quarta-feira, 13 de agosto de 2014

The Inquisition (what a show!)

A polêmica se iniciou com o semestre letivo. A PUC-SP assiste a investigação preliminar de três professores da Filosofia por uma comissão da Reitoria. A acusação é de que os três tenham tomado parte no convite e na idealização da vinda de Zé Celso em novembro de 2012, ato que feriu o patrimônio cultural e moral da instituição.
Eu estive em novembro, quando já estava de saída do mestrado, na encenação realizada pelo grupo de Zé Celso e como a maioria dos presentes, participei e me diverti. E devo dizer que durante aquele momento, me senti viver um acontecimento que fazia jus à história da universidade, muitas vezes lembrada de forma mitômana, mas sempre reconhecida, inclusive por seus adversários. Poderia justificar isto de forma acadêmica, intelectual, como o cientista social que sou, explicando que o ritual orquestrado por Zé Celso (alguém que, além de tudo pessoalmente me chateia um tanto quanto), fez reviver certa organicidade dentro do ambiente universitário, com sua catarse antropofágica e seu sem-número de citações ao nosso patrimônio cultural. Não obstante, não me parece necessário. A questão é muito simples: Zé Celso foi à PUC, sob convite e cortou a cabeça do Cardeal, metaforicamente. Convite, encenação, plateia. Não se negou com isso, direito a opiniões e manifestações contrárias à vinda de Zé Celso. 
O protesto silencioso, do qual muitos presentes estiveram na encenação, durante a missa do Cardeal na capela da PUC não gerou violência, palavras de ordem ou o mínimo desrespeito, de nenhuma parte, e a vida seguiu na PUC. A diferença é que Zé Celso havia passado por lá, convidado por alguém, assistido e apoiado por centenas.
As manifestações, opiniões, debates e acontecimentos não criaram um problema material à PUC. Não se destruiu nada, não se obstruiu nada, não se impediu nada. A democracia puquiana seguiu se exercendo. Por isso o problema era, e é, agora outro: o patrimônio moral e cultural da PUC foi desrespeitado. Que patrimônio? Aquele que produz intelectuais respeitados internacionalmente? Professores que influenciaram o pensamento nacional, que promoveram mudanças na sociedade brasileira, que são, até hoje, amigos próximos de pensadores estrangeiros? Professores que promovem o conhecimento e o debate organizando simpósios e congressos? Que se desdobram para devolver dissertações e monografias lidas no prazo? Alunos que promovem reuniões junto a conselhos departamentais? Que arranjam com sucesso reuniões com professores estrangeiros de renome dentro de seus próprios CA's? Alunos que recebem prêmios e bolsas no exterior? Alunos que viajam 4 horas por dia, além de trabalhar, para conseguir seu diploma, cuja entrega sempre atrasa, no fim das contas?
Que patrimônio cultural e moral foi desrespeitado?
À Bíblia? Ao Catolicismo? 
A PUC tem alunos judeus, muçulmanos e protestantes. Os católicos são provavelmente os menos religiosos alunos da PUC.
E mesmo que não fossem. Eu fui à missa do Cardeal. Eu queria saber o que ele falaria. Se daria alguma mensagem aos manifestantes por meio de parábola. E deu, mas foi tão ruim que não me lembro. O Cardeal é um padreco de paróquia que me lembrava o tempo todo o ministro luterano de "A Fita Branca", com suas alegorias simplórias e sua incapacidade de sorrir (ó belo Ágape!). Mas acontece que sou católico, criado no rito greco-melquita, e estando na Capela, rezei como nunca posso deixar de fazer. Ora, como posso ter ido à missa e à encenação de Zé Celso? Como posso não ter me sentido desrespeitado, por um ou por outro? 
A bem da verdade, eu me senti. Me senti desrespeitado, como católico, pelo senhor Cardeal, cuja vida, agora reclusa do Vaticano, se mostra como uma vida de político de interior, de pároco de Igreja caiada, como aqueles de "O Auto da Compadecida". 
