segunda-feira, 28 de novembro de 2011

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Entre os Muros da Escola

Escola é pichada com suástica nazista
Racismo. Diretora diz que escola 'mexeu em ferida profunda

O muro da Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Guia Lopes, no Limão, zona norte de São Paulo, foi pichado durante o fim de semana com a frase "vamos cuidar do futuro de nossas crianças brancas", acompanhada da suástica nazista. Para a diretora do colégio, Cibele Racy, foi uma reação às ações afirmativas pela igualdade racial desenvolvidas desde o início do ano entre os alunos.

A Emei tem 430 alunos, com faixa etária entre 4 e 6 anos, divididos em classes da educação infantil 1 e 2 (pré-escola). Durante este ano, as questões raciais têm sido discutidas com as crianças, como parte do projeto pedagógico. A festa junina, por exemplo, teve motivos afro-brasileiros.

"Foi um sucesso total. Trouxemos comidas e aspectos culturais da África. Tenho vários depoimentos de pais mostrando toda a aceitação", diz Cibele.

Segundo a diretora, apesar de bem recebido, o projeto pode ter despertado reações negativas por parte de alguém que sabe do trabalho desenvolvido pelo colégio. "Essa pichação teve um endereço certo. Não foi algo aleatório. Mexemos em uma ferida muito profunda e eu estava até preparada para alguma reação, mas não dessa maneira."

A diretora da Emei afirma que, em sete anos na unidade, nunca havia visto uma pichação nos muros da escola. Ela diz ter ficado surpresa com a manifestação racista. "A escola foi aberta ontem (domingo) para a eleição do conselho tutelar. Quando fui embora, por volta das 19h, passei pelo muro lateral e vi o que estava escrito. Fiquei espantada. Pela manhã, já chamei os professores para discutir o que seria feito."

Cibele pretende registrar um boletim de ocorrência na delegacia do bairro hoje, mas não só isso. No próximo mês, haverá, também, uma reunião pedagógica. Os pais de alunos serão convidados para um bate-papo com integrantes de movimentos pela diversidade racial.

Além disso, os alunos serão convidados a remover do muro a frase e o símbolo de intolerância, mas de uma forma divertida.

"Vamos dizer que sujaram a escola e que precisamos dar um jeito naquilo. As crianças estarão livres para pintar o que desejarem. É uma forma de eliminar completamente essa marca lamentável. O que merece publicidade é o que tem sido feito de positivo aqui na escola."

Reação ao projeto. Todos os anos, em novembro, o colégio faz passeata temática em via pública. A diretora diz que, no próximo mês, a igualdade racial será o tema da manifestação.

Professora de Psicologia da Educação da Universidade de São Paulo (USP), Silvia Colello acredita que o projeto escolar surtiu efeito. Daí a reação. "Foi tão eficiente que as vozes contrárias não conseguiram se calar."

A professora da USP elogia a solução proposta pelo colégio. "A diretora está dizendo que vai responder de forma pacífica, lutando pela igualdade. Vamos cobrir as marcas da violência com a nossa mensagem, com desenhos, com o que temos a dizer."

Segundo Silvia Colello, na faixa etária dos alunos da Guia Lopes ainda não há manifestação de racismo. "A criança pequena que é branca brinca com a negra sem problemas. A discriminação é algo socialmente adquirido, que surge depois. Na adolescência, por exemplo, a intolerância já está arraigada."

Investigação. Depois do registro do boletim de ocorrência, a Polícia Civil deve instaurar inquérito para investigar o caso e apurar responsabilidades. Em São Paulo, manifestações racistas são apuradas pela Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi).

http://m.estadao.com.br/noticias/impresso,escola-e-pichada-com-suastica-nazista-,786810.htm

O absurdo chocou, se tornou um dos assuntos da semana. Mas por que será que o racismo, uma vez que sua existência se tornou tão óbvia ou clara em nosso país, ainda choca tanto? Parece que no fundo, as manifestações racistas de parcelas de nossa sociedade são produtos do além, são causadas por forças ocultas ou agentes do mal.
Vem se discutindo pouco os aspectos sociais de reprodução do racismo. Isto é, discute-se muito pouco de que modo a organização formal, isto é, burocrática legal, vem ajudando a perpetuar a segregação.  Se, como disse a psicóloga da USP, "a criança que é branca brinca com a negra sem problemas", sendo o racismo algo que "surge depois", ora então o foco parece estar na faixa etária errada! Se é no adolescente que se encontra um racismo arraigado, adquirido socialmente, então é preciso trabalhar o adolescente, os irmãos mais velho destas crianças. Além do mais, dizer que algo é socialmente adquirido significa dizer que algo é adquirido a partir da posição social qu ealguém ocupa, o que envolve a posição econômica daquele de quem se trata.
O racismo não será erradicado - será isso mesmo capaz? - enquanto não se resolverem as feridas profundas no seio da desigualdade econômica. O pobre, quando se toma como linha de frente o discurso racial, continuará pobre, sofrendo preconceito, independente do seu tom de melanina.
Os motivos psicológicos e ditos culturais predominam demais e são por demais subjetivados para que uma solução seja pensada por inteiro. Pois até agora, a questão parece ter sido pensada sem suas possíveis consequências.

"O Horror se dá em que estamos (dizem os Outros) em uma época "esclarecida", "evoluída", "desenvolvida" etc., mas quando, na verdade, é o momento em que mais nos aproximamos da Barbárie e do Caos do Estado de Natureza Hobbesiano!" - diz um início de conversa no facebook.

R - "Fato! Mas há um outro problema que as pessoas tendem a esquecer, que está intimamente ligado a isso. O fato de que um discurso racial é sempre um discurso propenso ao racismo. O pressuposto de uma identidade aberta a poucos ...causa logicamente a reação inversa. Uma cultura que é pretensamente aberta a alguns e fechada a outros vai causar o mesmo movimento na direação contrária. Há um grande perigo numa maioria com vontade de maioria.

É claro que eu acho isso um absurdo. Mas é preciso questionar a origem mesma desse absurdo. Há algo de perigoso no discurso racial, no aprofundamento de uma vitimização, porque envolve a condenação de outros.O discurso da identidade sempre envolve a outorga de um status de "outro"! No que diz respeito à raça, pior ainda porque o racismo é uma via de mão dupla!

Eu particularmente detesto o discurso racial. Mais ainda a ideia de "raça". Isso para mim não existe e eu acho que seria mais produtivo se ensinar às crianaçs o preço da cultura brasileira enquanto "brasileira" do que enquanto "africana" de um lado, "europeia" de outro. Tendemos a virar um EUA, com a diferença que esse discurso se resolveu, lá, na década de 60".


