quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Quando um governo age como uma tribo, é necessário um pastor para seus burros.


Eu trabalhei por vinte anos como empregado em diversos departamentos governamentais no Líbano. Durante este tempo, eu nunca recebi um sinal de apreciação ou prêmio, ou mesmo uma promoção simplesmente porque eu me recusei a ser um protégé de um governante ou homem do clero.
Eu segui o conselho de meu tio, que costumava alugar burros (mkari), e sempre dizia: “Não ate seu cabresto na manjedoura de políticos, pois uma vez que você o faça, eles o considerarão fraco”.
Como eu não possuía nenhuma conexão com gente influente, eu costumava carregar não só o fardo do meu trabalho, mas também daqueles que eram mais altos do que eu em status, ainda que muito menos inteligentes.
Eu descobri que alguns empregados civis do governo não assumem qualquer responsabilidade uma vez que se consideram os verdadeiros “filhos do governo”. Diferentemente do resto dos oficiais e empregados, eles costumavam trabalhar de acordo com a regra que diz: “Ao invés de resolver um problema, passe para outra pessoa, até que Deus dê conta”.
Entretanto, eu costumava me consolar toda vez que me lembrava das palavras das velhas pessoas que na minha cidade costumavam repetir: “Uma pessoa digna deve ser como o sempre verde carvalho que uma vez cresceu na praça de nosso vilarejo e costumava atrair o gavião para o seu topo e os coelhos selvagens pastando em sua sombra”. Mas eu me sentia e continuava a sentir-me triste toda vez que me lembrava de que forma os turcos haviam cortado aquela árvore antes que fossem expulsos de nosso país pouco depois da Primeira Guerra Mundial.
Um dia, um cidadão entrou em meu escritório para perguntar sobre o destino de um arquivo, que me havia sido enviado naquela mesma manhã de outro departamento. Enquanto lia, descobri que havia sido passado de um oficial a outro vinte vezes. Foi surpreendente descobrir que qualquer um dos oficiais poderia ter terminado a autorização e salvo o pobre tipo de vinte viagens ao ministério.
Após ter escrito meus comentário sobre a petição que eu havia datilografado, eu mesmo levei o documento à instância maior, fiz com que fosse assinado, levei de volta à minha mesa, registrei o documento no livro oficial e finalmente levei ao homem que esperava e observava meus movimentos com surpresa.
Ele me agradeceu e, com sinais de assombro em seu rosto, disse: “Posso lhe fazer uma pergunta?”.
“Claro” – eu disse.
“Eu gostaria de saber qual é seu cargo aqui”.
“Sou pastor de burros” - eu respondi .
“O que quer dizer com isso? Não entendi” , perguntou o homem.
“Você tem tempo para ouvir uma curta história?” – eu disse. “Sim, tenho todo o tempo” – ele respondeu.
Então eu contei a história:
“Uma vez, um homem procurou refúgio numa tribo. O líder da tribo o acolheu e o apresentou ao restante do clã.
‘Este é o Sheikh dos Árabes, Hmaydan. E este é o líder da tribo Shiwan. E este é o príncipe de nosso povo, Abu Swaydan’.
Então todos fitaram o homem e perguntaram: ‘E vós, quem sóis?’
‘Eu sou o pastor de burros. Eu soube que necessitavam de alguém que levasse vossos burros ao pastoreio... então aqui estou eu’.
‘E como sabias que precisávamos de alguém para pastorear nossos burros?
‘Bem, se cada um de vós sois ou Sheikh, ou líder, ou Príncipe, quem haverá para ser o pastor?’”
Quando eu terminei minha história o homem olhou para mim e disse: “É verdade”. E emendou: “Quando o governo age como uma tribo, com certeza precisa de alguém que leve os burros ao pasto...”.