E me senti desrespeitado como aluno da PUC, porque vi e ouvi que tudo aquilo que vinha sendo feito pelos alunos (que, deve-se dizer, vinha sendo feito muito melhor do que na época em que eu era aluno), não era válido.
Eu passei 7 anos da minha vida na PUC. Longos e bons. A PUC nunca me deu nada. Nunca um "obrigado", nunca um incentivo profissional, nunca uma recomendação ao que quer que fosse. Mas as pessoas me deram muito na PUC. As pessoas são o bem mais valioso da PUC (e com isso quero dizer as pessoas que tomam parte ativa no cotidiano universitário), mas este senhor e esta senhora estão acabando com o que há de mais valioso na PUC-SP. 
O que acontece com os professores da Filosofia não é exclusivo. A reitoria vem se desresponsabilizando por tomadas de decisões em diversos cursos, delegando autoritariamente a departamentos ações como demissões, reformas, etc. Uma senhora covarde, cercada por covardes pretensiosamente weberianos, burocráticos, pessoas de negócios, administradores, que estão arruinando o pouco que sobre dos grandes cursos de renome da PUC, o Marxismo da Economia, a insubordinação da Ciências Sociais, a reflexividade ativa da Filosofia, entre outros.
Mas a PUC, como sempre, resiste. Quanto mais tempo a reitoria ganhar com o processo contra os professores da FIlosofia, mais tempo terá para bolar sua próxima desculpa.
Desrespeito ao patrimônio cultural e moral...
De moral a PUC está falida há tempos. Dom Odilo transformou o Catolicismo da PUC em política, mas ele não sabe que o Catolicismo não pode ser político. Se for político morre. Por isso a PUC foi o que é hoje em minoria: democrática, ativa, festeira.
O Catolicismo de Dom Odilo nada tem a ver com Catolicismo real. É um jesuitismo conservador que mesmo o Papa, jesuíta, deixou de lado. É um Catolicismo anti-cristão e é ele que desrespeita o patrimônio primeiro moral e depois cultural da PUC. Moral porque nega a priori o direito à participação, e cultural porque inibe o exercício de manifestações outras como se fossem contrárias. A PUC nunca teve postura moral ou cultural hegemônica e esse é seu patrimônio e, se alguém o ameaça, é o poder da reitoria.
Como sempre, porém, a PUC resiste. Em resposta à bela pergunta da Professora Jeanne Marie, a saber, se o patrimônio da PUC é tão frágil que não permite provocação, digo que não. Não é frágil (acredito que ela concordaria comigo embora ambos tenhamos problemas com a ideia de 'patrimônio'), é muito forte. Tão forte que vem sofrendo provocações e assédios constantes da reitora reclusa e do padre anti-cristão, mas continua em exercício, pois o patrimônio da PUC é composto por suas pessoas. Inclusive o pároco e a dona da pensão. Tanto que a eles é dada a escolha do diálogo.
Eu sinceramente me compadeço pelo padre e pela dona da pensão. Espero que suas cabeças recobrem o juízo, ou que suas vidas na PUC virem um inferno. E a todos os envolvidos no processo, todos os asseclas, eu diria que não preciso esperar ou pedir nada, porque suas consciências já farão o trabalho, mas sei que não é assim. As paixões são demasiadamente fortes para que se arrependam ou voltem atrás. Eu só digo que nós todos sabemos quem são. Sorte a de vocês que, quando voltarem ao seu cotidiano, a verdadeira PUC, o patrimônio verdadeiro da PUC, não pagará com a mesma moeda. Não é da moral da instituição.






sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Brincadeiras à parte? Paulo Ghiraldelli e o caso da Rural do Rio

Infelizmente, essa é a realidade da maioria das Universidades do país. É comum o tipo de comportamento de bando. Não existe reflexão, existe um imediatismo estúpido, plenamente passional (patológico) e fechado a qualquer sombra de racionalidade.