X - Fiquei pensando nisso o dia todo. E, de fato, você tem certa razão. Mas, há coisas aí. O problema do discurso racial, é o "discurso mainstream" digamos assim. Isto quer dizer aquele discurso fechado, truncado e raivoso - que leva a vit...imização e à opressão do outro. São discurso e contra-discursos que partem do mesmo princípio, como se a via fosse única, que vai e volta. É o que acontece não só com grande parte do discurso racial no Brasil (que, aliás, eu também penso ser falho e ideológico); e também com o discurso do sionista da vitimização pela barbárie nazi-fascista. Concordo com a construção de uma identidade composta, que pense em cultura do aquém-mar sem precisar ir para o além... Contudo, se há várias vertentes que compõem essa cultura e, por conseguinte, a identidade brasileira, isso não é de fato levado à cabo, já que o discurso dominante esmaga e subsume às pretensas minorias. Não só os discurso, é claro. Ainda, não é uma minoria (suposta) com vontade de maioria. Tal discurso, prática e entendimento é aquilo que chamei de "mainstream". Pelo contrário, é parte do todo com vontade de integração ao todo. Mas como? Se todo discurso e prática que fuja à regra do estabelecido é visto como suspeito (já diria o Adorno da Indústria Cultural). Não penso em uma dissidência teórica ou prática: isso é segregação. E é o que vivemos. Mas são pontos contrários que fornecem a possibilidade de síntese (dialética mesmo): a necessidade de uma prática das culturas "minoritárias" que sejam reconhecidas enquanto tal e, por conseguinte, sejam suprassumidas, juntos às outras práticas para que, assim, se forme a síntese da identidade complexa (a cultura brasileira, talvez?!). Além do mais, o discurso racial só te torna uma via de mão dupla na medida que a resposta é de ataque e não de reflexão. A identidade só pode ser definida na pluralidade se for pautada na diferença. O princípio de identidade da lógica formal se torna reacionário. Talvez seja por isso que eu relego um pouco do movimento negro... Alguns aspectos (o resgate cultural, por exemplo. Que não é um resgate de além-mar. Antes, é um resgate da quota-parte de cultura brasileira que foi relegada pela prática dominante) são importantes; já há outros - e esse argumento eu jogo nas minhas costas (e nas do Florestan!), não é possível a integração (ou a suprassunção em síntese de uma cultura-amálgama) no capitalismo massificador. Outro problema que surge daqui, do racial pelo racial, é a abstração em relação ao poder do capital: alguns não leêm autores brancos (porque são brancos), outros não leêm os negros (porque são negros!) etc.. E o problema principal, em meu ver, o poder ideológico abstratamente organizado do capital... é escamoteado pela vitimização etc.. O problema é estrutural, eu insisto. Não ético.
Concordo contigo, em partes. Mas há coisas que devem ser levadas em consideração antes do 'ideal' de cultura nacional. Senão, a gente volta ao Hegel da Filosofia do Direito ou ao Gilberto Freyre... Ufa! Parei! Já perdi o fio da meada! rs
R - Hahahah concordo com você. E acho inclusive que você não poderia ter exposto meu pensamento de forma tão boa!

Quando falo de uma "minoria com vontade de maioria" quero dizer que é sim, uma parte do todo que busca uma afirmaç...ão dentro do tod, mas o faz - pelo menos tem feito até agora - por meio do discurso do "mainstream". Ou seja, não é o problema em si que me incomoda, mas a proposta de solução. O que me incomoda é que o que se tem é efetivamente brancos x pretos. É a emergêncai de um tal discurso afirmativo que me fez ouvir diversas vezes já - e eu te contei um dos casos - que eu não posso ouvir samba por que "samba é coisa de preto".

Quer dizer, o discurso que muitas vezes vem sendo reproduzido é o mesmo daquela maioria (minoria) branca quando se legitima. É uma cultura afirmativa que se segrega ao mesmo tempo em que denuncia uma segregação histórica. Parece haver uma confusão entre os motivos econômicos de uma segregação "de raça" e os motivos propriamente raciais.
 
Porque a grande questão da "democracia racial" não foi inventado por Gilberto Freyre, mas por seus intérpretes. De um ponto de vista culturalista - as pessoas lêem o Casa Grande inteiro, só esquecem de ler o prefácio - é mais do que provada... materialmente a miscigenação. Ao mesmo tempo, o Florestan nos mostra a solidificação do capitalismo periférico no Brasil pela ~transformação do escravo em capital em si. Uma análise não necessariamente contradiz a outra. dificulta sim o entendimento do Brasil, que já não é nada simples hahaha

É o modo de reflexão, que se expressa nessa cultura emergente que me preocupa. Porque ensinar reaggae na escola, como cultura "afro", não tem nada a ver com ensinar a pensar a realidade brasileira.

O racismo existe, é óbvio.Mas a própria ideia de que será possível erradicá-lo torna o problema maior ainda. Por que para além do componente social, o racismo conta de um componente individual, com certeza. É a ideia de que o "amor triunfa sobre o ódio", como disse o secretário de educação, gera, ironicamente, o comportamento que se quer evitar.

Porque a ideologia serve como desculpa. Mandela não lutou contra o Apartheid aprofundando uma segregação já existente, mas lutando por uma sociedade eqüitativa - não igualitária - isto é, democrática no sentido de possibilidades justas para seus cidadãos.

Mas a identidade parece ser muito forte na nossa cabeça. Precisamos nos apegar a algo que diga quem somos. Portugal é o pai superegóico, África a mãe carinhosa. E nós? ´

A solução para mim, está no ensino da história, da filosofia, da sociologia. As crianças devem aprender que "pipoca" é uma palavra indígena, que "budum" é iorubá, entende?! Não por uma questão de identidade - e aqui eu brigo com os antropólogos - mas porque eu apostaria que nessa história estão ainda escondidos os componentes que nos tornaram o que somos, que constroem nossa realidade.

Ou seja, concordamos. Eu só queria expor o que eu acho problemático. eheheh

Outra coisa. É preocupante sim as crianças brancas se pixarem os muros das escolas como foi feito. Mas isso indica um grave problema, de que o retorno da questão racial tende a piorar...

Porque se as crianças brancas aprendem simplesmente que é bonito que as crianças negras se afirmem como negras - o que muitas vezes é feito pelo esteriótipo do tipo: o branquelo não tem ginga, o branquelo não é malandro e etc - as crianças brancas irão se perguntar sim porque elas não têm o direito, também de se afirmar. Ora, o exemplo que se tem não é muito bom não é?! Mas isso está sendo deixado de lado.

Ou seja: pensar a identidade negra significa também pensar a identidade branca. É isso que me preocupa.





quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Uma boa geração

É preciso urgentemente mapear de onde vêm as ideias, que os jovenzinhos de certa "esquerda" têm, de que boas intenções bastam para mudar o mundo.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O nome

Sob a égide da ignorância e do luxo da classe média confortável e colonialista das universidades e do "povo" sem rosto, suspirou o pai, ao ouvido do filho, ao invés do nome secreto a seguinte frase:
"From this day forth, my thoughts be bloody or be nothing worth".