AL RASSI, Salam. An-Naas Bin-Naas

domingo, 5 de agosto de 2012

Teses Cabalísticas sobre a Confiança

1. Pessoas sem vícios não são confiáveis;
2. Pessoas sem preconceitos não existem. Por isso as que se pensam como tal, com certeza não são confiáveis;
3. Pessoas 'boazinhas', são boas por algum motivo, que diz respeito somente a elas. Não confie!
4. Quem possui um cachorro que não obedece, não possui autoridade alguma. Sob qualquer pressão elas cedem. Não merecem, por isso, sua confiança;
5. Greve de fome é algo por demais violento. Assim sendo, a não-violência de Ghandi foi relativa. Cuidado com os pacifistas contemporâneos.
6. Quem ama o feio, possui algum interesse. Quem confunde atração com beleza ou é inocente ou é falso. Por via das dúvidas, não leve muito a sério.
7. Como disse Burroughs, as mulheres mais baratas se tornam, com o tempo, as mais caras. Nada mais precisa ser dito.

Sinais Honrosos Sempre Aparecem na Face de Homens Honrosos

O Sheik Abu Ali Sayyagha era um dos homens mais respeitados de seus dias. Ele era capaz de, quando fosse que encontrasse alguém pela primeira vez, adivinhar que tipo de pessoa esse alguém era: estúpido ou esperto,  generoso ou avaro, honesto ou não. Simplesmente mirando os rostos, uma ciência naquele tempo conhecida como fisiognomia.

Antes que carros fossem feitos, o Sheikh se encontrava um dia viajando a pé de Hasbayya a Jdeidet Marjeyoun (Sul do Líbano).

Quando ele atingiu a intersecção de Souq El Khan, o Sheikh encontrou um homem montando um burro indo na mesma direção. Quando o homem se aproximou dele, o Sheikh mirou sua face e disse a si mesmo: “Eu não gosto dele... não é um homem honesto”. O homem desmontou de seu burro, correu em direção ao Sheikh e perguntou: “Para onde te diriges?”.

“Jdeidet Marjeyoun”, respondeu o Sheikh. O homem disse, então, em bom som: “Que sorte tenho eu. Também para aí me dirijo”. E então insistiu para que o Sheikh montasse no burro. O Sheikh hesitou e pensou por um momento: “Como pode tão nobre gesto vir de alguém que me parece de tal modo desonesto?”. E pensando isso ele olhou novamente para o homem somente para ver sinais da desonestidade em seu rosto.

O Sheikh se desculpou de uma forma gentil dizendo: “Não, obrigado... Mas eu prefiro caminhar”. Mas o homem insistiu: “É impossível que caminhes enquanto eu monto” – e disse mais –  “Alguém que conhecemos pode passar por nós e se impressionar com quão rude e grosseiro eu seria. Não, não, deves montar, eu insisto”.

O Sheikh finalmente montou o burro, apesar de sua vontade. Toda vez que ele parava e ameaçava desmontar, o homem se punha em seu caminho ameaçando rasgar o abdômen do burro com sua adaga.

Durante o percurso o homem tagarelava sobre sua devoção e respeito aos homens do clero, algo que começou a preocupar o Sheikh ainda mais: “A mim esse homem me parece infernal, mas seu comportamento me mostra que ele é um homem de honra. Acredito que eu tenha um problema aqui. Talvez eu precise reconsiderar, de agora em diante, a maneira que eu julgo as pessoas. Se meu julgamento deste homem estiver errado, então talvez eu tenha julgado mal outros… e esse é um problema sério porque então, eu talvez perca a confiança das pessoas em mim”.


Chegando em Jdeidet Marjeyoun, o Sheikh desmontou do burro e foi-se embora…

Salam Al Rassi
O homem correu atrás do Sheikh dizendo: “Mas Eminência, não me pagaste a taxa do burro…”. O Sheikh perguntou: “Sim, é claro, quanto quereis?”. O homem respondeu: “Meio Majidi”.

 O Sheikh fitou o rosto de homem e lhe disse: “Escutai, meu amigo. Somente a verdade prevalece no fim. Eu sabia que tipo de pessoa és desde a primeira vez fitei vosso rosto, mas me preocupaste sobre o modo que leio as pessoas...” – e continuou – “Aqui está um Majidi completo e estou muito feliz que eu não estava enganado a vosso respeito”.

Salam Al Rassi. Li-alla Tadhi (Ainda que se percam).