Sim, o Paulo não é "correto", muito menos "incorreto". Sua forma de ensino é a daquele que propõe aos alunos pensarem. A onda do politicamente correto - que tem lá seus motivos - acabou com o caráter que é propriamente subversivo e pedagógico do humor (lembremos de Kierkegaard e Sócrates). Mas é claro que isso é pedir demais. Exige-se uma seriedade total e absoluta para acabar com aquele espaço cinza conhecido como moral. Exige-se preto no branco. Exige-se da filosofia algo que não lhe cabe: a verdade total da circunstância.
Seja como for, o problema está posto. Existe, efetivamente, um problema entre estudantes e professores. Isso não é de hoje. Sabemos que o clientelismo vem dando a estudantes a postura e atitude do "Eu pago, eu faço o que quiser". Eu ouvi não poucas vezes alunos recorrendo à ouvidoria com casos de "humilhação" por parte de professores que haviam dado a eles nota zero numa prova.
O jeitinho ainda impera, infelizmente. Há um jeitinho para tudo. E neste momento, o jeito, aparentemente, é recorrer à acusação de fascismo. Fascismo, hoje, é um termo que cabe para tudo. Nesta luta presente entre PT e PSDB (leia-se esquerda capenga e direita burra), à qual todos nós, ignorantemente não fazemos nada, nos é legada essa forma de picuinha, de manobra  política de grupelhos, de certo e errado que outorga a nosso tempo útil, a nosso tempo de trabalho do pensamento (no caso da filosofia), uma discussão que foge aos problemas tanto da filosofia quanto de nossa vida prática numa sociedade que se propõe democrática.O problema, como dito, está posto. Ele existe. Porque não, então, o debate? Porque essa briga por algo que, na verdade, não é mais do que uma briga por hegemonia? Alunos querem hegemonia, querem mandar e desmandar e sua briga política não é, pela forma que adota, briga por participação, mas por autoridade.
Pondé também foi proibido de falar. Eu entendo. Muitas vezes gostaria de falar que calasse a boca. Mas não é possível defender ou continuar defendendo a postura de silenciar um professor porque se discorda, por mais razão que haja para isso, do que ele fala. Pondé, inclusive, ao me insuflar com a vontade de mandar-lhe um tremendo "cala a boca", me mostra, ao contrário, que é esse, precisamente, o tipo de comportamento que se outorga a pensadores que vão contra a corrente, ou que pregam ideias conservadoras ou mesmo absurdas.
Esse é o jeitinho. Cala-se. Impede-se o direito fundamental de uma democracia em nome dela própria. Deseja-se coadunar pensadores conservadores à ditadura por uma pseudo-luta política que só tem, no fundo, apelativo passional, carece de argumento.
São energúmenos sim! Sempre fui a favor do protesto contra professores, universidades, reitores, políticos. Em suma, contra qualquer coisa que possa estar errada. Mas nunca fui a favor do silêncio. Silenciar alguém é não só baixo, mas cruel. Demonstração de poder por meio da linguagem, naquela perversa economia simbólica analisada por Bourdieu.
Não é preciso ser gênio, nem mesmo conhecedor de Filosofia para saber que o Paulo, com suas piadas, não reproduz o preconceito, o racismo, o machismo ou a homofobia. Ao contrário, ele os torna explícitos como sintomas de uma sociedade que, consciente da existência destas realidades, é incapaz de refletir sobre os motivos, origens e razões de ser tendo em vista o tratamento social para a erradicação de tais problemas.
Conheço o Paulo. Suas brincadeiras sempre tiveram em vista trazer à luz essas realidades preconceituosas. Aconteceu conosco quando fizemos uma aula-trote que fossemos encaminhados à coordenação do curso por "brincadeira de mal-gosto" ou algo do tipo. Ora, ninguém percebeu, então, que nenhum dos alunos fez algo contra a brincadeira que apresentava um professor como uma pessoa absolutamente racista, machista e homofobica. Ninguém fez absolutamente nada. Preferiram recorrer às "Instâncias superiores" de um sistema que exatamente estrutura e reproduz toda essa realidade.