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Sobre "Eros e Civilização" - uma rápida introdução

Herbert Marcuse nasceu em Berlim, em 19 de Julho de 1898, numa família de judeus assimilados. Quando era estudante da Universidade de Freiburg aliou-se ao Partido Social-Democrata entre 1917e 1918 tendo participado de um Conselho de Soldados durante a revolução berlinense de 1919. Em 1922, apresentou sua tese de doutorado: O Romance de Arte Alemão; claramente inspirado no Lukács pré-marxista e em Hegel. Em 1932, vincula-se ao Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt. Com a tomada de Hitler ao poder, em 1933, fugiu para Genebra e um ano depois para os EUA, onde lecionou na Universidade de Columbia e tornou-se cidadão estadunidense. Foi analista para o Exército Americano durante a Segunda Guerra e voltou a lecionar em Columbia, Harvard, Universidade Brandeis (1954-1965) e a Universidade da Califórnia em San Diego (1965-1976). Segundo sua biografia disponível no acervo do Internet Marxists Archives (http://www.marxists.org), Marcuse, como “Hegeliano-Freudiano-Marxiano, destacou as formas culturais de repressão e o papel da tecnologia e da expansão da produção de bens de consumo no mantimento da estabilidade do capitalismo” . Algumas de suas obras mais importantes são: Razão e Revolução (1941), Eros e Civilização (1955), Marxismo Soviético (1958), O Homem Unidimensional (1964), e O Fim da Utopia (1967). Marcuse morreu em Munique em 1979, aos 81 anos de idade.

"A proposição de Sigmund Freud, segundo a qual a civilização se baseia na permanente subjugação dos instintos humanos, foi aceita como axiomática. A sua interrogação, sobre se os benefícios da cultura teriam compensado o sofrimento assim infligido aos indivíduos, não foi levada muito a sério [...] A livre gratificação das necessidades instintivas do homem é incompatível com a sociedade civilizada: renúncia e dilação na satisfação constituem pré-requisitos do progresso. Disse Freud: ‘A felicidade não é um valor cultural’. A felicidade deve estar subordinada à disciplina do trabalho como ocupação integral, à disciplina da reprodução monogâmica, ao sistema estabelecido de lei e ordem. O sacrifício metódico da libido, a sua sujeição rigidamente imposta às atividades e expressões socialmente úteis, é cultura.” (MARCUSE, 1982: 21).

É assim que se inicia Eros e Civilização: Uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. Como o título deixa claro, Marcuse propõe uma leitura filosófica do pensamento de Freud. Partindo da observação de que em seu tempo - as décadas de 1950-60 - o contínuo incremento da produtividade aumentava a promessa de uma vida cada vez melhor embora se vinculasse a uma igualmente intensificada ausência de liberdade, o filósofo alemão radicado nos EUA, analisa a ideologia das sociedades contemporâneas, ditas industriais – análise que mudará posteriormente com O Homem Unidimensional.

O livro se estrutura partindo da análise da teoria freudiana da cultura e conseqüentemente da repressão, traçando a origem ontogenética e filogenética do indivíduo reprimido. Para ele, há uma inversão no princípio de realidade atual. Se no Século XIX, esse princípio era o do “reprima-se”, na atualidade, seu imperativo torna-se o extremo oposto. Assim sendo, a sociedade contemporânea controlaria o sujeito nas próprias bases do desejo. Dentro da análise da obra de Freud, a leitura se pautará pelo problema da dominação e do poder e pela relação entre psicologia individual e psicologia social.

É traçando os limites do princípio de realidade até então estabelecido que Marcuse questionará a possibilidade de um novo princípio de realidade. Uma vez que o imperativo de realidade se inverteu, liberando as pessoas para fazerem o que quiserem, mas paradoxalmente aumentando o nível de controle sobre os indivíduos a partir da lógica da reprodução capitalista e da produção de bens de consumo, que garante a satisfação das pessoas, a constatação de Freud de que a modificação da estrutura instintiva seja econômica, uma vez que faz com que os membros da sociedade desviem suas energias sexuais – manifestações da pulsão de vida – para o trabalho, é fundamental para que Marcuse alie, à sua releitura de Freud, a análise marxista do capitalismo, principalmente pelo fetichismo da mercadoria, pela produção do homem pela produção de coisas.

O ponto de partida é que, ainda que Freud tenha identificado a civilização como repressão, ele mesmo nos teria fornecido razões para rejeitarmos essa proposta na medida em que, tendo simplesmente diagnosticado as características psicanalíticas da sociedade de seu tempo, Freud não historicizou sua situação. Deste modo, a pergunta de Marcuse questionará se nos tempos atuais o conflito entre princípio de prazer e princípio de realidade será irreconciliável ainda ou permitirá um conceito de civilização não-repressiva. Essa civilização não-repressiva, buscada por Marcuse, será então analisada não como uma noção abstrata e utópica, mas principalmente em dois dados concretos:

primeiro, a própria concepção teórica de Freud parece refutar a sua firme negação da possibilidade histórica de uma civilização não-repressiva; e, segundo, as próprias realizações da civilização repressiva parecem criar as precondições para a gradual abolição da repressão”. (MARCUSE, 1982: 22)

O estudo de Marcuse terá como objetivo então contribuir com a filosofia da psicanálise, buscando as origens e a legitimidade da transferência da ênfase do inconsciente para o consciente, dos fatores biológicos para os culturais, superando a análise das escolas neo-freudianas que suprimiam as raízes da sociedade nos instintos, colocando-a no nível em que se defronta com o indivíduo em seu “meio” pré-fabricado.

Partindo da premissa freudiana de que a civilização se baseia na subjugação permanente dos instintos humanos, ou seja, na idéia de que a civilização, entendida como cultura, é um espaço de conflito, então para que nos aculturemos é preciso que abramos mão de nossos instintos, ou melhor, de nossa vontade natural em concretizá-los, de modo que o progresso só é possível pela renúncia de nossa satisfação permanente. O progresso da civilização se daria, para Freud, pela sublimação de Eros, pulsão de vida do homem. Eros, no entanto, se mostra como uma figura dialética: gera cultura, mas não se realiza, libertando os impulsos destrutivos. Nesse movimento, enraíza-se a opressão em nossa natureza; naturalizam-se os fatos históricos. O princípio de realidade, o ego organizado, que modifica a substância do prazer, ou seja, a instância que faz com que abandonemos é simplesmente o processo de inserção do indivíduo no universo social, mas é, ao mesmo tempo, o grande acontecimento traumático do desenvolvimento do homem. Tanto no desenvolvimento do gênero – o nível ontogenético – quanto no nível do próprio indivíduo – o nível filogenético.

Ao identificar isso, Freud mostra que a liberdade na civilização é “antagônica da felicidade, pois envolve a modificação repressiva (sublimação) da felicidade. Inversamente, o inconsciente [...] é o impulso para a gratificação integral” (MARCUSE, 1982: 32). Essa equação de liberdade e felicidade seria sustentada pelo inconsciente. Sua verdade, ainda que repelida pela consciência assombraria a mente, preservando a memória de estágios passados do desenvolvimento individual, nos quais as gratificações imediatas eram obtidas. A memória possui, assim, um valor de verdade, pois conserva as promessas e potencialidades traídas pelo indivíduo maduro e civilizado. A libertação da memória pela psicanálise faz surgir a verdade que a razão nega. E o passado redescoberto produz e apresenta padrões críticos que, no presente, se tornam tabus.

