos de uma Montevideo decadente vivida, no primeiro romance que compõe o livro, Carnaval (1990), por um aspirante a escritor que renuncia a sua origem aristocrática para trilhar o caminho de uma literatura violenta, visceral, humana, somente para cair nos trambiques de seu editor e finalmente matá-lo. Compõe as desventuras deste também funâmbulo, uma escrita direta, não exatamente poética, ainda que com extremamente visual e alegórica, onírica por vezes, permeada de gírias, xingamentos, lnguagens e estilos coloquiais, não numa reivindicação anti-burguesa, mas numa composição ilustrativa necessária à estrutra da narrativa e da psiquê dos personagens. Não há dúvida, nem em Polleri, nem em Felipe, de quem são os personagens, do "que" eles são. Isso está claro para os próprios personagens.
São pessoas que "lidian cons sus traumas o demonios frente a una cámara oculta, más que sobre algún diván. Sobreviven, pero aspiran a triunfar en su estilo exuberante de brutal y loca cordura". Não só, o estilo quase aforístico de certos trechos, aproxima o texto de Felipe à forma do conselho enigmáico presente em alguns dos textos de Thomas Bernhardt. Mais um ponto a favor, mais um ponto funâmbulo.
Por essas e por outras, a leitura de Dias de Rock and Roll é um investimento. A rapidez do estilo, a fala coloquial, a de alguma forma divertida desventura violenta do protagonista nos faz de certa forma perceber a passagem breve e louca que alguns de nós temos, nos equilibrando, prestes a cair, caindo talvez, mas sempre com os olhos na meta, além do abismo.