Ignorância? Burrice? Talvez. Ou talvez simplesmente estejamos nos tornando conscientes de que uma população majoritariamente iletrada (e isso não tem a ver com analfabetismo), carece de um preparo que a possibilite filosofar, questionar.
O bumbo no auditório é uma velha estratégia de grupos estudantis. Acontece em todos os lugares e por vezes tem razão de ser. Na PUC se protesta contra medidas administrativas e jurídicas da reitoria. Na Rural do Rio se protestou contra o suposto preconceito de um professor por parte dos alunos. Ora, essas acusações não são só sérias, mas devem ser fundamentadas racionalmente.
Sim, talvez o Paulo perca a mão, force um pouco. Isso pode ser mal-entendido e tomado como ofensa. Acontece. Quando brincamos, muitas vezes erramos a medida. Não obstante, isso se resolve ali, na hora, no boca-a-boca. Andam retomando a discussão de Paulo com o Nassif. Eu reconheço e creio que Paulo perdeu a mão, atacou, denunciou e acusou Nassif de forma não muito acadêmica, mas o que foi feito em resposta? Nassif, de forma tampouco acadêmica ou polida também, respondeu e rebateu as acusações, se defendeu.
As medidas pedagógicas do Paulo podem não ser convencionais, mas medidas refletidas e pensadas enquanto medidas pedagógicas por alguém que estudou e estuda ainda o problema educacional brasileiro, que entende a vida estudantil e os problemas do ensino. Sim, que reclamem que suas brincadeiras perdem a linha, forçam a barra, erram na medida. Justo. Mas que o façam a partir do diálogo. Que briguem contra aqueles que os impedem de ir a frente, não contra os que, mesmo que haja diferenças pessoais, os impulsionam a pensar e questionar. Briguem contra aquele seu colega estúpido e desonesto que por sedezinha de poder terminará sendo seu chefe corrupto, de departamento ou de bancada. Briguem contra os professores que impedem o acesso à educação por cotas ou que usem de diferenças pessoais para impedí-los de seguir adiante. Entendam que o verdadeiro inimigo não é alguém que ensina há 40 anos sem procurar tirar proveito seja financeiro, seja político, por paixão, por vocação, mas aqueles que reproduzem essa estrutura preconceituosa nas instâncias burocráticas que regem nossa sociedade "democrática", naqueles mesmos donos do poder que se escondem de nossa vista. E se entendermos que o inimigo, que o vilão, está por vezes lá no gabinete da reitoria ou na chefia do município, do estado, no chefe da polícia e na falta de debate que reproduz isso tudo, então não precisaremos silenciar ninguém. A universidade, com todos os seus males, oferece uma ágora, um espaço de debate onde contrários podem dialogar, Dia-logo, quer dizer, um argumento duplo, em que ambas as partes têm voz. Esse espaço foi aberto. Devemos usá-lo. Aí sim, saberemos quem merece ser silenciado.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Não-resignação e Autoridade

A não-resignação pode levar ao autoritarismo.
Uma parcela da juventude ilustrada ganha voz e se espalha nas movimentações atuais. Essa parcela, em geral auto-proclamada de 'esquerda', nos faz o favor de esclarecer a questão real das manifestações: o aumento da tarifa.
O que em poucos dias tinha tomado uma proporção maior voltou hoje a ser, em parte, um detalhe. O problema real são os R$0,20. Não que não sejam, é claro. Desta vez não estou ironizando essa questão. O problema é teórico. Se a questão são os R$0,20, então as manifestações devem cessar com a resolução do problema. Se as manifestações cessarem, a esquerda cai em contradição, porque é de seu princípio manter a revolta enquanto houver problemas compreendidos como tais pela sociedade. A meu ver, para além de seu caráter de classe, é isso o que acontece.