O princípio de prazer sobrevive no inconsciente pela fantasia, a imaginação, que se opõem ao princípio de realidade, e se manifesta e opera a partir do próprio inconsciente. A fantasia é uma atividade mental que retém um grau elevado de liberdade em relação ao princípio de realidade, mesmo na esfera da consciência desenvolvida, que surge primeiramente com os brinquedos infantis e mais tarde prossegue como divagação. Nasce, então, e é abandonada pela organização do ego do prazer no ego da realidade. Mas a fantasia retém a estrutura da psique anteriormente à sua organização pela realidade. Ela, então, preserva a memória do passado, “quando a vida do indivíduo era a vida do gênero, a imagem da unidade imediata entre o universal e o particular, sob o domínio do princípio de prazer” (MARCUSE, 1982: 128). Assim sendo, a imaginação visa a reconciliação do indivíduo com o todo, da felicidade da razão, exatamente por ser a instância da psique que guarda a memória das experiências subjetivas de vida no princípio de prazer. Ela sustenta as reivindicações do indivíduo total que o princípio de desempenho destrói.

Essa harmonia salva pela fantasia, no entanto, é removida para a utopia pelo princípio de desempenho – o princípio de realidade - e a fantasia passa a ganhar forma quando cria um universo de percepção e compreensão, universo esse subjetivo e objetivo ao mesmo tempo: a arte. “A análise cognitiva da fantasia conduz-nos [...] à estética como ‘ciência da beleza’: subentendida na forma estética situa-se a harmonia reprimida do sensualismo e da razão” (MARCUSE, 1982: 129). A arte realiza a vontade da fantasia, é expressão de um anseio de conciliação, uma promessa de felicidade e liberdade, uma soma de desejo e realização, de felicidade e razão, e se opõe à lógica da dominação, pois a imaginação que se torna artística modela a “memória inconsciente” da libertação que fracassou, da promessa traída de liberdade e felicidade, porque a arte representa a realidade da não liberdade, ao mesmo tempo em que é a negação desta não-liberdade, e pode então, representar um sujeito livre.

A arte assume então um papel importante na utopia marcuseana. Ainda que a arte não possua, por si, a capacidade de preconizar uma ação política, a proposição aristotélica do efeito catártico da arte resume sua função: opor e reconciliar; acusar e absolver, tudo ao mesmo tempo. Assim, a oposição entre fantasia e princípio de realidade estará mais bem resumida na arte surrealista, que colhe parte de seu significado em processos sub-reais ou surreais como o sonho, a divagação, a atividade lúdica e o fluir da consciência. “Em sua mais extrema reivindicação de gratificação, para além do princípio de realidade, a fantasia anula o próprio principium individuationis estabelecido. Aqui se encontram, talvez, as raízes da vinculação da fantasia ao Eros primário [...]” (MARCUSE, 1982: 130), uma vez que a sexualidade é a única função de um organismo vivo que se estende além dele e garante sua união com a espécie. Se a sexualidade é organizada e controlada pelo princípio de realidade, a fantasia afirma-se contra a sexualidade normalizada por esse princípio. Mas seu elemento erótico ultrapassa as expressões pervertidas, pois visa uma “realidade erótica” em que os instintos vitais terminem por descansar na gratificação não reprimida. Assim sendo, a fantasia desempenha um papel único na dinâmica mental: ela cria a imagem de uma forma diferente de realidade; imagem esta que contém a unidade perdida entre universal e particular e também a gratificação integral dos instintos vitais pela reconciliação entre os princípios de prazer e de realidade.

O valor de verdade da imaginação relaciona-se não só com o passado, mas também com o futuro; as formas de liberdade e felicidade que invoca pretendem emancipar a realidade histórica. Na sua recusa em aceitar como finais as limitações impostas à liberdade e à felicidade pelo princípio de realidade, na sua recusa em esquecer o que pode ser, reside a função crítica da fantasia”. (MARCUSE, 1982: 132).

A fantasia é, então, uma Grande Recusa contra a repressão desnecessária. Ela é criadora de imagens possíveis para a realidade, que a filosofia deve reivindicar como função política. Ainda que a gratificação das necessidades humanas exija o trabalho, fato que por si só imporia restrições quantitativas e qualitativas aos instintos, as pretensões utópicas da imaginação seria capaz de reivindicar um novo princípio de realidade.

Um novo princípio de realidade, eis um dos focos de Marcuse em Eros e Civilização. Algumas críticas, no entanto, podem ser feitas tanto a esse objetivo quanto ao método utilizado pelo pensador. Uma das críticas é feitas por Jürgen Habermas, que parte da idéia de Marcuse de uma nova relação entre homem e natureza para, a partir do pensamento de Weber, criticado por Marcuse, pensar a possibilidade de existência desta nova relação. A crítica de Habermas à Marcuse parte do princípio de que a possibilidade de uma nova relação com a natureza não é possível. Marcuse tem em vista a criação de uma nova técnica que não mais se baseie na exploração e na dominação, mas na atuação conjunta entre homem e natureza.

O primeiro item a ser considerado na crítica de Habermas é que cultura e técnica são esferas separadas; e à esfera da cultura caberia a política. Desse modo, o caminho tomado pela técnica, ou seja, o caminho de seu desenvolvimento seria o único possível. Técnica é necessariamente dominação da natureza. Os problemas advindos com o desenrolar do processo histórico não seria um problema ideológico inerente à técnica, mas um problema de excessos tomados na utilização destas técnicas. Toda técnica pauta-se por critérios instrumentais, como uma ação racional relativa a fins, tal qual Weber já havia identificado. Já a política pauta-se por critérios discursivos e são ações racionais geralmente relativas a valores. São, portanto, campos que não se misturariam. Entretanto, quando o discurso na técnica é introjetado na política – e ele é, necessariamente, uma vez que, como Marcuse aponta corretamente, o modelo técnico traz consigo implicações políticas - então ela se torna um problema. Este problema, contudo, é político e, portanto, comunicativo. É isso que o termo “intersubjetividade” significa no contexto.

Falar em racionalidade científica é falar necessariamente, para Habermas, da forma da atividade econômica capitalista, das relações de direito privado burguesas e da dominação burocrática. Pois é por meio deste progresso técnico e científico que a sociedade pode progressivamente se racionalizar e tratam-se, portanto, da propagação do tipo do agir racional com respeito a fins. O que Marcuse faz é pegar o conteúdo político da razão técnica como ponto de partida analítico para uma teoria da sociedade capitalista em fase tardia. Nessa esteira, a fusão entre técnica e dominação, racionalidade e opressão é vista como a priori escondendo um projeto de mundo determinado por interesse de classe e situação histórica. Por esse motivo, somente por meio de uma revolução seria possível conceber uma nova ciência e uma nova técnica. “De maneira conseqüente, Marcuse tem em vista não somente uma outra construção de teorias, mas também uma metodologia da ciência que difere em seus princípios” . O quadro no qual a natureza se tornaria objeto de uma nova experiência não seria mais a esfera do agir instrumental, mas um tratamento zeloso que liberasse os potenciais da natureza.

