sexta-feira, 5 de abril de 2013

As Bailarinas Escritoras

Há em mim uma propensão a ver em quase tudo uma forma de texto. Raramente, entretanto, esse texto se me apresenta aos olhos. De forma irônica, eu não me dei conta disso até o dia em que, totalmente desligado dessa tendência inconsciente, uma nova forma se apresentou aos meus olhos. Um grande texto, uma narrativa, uma história simplesmente. E essa história me veio por meio de umas das artes que eu mais desconheço, se é que chego de fato a saber qualquer coisa sobre o assunto: a dança.
A Cia.Soma se apresentava pela última vez no Brasil antes de viajar a Europa por alguns meses e eu, que já havia visto algumas apresentações, compareci ao espetáculo somente paraa me surpreender uma vez mais, da forma mais verdadeira.
O que eu vi não foi simplesmente um espetáculo de dança ou performance. Foi um texto que se escrevia ali mesmo diante dos meus olhos. Um texto composto materialmente com cada aspecto daquilo que é brasileiro e universal. A começar pelos olhos. São duas as componentes. Os olhos são dois pontos : apresentam a grande ideia. Cada passo, cada movimento de pé é uma vírgula, que pausa e inverte sentido e direção. Os pulos são pontos. Marcam e resistem sobre espaço e tempo... assim como as reticências que se alongam como os corpos rasteiros que por vezes se fazem presentes.
Eu me lembro, durante a apresentação, de ter me emocionado porque podia ver que tanto estudo, tanto conflito intelectual, tanto esforço físico, no universo o qual fazemos parte, podia ainda criar um texto como aquele, cuja tinta era o corpo e cujo fim se alongaria em minha mente como ruína. Ruína, sim. Não algo velho e esquecido ou destruído. Antes, como algo que resiste em partir. O fim é o início porque se alonga corporalmente na mente, mudando a percepção do espaço e do tempo."Não há experiência de corpo que não seja também experiência de alma, o contrário sendo também verdadeiro".
O que eu via não era somente um espetáculo. Era um ensaio. Sobre o corpo, sobre o som. Um ensaio de linguagem à melhor moda brasileira, essa moda de dialética de síntese desconhecida. Foi algo como Gilberto Freye: intuitivo e lógico, contidiano e raro, popular e erudito, sensível e abstrato. Não só, e finalmente, a Cia. Soma me parece, num momento de tamanha confusão cultural, um alívio. Para as artes, para a nossa cultura. Sem ufanismo, sem nacionalismo. Mas de fato algo que devemos nos orgulhar por ser nosso. E eu, por ter a chance de conhecê-la.

Confiram o vídeo da Cia.