Sem dúvida, entretanto, pode-se perguntar se essa revolta não é essencialmente uma revolta da classe média. "A classe média cansou de ser explorada". Essa frase impressa num dos cartazes de ontem exibe, em parte, um sentimento que todas essas pessoas parecem compartilhar, queiram ou não. "Nós, burgueses de esquerda, cansamos de sermos explorados e, se o 'povo' não compreende, nós mostraremos a eles". Ora, esse é o caráter fundamental da revolta burguesa: ela toma frente, ela assume a liderança e depois limpa os detritos.
O detalhe é que, se por um lado essa manifestação toma o caráter de 'cara-pintada', por outro toma o de uma atitude crítica pungente sobre a sociedade. Crítica de fato? Não, obviamente. Não é crítica porque aqueles que isso pretendem, que reivindicavam uma causa coletiva, agora se eximem de uma coletividade. Passaram a reivindicar uma exclusividade sobre "a" causa do manifesto. Porque nos manifestos agora estão pessoas de direita, estão novos-ricos, estão reacionários, então não podemos nos misturar.
Mas e quanto ao caráter pacífico da manifestação. Porque é bem claro que se é pacífico, revolucionário não pode ser e consequentemente, é de caráter essencialmente reformista e democrático. Essa é a verdade: esse é um movimento verdadeiramente democrático e muitos não querem aceitar, porque não vão se misturar ao "inimigo", ao playboy e à patricinha.
Ora, é o preço!
Ainda creio que resida nisso tudo uma silenciosa violência. Mais de 65000 pessoas ontem gritaram "Sem violência" e hoje, quando 20 pessoas quebraram a prefeitura, elas silenciosamente se resignaram.
Esquerdistas, socialistas, acordem! Se é assim, quebrem tudo. Se há tantos inimigos à volta, vão à caça! Porque ser democrático não é exatamente ser "de esquerda". É ser democrático.
A repressão dessa vontade potente de organizar um movimento que acabe com as coisas leva ao autoritarismo de alguns jovens intelectuais, que respondem com toda pompa e razoabilidade à ameaça de direitismo. Ali, no campo intelectual, eles estarão seguros, estarão sempre certos e poderão ridicularizar aqueles que, na materialidade, eles não podem derrotar. Eu tenho medo de que muitos jovens intelectuais de classe média que andam protestando tenham, como bons filhos da burguesia, muita violência reprimida. Talvez por isso eles dêem tanta importância à premissa da não-violência.
O que se está fazendo de modo geral é democrático! As manifestações são democráticas! A esquerda perde porque é incapaz de ser tão democrática quanto a direita e ela está começando a mostrar isso mais uma vez! Negando, no discurso de alguns, o direito à participação de certas parcelas sociais.

Crítica e Resignação

Acabo de ter uma surpresa ao ver que muitas coisas que eu tinha escrito em meu blog há alguns dias, vêm se confirmando, como venho observado por manifestações de amigos e conhecidos no Facebook. Quando da publicação do texto na página social, não obtive comentários ou 'curtir' qualquer e somente uma pessoa se prestou a, aqui mesmo no Flanante, marcar o texto como 'ruim'.
Em parte eu posso entender. É a velha postura esquerdoide de ver algo não exatamente igual ao que unanimidade pensa e acusar de 'reacionarismo' (por sinal, uma palavra que se usa tanto que acho que ninguém sabe realmente o que significa). Ora, acho que devo me explicar: o que está certo, para mim está certo e não me importa mais. O que me preocupa, o que eu acho inseguro, errado ou incerto, é o que merece uma atenção maior, por isso prefiro debatê-las. Mas em geral, simplesmente tendem a achar que isso é uma postura oposta. Porque não glorifica, porque 'fala mal'.