A questão é que essa atitude diferente para com a natureza proposta por Marcuse não é suficiente para que se derive uma nova técnica. Em outras palavras, o que Marcuse prega, é uma reconciliação entre sujeito (a sociedade) e objeto (a natureza). O problema é que só no dia em que todos os homens puderam se compreender e se reconhecer no outro que poderemos tratar a natureza como outro sujeito. A solução está, então, na comunicação, que corrigiria os excessos da ação instrumental uma vez que os rumos tomados pela ação instrumental não deram conta da incompletude da intersubjetividade. É necessário que se resolva esse problema antes que se possa propor uma interação simbolicamente mediada diferente da ação racional quanto a fins. A única possibilidade humana para uma ciência, para Habermas, é a já existente.

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Críticas à parte, a meu ver a obra de Marcuse é um marco do Século XX. Talvez mal-compreendida, ela expressa a vontade de toda uma geração. Acostumados como somos, no Brasil, a vincularmo-nos à tradição francesa, tencionamos a, assim como os franceses, menosprezar o que quer que seja que venha dos EUA. No entanto, aquele grande ano de 68 talvez tivesse sido diferente se não viesse desde muito antes, sendo delineado pela contracultura estadunidense dos beatnicks e etc. O grande movimento cultural dos anos 60 dos EUA, do qual Marcuse é expressão, tem seu mérito não por ter sido maoísta, stalinista ou marxista ou de qualquer outro tipo de "ismo" - embora, é claro, as ideologias políticas e as filosofias das mais diversas permeassem os ideais - mas por ter sido um movimento de reivindicações de outras instâncias, mais profundas. Foram movimentações a favor da sensibilidade, da compreensão do diálogo, da política feita entre as pessoas, boca a boca.

Em sua aparente isenção da sociedade, por parte dos hippies, ou do engajamento pela igualdade dos direitos civis e pelo fim da Guerra do Vietnã por parte dos estudantes universitários e a deserção por parte dos garotos em idade militar. Aquela sociedade tão criticada, tão vil aos olhos do mundo, tão imperialista e todos os outros adjetivos que os marxistas ortodoxos adoram reproduzir para pintar o demônio em alguém, foi a única sociedade que possibilitou à filosofia aquela que é provavelmente a única utopia da atualidade, pensada por Marcuse - independentemente das centenas de críticas possíveis - e muito bem resumida nas últimas linhas de Eros e Civilização:

"Os homens podem morrer sem angústia se souberem que o que eles amam está protegido contra a miséria e o esquecimento. Após uma vida bem cumprida, podem chamar a si a incumbência da morte - num momento de sua própria escolha. Mas até o advento supremo da liberdade não pode redimir aqueles que morrem em dor. É a recordação deles e a culpa acumulada da humanidade contra as suas vítimas que obscurecem as perspectivas de uma civilização sem repressão" (MARCUSE, 1982: 199)

Foi contra isso que essa geração levantou sua voz: a impossibilidade de uma civilização não repressiva. E a importância de uma utopia é vital, pois é o projeto de uma civilização que tem materialmente quase todas as condições para se realizar.

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BIBLIOGRAFIA

HABERMAS, Jürgen. Técnica e Ciência Enquanto Ideologia. In: Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

MARCUSE, Herbert Eros e Civilização. Uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. São Paulo: Círculo do Livro, 1982.


WEBGRAFIA


terça-feira, 30 de agosto de 2011

Política e Juventude

Quando Walter Benjamin centrou suas discussões em certos conceitos, algo que acontece com a maioria dos grandes pensadores se repetiu na recepção da obra do pensador alemão: imobilismo temporal. Leitores não só de Benjamin, como de Foucault, Nietzsche e Deleuze, os pensadores da moda, apropriaram-se dos pensamentos alheios como se vivessem ainda no Século XIX, na década de 30 ou no Maio de 68. Não contaram que a passagem do tempo é inevitável. Assim, vê-se, em meio à nossa juventude intelectual, estudantes de filosofia, ciências sociais, história - porque administradores, economistas e advogados são incapazes, por definição, na mente destes "humanistas", de serem intelectuais - a repetição de termos como "experiência", "sujeito", "diferença", "história" e mesmo "vida" ou "política", como se sua enunciação fosse o suficiente para explicitar o conteúdo inerente às palavras.
O problema pode ser ilustrado se tomarmos como exemplo  próprio Walter Benjamin. Quando escreveu, em sua juventude, o texto Experiência (Erfahrung no original), Benjamin criticou a ideia usada tantas vezes e om tanta intensidade pelos adultos em sua defesa moral. Para ele, a vida adulta de seu tempo refugiava-se na ideia abstrata de experiência para legitimação de sua autoridade. Essa experiência, entretanto, era ilusória. A verdadeira experiência residia na vida política dos jovens, em seu potencial imaginativo e na pureza de seus ideias. Mais tarde, Benjamin percebeu a imaturidade de sua reflexão de então, pois, fundamentando seu pensamento em grande parte no conceito de experiência, revelou sua impossibilidade no mundo contemporâneo, cunhando o conceito de vivência (Erlebnis), que remeteria, essa sim, à antiga querela entre a juventude e a vida adulta.
O que acontece com a juventude que se diz política atualmente é que é essa mesma juventude, que clama para si a transformação política, a parcela que adotou a máscara de uma dita "experiência". A juventude atual é mascarada. Antes fosse inocente, ou utópica, mas na tentativa de subverter autoridade do Estado, da Família ou da Religião, ela se mascara denunciando a violêncai policial; se mascara transportando para outros locais aquilo que lhes é proibido em casa; se mascara no conforto da "religiões alternativas", novas concepções de mundo nas quais os homens seriam, em sua leitura, todos irmãos.
Mascaram com isso a transformação de sua própria geração em um mito. Os jovens fazem de si mesmo membros de um Destino Manifesto cujo destino seria mudar o mundo, para melhor, pela ecologa política, pela subversão das instituições sociais. Não percebem que a boa ação social, o trabalho em instituições de caridade e ONG's não deve ser um fim em si, pois a meta de qualquer geração que se diga politicamente ativa deve ser uma sociedade no qual essas próprias instituições não sejam necessárias. O pretenso ativismo de nossa juventude definha na atuação assistencialista conforme as regras que essa juventude mesma pretende burlar.
A juventude atual - e com isso me refiro a uma parcela da juventude, aquela de classe média atuoproclamada de esquerda - quer se redimir, não se salvar. Atuam guardando em segredo um sentimento de culpa que não sabem de onde vem. Sentem-se todos culpados, num undo em que ninguém é inocente, e aceitam como sentença uma pretensa ação política. Mas não percebem que essa política é fútil, vazia, e até  mesmo aparente. Veja-se o humanismo daqueles que creem fazer amizade com seus fornecedores de maconha ou cocaína. Que melhor modo de superar a luta de classes? Ou, caso a denominção marxista lhes pareça antiquada, que melhor modo de superar as diferenças sociais senão mostrando que se é capaz de lidar com todos, que qualquer diferença é mero detalhe e com boa vontade, tudo pode ser superado?
A boa vontade e o antiquismo são ideias premente também nesta geração. É uma geração que crê estar abandonando tudo o que é velho, tudo o que já foi tentado e fracassou, sem se dar conta de que o fazem porque são incapazes de se atualizar, de transformar aquilo que é bom, pois o que é bom - perdoem meu platonismo - é eterno, mas vive no tempo. O que lhes resta é a boa vontade, a simpatia, a humildade. Os conceitos que deveriam ser pensados exatamente pela nossa geração, pois somos frutos de um mundo em crise, são simplesmente passados desapercebidos, tidos como certezas e adotados como conduta: o multiculturalismo, a ecologia, o politicamente correto.
Nota-se uma juventude cômoda, de vida fácil, que sai de seus colégios construtivistas "pronta para a vida", "formada", amante da natureza e da humanidade, que sofre terrivelmente com as injustiças do mundo. Mas o mesmo tempo, é essa juventude que delicia-se com o fato de ter um refúgio que só a ela é permitida: a arte legitimada da burguesia, a nouvelle vague, o dinheiro gasto com a cota mensal, o carro.Longe dela deleitar-se com os prazeres simples do povo, essa categoria abstrata da qual a juventude intelectual se diz defensora, como a telenovela, a música barata, as lojas de departamento. Não, sua fuga é mais profunda e "infelizmente", reside numa questão de origem, também sentida com pesar pela burguesia. Mas o que se pode fazer caso se tenha nascido numa família emergente? Aí sim deve-se aceitar o fato de que certas diferenças existem e fazem diferença. No fundo eles escondem a vergonha de antepassados analfabetos, imigrantes italianos, espanhóis, portugueses, árabes ou judeus que vieram tentar a sorte, trabalhando. Certos passados devem ser mantidos no passado. E a burguesia se regojiza com o fato de que podem assistir Godard, Lars Von Trier e todos os nomes do circuito "alternativo" paulistano, porque significa que aquele passado, analfabeto e braçal foi superado. Ainda que se traiam dados os seus modos toscos à mesa ou no trato entre as pessoas. Isso ajuda a manter a aura de destino para a atuação política dessa juventude.
A hipocrisia da juventude que se diz política reside no fato de que por trás de seu ativismo se esconde uma vontade de apolítica. Sua atuação política é fundada numa religião de ultratumba, numa apokatastasis terrena. São políticos porque pretenedem expiar sua culpa. São políticos, enfim, para si mesmos.
A hipocrisia da política desta juventude reside no fato de que é incapaz de sair de um lógica mitológica de reprodução do mundo. Aceitam como seu destino tornarem-se o salvadores da Terra, mas não pautam sua política numa questão de caráter.
Subverter não é fazer o que socialmente é inaceito. Ser politicamete correto não significa nada se não se é inteligente o suficiente para saber quando sê-lo, ou para perceber que este mesmo politicamente correto é também uma forma de dominação. Uma ação, por menor que seja, pode sim ser significante, mas não significa que um ou outro será uma pessoa melhor ou que o mundo será um lugar melhor. Não é por isso que se deve agir com retidão.
O erro, é um novo alento para a busca da verdade. Não caiam então, na ideia de que aos 20, 20 e poucos anos, suas experiências possuem mais ou menos conteúdo, ou que são vocês, com todo seu potencial, com toda sua fagulha revolucionária ou desobediente, aqueles capazes de conferir à essas experiências e por consequência ao mundo, conteúdo a partir de seu espírito.
Por trás desta crença cega no Fim da História que começa em vocês, reside a intolerância do filisteu.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Fragmento VI