Enfim... que o problema agora em relação às manifestações é outro, todo mundo sabe. Qual é, exatamente, também começa a ficar claro. E começamos a ver a coisa se desenhando, tomando forma: os grupelhos estão se escancarando. Qualquer manifestação pública (não exatamente 'popular'), toma forma com o tempo. Exatamente por ser pública reúne interesses diferentes.
Agora, entretanto, há o grupelho dos 'conscientes'. São aqueles que não se decidiram ainda entre matar o pai ou pedir a bênção. São os porta-vozes do bom-senso. Só eles sabem que "isso não vai dar em nada, porque você protesta contra a tarifa e depois paga R$3,20 pra voltar pra casa"; porque "você pede uma coisa numa esquina e outro grupo pede outra coisa na esquina seguinte". Não estão de todo errados, claro que não. Mas ainda insistem em indicar o problema mais vago, mais banal, sem um pingo de mediação. São os que não agem nem como esquerda nem como direita, mas pensa como ambos: inflamados, por um lado (quando atinge o ego) e reativos por outro (quando acabam metidos no 'problema alheio') .
Ora, a questão está longe de ser essa que se aponta. Se há diferenças (e há, definitivamente), essas devem ser resolvidas no desenvolvimento do processo,tendo em vista o rompimento do eterno retorno ou da repetição histórica (claro, isso é o mais difícil e talvez até mesmo utópico, principalmente no Brasil). Sim há partidos, sim eles devem ser postos para fora, sim é paradoxal - porque se subjuga a se comportar do modo que condena; sim, é moral e categórico à la Kant. Isso é parte inerente aos processos de longa duração. Porque isso que se pretende só pode ser entendido como um processo de longa duração, uma vez que, de revolução mesmo, não se está observando nada. E claro que tudo isso deve ser exposto.
Mas ao mesmo tempo, esses mesmos 'coerentes' agem publicamente, postando, dialogando, movidos pela mesma questão que todos os outros. É claro que não ficar a favor dos manifestantes não é a mesma coisa que se por ao lado diametralmente oposto, é sim, talvez, uma terceira opção. Se se fala para aparecer, que se passe batido, se se fala para debater e continua-se a assumir a postura do 'bom-senso', da 'voz da razão', cai-se num poço sem saída. Eu até entendo, porque dialogar com esquerdete enche o saco: se não concorda com vírgula por vírgula, é contra. Mas é preciso ter em conta que a postura crítica não é uma questão de opinião. É uma questão de enganar a própria razão. Os que se acham a voz da razão acabam por ser diametralmente opostos não aos 'democratas' que estão quase se tornando caras-pintadas; eles são opostos aos partidaristas, aqueles guiados pela pura vontade de poder que os leva ao oportunismo Eles são resignados no pior sentido da palavra, porque é por eles que os que escolhem fazer algo, por mais que tipicamente partidarista - algo que grande parte dos manifestantes vem sendo contra - ganham força.
Pela primeira vez em muito tempo pode-se dizimar essa força partidária de uma esquerda capenga que só pensa na "queda do capitalismo", do PSTU, do PSOL etc. Pela primeira vez, pode-se juntar uma força maior que ambos os lados, aí sim, criando uma alternativa.
Ser crítico não é apontar ou acusar isso ou aquilo. Isso é necessário, sem dúvida e eu devo dizer que até divertido, mas somente como parcela autocrítica da própria manifestação da insatisfação. Por um lado, esse 'coerentes', esses 'razoáveis', ajudam a todos, mas acabam sendo deixados de lado. Ou porque há gente burra que nem consegue entendê-los, ou porque eles creem que essa postura por si só já indica uma decisão. E indica! Ironicamente, indica a direção oposta. A acusação, a ironia, o sarcasmo deve ser, por isso, somente usadas como autocrítica. Crítica não é se resignar à própria "certeza" da falibilidade do movimento. Essa é a postura do partidário: ele crê no fim da história. Crítica é saber que Deus não existe e mesmo assim escolher acreditar nele.