"Não se sabe tudo, nunca se saberá tudo, mas há horas em que somos capazes de acreditar que sim, talvez porque nesse momento nada mais nos podia caber na alma, na consciência, na mente, naquilo que se queira chamar ao que nos vai fazendo mais ou menos humanos" - As Pequenas Memórias, José Saramago

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Fragmento V

"Decirse adiós es negar la separación, es decir: Hoy jugamos a separarnos pero nos veremos mañana. Los hombres inventaron el adiós porque se saben de algún modo inmortales, aunque se juzguen contingente y efímeros" - Jorge Luis Borges

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Sobre a História


“Enquanto não alcançares a verdade,
não poderás corrigi-la.
Porém, se não a corrigires,
não a alcançarás.
Entretanto, não te resignes”.






terça-feira, 28 de junho de 2011

Oded Balilty

A imagem fala por si. Uma palestina desafia as forças do Estado de Israel num assentamento palestino "ilegal".

sábado, 25 de junho de 2011

Newtoniana

"A intensão (intensidade) de qualquer uma das forças [...] é o grau de sua qualidade" - De Gravitatione et aequipondio fluidorum.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Ao lidar com comunistas...

...faça a barba, penteie o cabelo e dê um nó na gravata!

Ao lidar com fascistas...

... saiba dar socos!

Ao lidar com anarquistas...

... seja um bom cristão!

Produção do Conhecimento. Práticas e Transformações


A questão sobre a produção do conhecimento é abrangente e complicada. Pois no fundo, ela remete às mais amplas bases de uma atuação e uma transformação da realidade empírica, uma vez que o conhecimento é tanto fruto quanto causa desta realidade empírica. Isto significa dizer que o conhecimento repercute nos comportamentos e nas formas simbólicas que criamos em nossa vida ao mesmo tempo em que delas se forma, numa relação dialética. “Produzir” conhecimento não significa, aqui, produzir no sentido burocrático ou técnico, mas pura e simplesmente o ato de embasar uma reflexão a partir de uma temática e uma abordagem teórica. Debruçar-me-ei sobre a necessidade de uma reflexão entre o produtor e o produto em si. Falar sobre produção de conhecimento exige antes de tudo uma reflexão sobre que conhecimento se pretende produzir.

Quando nós, indivíduos sociais, nos propomos à transformação da realidade social, colocamos em voga nossa própria posição dentro dessa realidade. Isto significa que colocamos em voga nossa posição como jovens, estudantes, homens ou mulheres, hetero ou homossexuais e cientistas. E difícil, no entanto, nos depararmos com uma reflexão que tome como ponto de partida, ou mesmo que considere em si esse componente individual e isso é compreensível. Uma grande aversão parece ter se desenvolvido contra uma postura científica e nós, das ciências sociais, sabemos porque. Quando a ciência é posta no trono de todo-poderosa, algo para nós tido como um comportamento extremamente burguês, a sabedoria dela advinda se torna a única possível a ser adotada pela sociedade ocidental moderna. O modelo de ciência, entretanto, que se torna super-poderosa, que chegou a nós por meio de nomes como Comte, Tyler, Frazer, é o positivista, que acreditamos estar necessariamente em voga até hoje nas ciências exatas. Ocorre daí uma cisão que leva as Ciências Humanas a desenvolver um modo de pensar que confronte o cientificismo de modelo matemático.

Crise da Ciência

Essa cisão e esse pensamento crítico antipositivista levou, a uma crise: fez com que as ciências sociais perdessem de vista seu objeto maior, pondo em cheque a possibilidade de uma ciência realmente social, posto que ela leva sua análise rapidamente à discussão ética, política, jurídica e etc. Criou-se a partir daí uma recusa à ciência que descobrimos não ser capaz de dar conta da totalidade da realidade e com isso, a definição de “cientista” tornou-se muitas vezes um sinônimo de ideólogo, conservador, positivista.

Deveríamos saber, entretanto, que a verdade não é bem essa. Que a ciência foi, é e seguirá sendo fundamental para a produção do conhecimento humano. Por uma longa tradição de uma certa esquerda, criou-se a ideia de que qualquer pessoa provavelmente sob inspiração da Vontade Pura ou do Espírito Santo, é capaz de produzir conhecimento e com isso chegamos quase a tornar a ciência um crime. O professor José Machado Pais, ao me explicar sua ideia de uma Sociologia do Cotidiano, me disse buscar objetos de análise no próprio cotidiano, isto é, em suas próprias vivências diárias, ao conhecer pessoas novas, ao vivenciar eventos marcantes. Transformou assim, o excelente sociólogo, o mundo em seu campo de pesquisas, identificando e descobrindo fatos relevantes e indispensáveis para uma análise que de micro passa a macro-sociológica. Sem deixar, contudo, de ser um cientista.

Como é comum ao homem naturalizar as formas nas quais se encontra, seja ela a arte, o trato interpessoal ou o preconceito (o maior exemplo), naturalizamos a crise e a insuficiência científica e esquecemos que essa mesma ciência e essa mesma crise possuem uma história e um conhecimento de si. Kuhn, Feyerabend, Popper são autores que não entram em nossa bibliografia, enquanto começam a se tornar indispensáveis em bibliografias de cursos de ciências exatas.

Fala-se muito pouco do que seja a ciência na atualidade. Damos essa questão como superada. Pelo menos nós, jovens estudantes, pouco ouvimos falar sobre questões de método ou de lógica científica. Não aprendemos a pensar os objetivos da ciência mesma que nos propusemos a estudar e partimos do pressuposto de que se a ciência é algo falido, só nos resta buscar consolo na Filosofia ou na Arte. Nesse sentido, não produzimos conhecimento seja ele qual for. Não que a Sociologia ou a Antropologia e a Filosofia não se misturem. Evidentemente que se misturam e se enriquecem mutuamente, mas na ilusão de que o problema científico não tem solução, migramos para um limbo teórico, ainda que acreditemos pregar a interdisciplinaridade.

Interdisciplinaridade e o problema dos pressupostos

A interdisciplinaridade existe somente com a discussão extensa com diversas áreas de saber (ao que a teoria é indispensável) e não com o abre aspas de uma citação de um ou outro livro de física ou genética ou mesmo da Sociologia ou da Filosofia. Existe aí o perigo eminente da colonização autoral e do ahistoricismo. Tem se tornado cada vez mais freqüente a colonização de autores que são tratados como se nos encontrássemos no momento em que escreveram suas teorias. As citações se tornam mais freqüentes, mas também mais vazias, pois não se subvertem os sentidos originais, sendo esses simplesmente adequados a situações dadas. Sob a desculpa da interdisciplinaridade jaz a reprodução de ideias e o descolamento histórico.

Outro problema que parece pungente é o dos pressupostos. Há o perigo constante de se tomar os objetos de nossas pesquisas como pressupostos e nesse movimento, se acabar por simplesmente conduzir a pesquisa em direção a comprovação do mesmo objeto do qual se parte, ou seja, se utiliza da pesquisa como forma de argumento que justifique os pressupostos. Deixou de existir uma lógica da descoberta científica – salvo os levantamentos estatísticos, dos quais esquecemos por serem exatamente científicos demais – para que se criasse uma lógica da justificativa. Não podemos deixar que nossas pesquisas sejam argumentos conciliatórios de nossa consciência. Argumentar é só uma parte da descoberta científica. É como, por exemplo, realizar uma pesquisa sobre o pensamento político de Gilberto Freyre, partindo da consideração de que ele apoiou o Golpe de 64. Há um pensamento vulgar, anticientífico e com toda certeza não produtor de conhecimento (pois nele o fim está dado pelo problema), de que se Gilberto Freyre, apoiou o Golpe de 64, então sua análise culturalista do patriarcado brasileiro necessariamente nada tem a dizer, pois seria só um espelho de sua escolha política. Ora, lembremos que muitas vezes grandes intelectuais não foram grandes homens políticos. Enquanto Freyre fazia isso no nosso Brasil, Borges fazia o mesmo na Argentina. E nem por isso sua literatura deixa de ser genial.

Esse problema dos pressupostos é comum e a meu ver principalmente perigoso em nós, jovens cientistas sociais que cremos ter, ao entrar na faculdade, todo o aparato necessário àquilo que chamamos conhecimento. No fundo, muitas vezes o que fazemos é dar vozes (ou melhor, letras) à nossa Vontade, no sentido exposto por Schopenhauer, para justificarmos as opiniões que trazemos conosco por nossa formação.

Possibilidade de Conhecimento

O problema desta “lógica dos pressupostos” como eu chamei aqui é, como já disseram os mais variados críticos da ciência, algo próprio da ciência, e poderíamos, portanto, nos deixar levar pelo argumento de que os problemas científicos não possuem soluções. São paradigmas e enquanto tais não oferecem perspectivas ou válvulas de escape. A meu ver, no entanto, é preciso, para a produção do conhecimento na ciência social, primeiro: dar cabo à noção de que a ciência é fundamentalmente algo retrógrado e reacionário por operar por mecanismos lógicos; segundo: acabar com a ideia de que opiniões formam conhecimento. São uma forma de conhecimento, indispensável por sinal, mas não a forma que nós devemos almejar como cientistas; terceiro: lembrarmos que o estudo e aprendizado e a investigação são fatos que não se restringem à Universidade e cujo fim não está dado.

Possíveis apontamentos sobre essas questões seriam os seguintes: primeiro, partirmos de uma ciência que não se considere falida, mas que tenha em seu cerne a reflexão ativa de seus próprios paradigmas (o que envolve uma transformação na operacionalidade da lógica da pesquisa, de uma clássica formal, para uma dialética); segundo: aprender a separar as formas de conhecimento, a começar por uma autocrítica que possa nos impelir à improvisação de nosso pensamento, separando a doxa do logos; e terceiro: não procurarmos pelo fim de nossos saberes, não partirmos do pressuposto de que teoria e prática são necessariamente opostas e procurarmos nos libertar um pouco das vontades que lançamos sobre o objeto, pois estas podem facilmente nos distorcer as vistas.

Outra consideração fundamental me parece ser a de que operar somente pela lógica de que a ciência deva realizar uma certa função social, é operar pela reprodutibilidade de um sistema que todos nós sabemos insuficiente. Entretanto operar pela lógica do puro hedonismo, do puro deleite é ser conivente com essa reprodutibilidade. O que eu vejo apropriado a nós, jovens estudantes, ara a produção de um conhecimento real, é a articulação de nossos esforços antes de tudo pelo próprio valor do conhecimento e da verdade. Valor esse que, por sua imensurabilidade, esquecemos existir.

Se há uma necessidade em produzir conhecimento, é porque há, antes de tudo, a consciência de que não se conhece. Esse trabalho é interminável e é pelo conhecimento por si, e não por nós mesmos que devemos, antes de tudo, buscá-lo. Mesmo porque, o conhecimento não deve ser de um ou de poucos, mas patrimônio de quantas pessoas se puder atingir.

(Texto redigido inicialmente para comunicação na palestra de encerramento da II Dessemana de Ciências Sociais da PUC-SP).

quarta-feira, 18 de maio de 2011

domingo, 1 de maio de 2011

Duplipensamento

Este mundo atual é o mesmo de sempre. É, ao menos o mesmo desde que postulamos as relações dialéticas entre infra e superestrutura. As mesmas usinas que abastecem um país, podem levar a população à morte por conta de um acidente geográfico. As inovações, as novidades, os avanços sõ pensados somente em termos tecnológicos. Por isso se diz que vivemos uma tecnocracia. A técnica e a tecnologia vêm em primeiro lugar. Ditam as normas, as visões de mundo e as posturas ético-morais. Isso, entretanto, é antigo. Basta lermos, por exemplo, Baudelaire.

O mundo parece ser uma soma de fracassos. Com o medo da repetição das atrocidades passadas, fingimos aprender a lidar com a história, quando na verdade, a recalcamos. A arte, tem sido cúmplice da confusão humana com o passado ao transformar a pobreza em luxo, ao embelezar os horrores e a feiúra. O pensamento desorientou-se e se tornou legítimo falar em qualquer coisa, partindo do princípio de que, ao se politizar uma questão ela necessariamente ganha valor de verdade e, portanto, legitimidade. A premissa de um discurso político exime a cumplicidade dos horrores e tranquiliza a consciência. Ao mesmo tempo o outro resta sempre irracional, pois os motivos daquele que se pronuncia, são e só podem ser, reais. Tudo isso, obviamente, na cabeça de quem se proclama. Pois o estímulo à subjetividade totalizante, que o mundo tanto alimenta, cria um sem número de "eus" que vêem em seu bem-estar a totalidade de seu processo. Esse processo, entrentanto de proclamação do "eu", não passa de um espelho da estandardização sofrida em geral e neste movimento, os homens tornam-se aos outros, um grande dedo acusador que denuncia as mentiras que vêem nos outros.

A técnica, mesmo que acusada pelas grandes mentalidades atuais, é ainda, a grande dona dos avanços, inclusive intelectuais. A medicina avança como a indústria bélica: se um foguete erra o alvo matando algumas centenas de civis a mais, corrigem-se os cálculos e tenta-se novamente. O salto ontológico que se preconiza é do ser social ao ser maquinal.

A Sociedade Civil, tão protagonista nas sociedade ocidentais já há quase 250 anos, tornou-se um burocracia manifesta pelas grandes ONG's, Terceiro Setor e organizaçõe slocais que precisam se parelhar às administrações sociais governamentais.

Duplipensamento - Lucas Armendani

Na arquitetura, os homens voltam a tentar conquistar as alturas e os designs arredondados e limpos, brilhantes, não condizem com as periferias que a vista atinge na altura de seus andares.

Os automóveis dobram em número e ainda que se aposte em fontes de energia ecologicamente corretas, o lixo e o desperdício se renovam mais rápido e mais eficientemente do que as fontes limpas.

Os homens vivem sob a sombra do consumo. A crédito, de preferência. E o consumo, que para tantos é importante, pois é simbólico e traz uma gama de significações que afirmam a subjetividade, é somente o meio de reprodução dos símbolos impostos por essa mesma lógica tecnocrática e estandardizante. Tanto que os hábitos reproduzidos advém de revistas e programas televisivos que informam, de um ponto de vista presumidamente racional, lógico e de fundo científico, a forma de se cozinhar, de educar e implicitamente, de pensar. Essas mesmas idéias e mentalidades ultrapassaram a barreira dos conhecimentos populares adquiridos e transmitidos pela experiência coletiva em comunidade, mesmo urbanas, que compartilhavam a vida numa rotina conjunta.

A intelectualidade é, ao menos no Brasil, politicamente correta e as doces flores de nossa classe média acreditam assumir posições políticas pelo mero discurso, reproduzido das tradições de iniciados nos segredos ocultos da militância pela justiça dos nobres burgueses.
O politicamente correto assumiu os argumentos políticos, mascarando os reais preconceitos adquiridos. Não basta não ser contra as minorias, deve-se amá-las. Nessa direção, a luta pela igualdade social tomou a forma de igualdade racial, ou igualdade sexual. Ou isso ou aquilo.

As pessoas às margens dos processos de alfabetização, alimentação, infraestrutura, são, no fim das richas dos emergentes, esquecidas. Todos falam em injustiça, e humanização, mas poucos cruzaram suas cidades para encontrar a pobreza e a miséria. Os dedos acusadores apontam, em riste, para as barbáries dos outros, pois estes dedos mesmos são, evidentemente, incapazes de apertar um gatilho.

Mas muitos ainda vivem nesta miséria. Todos nós. Vivemos nesta barbárie que renovamos a cada uma ou duas décadas. Sobrevivemos à cultura que criamos a cada momento, para nos adequarmos às situações imperativas.

O que se cria de bom é superado pelo instante próximo, pois é obsoleto. E a obsolescência impera. O irônico é que dependemos disso. Dependemos dos avanços técnicos à custa das guerras. Chegaram tão longe os males que criamos a nós, que nesses mesmos males residem nossas esperanças. Irônico ainda que, a todo momento propomos soluções. Elas nascem dos professores, dos operários, dos proprietários, de homens e mulheres e crianças e jovens e velhos. Mas os velhos não podem o que sabem e os jovens, não sabem o que podem. Os choques a que nos acostumamos recalcam as atitudes insurgentes e a crença no futuro é de uma utopia nada concreta, pois nós mesmos ignoramos as possibilidades efetivas às quais os avanços nos possibilitam, uma vez que  mudam a todo instante.

Sob tudo isso, o mundo está, ele todo, em crise. A sombra de guerras começa a imperar e as revoluções no norte da África e no Oriente Médio não devem ser tomadas como casos que se resumem à territorialidade das situações. A tecnocracia esconde o império econômico segundo o qual o instante da crise traz o momento de perigo da guerra.

Em Portugal os jovens são desacreditados. No Brasil, a crença é sebastianista, ainda. No mundo, corre solto o veneno do sonho de que querer é poder; de que o desejo pelo Bem vale mais do que pensar e agir pela ideia do Bem. Corre solta, frouxa, a ideia de queas ações miúdas do politicamente correto, de que o amor à natureza e ao próximo, são as ações que começarão a mudar o mundo. 

Talvez a mudança real resida na sombra desta guerra que começa a tomar conta. Talvez a mudança real impere extamente nestes momentos críticos.

Quando jovens migrarmos; quando jovens encontrarmos os amigos do além-mar, começaremos a compreender que nossa situação não é exclusividade nossa, mas linha geral de uma situação global. A mudança talvez venha quando da crise nasça uma grande recusa, que ponha em conta os riscos das ações políticas que repercutem no mundo inteiro.




quarta-feira, 27 de abril de 2011

Two kinds of Football

A diferença entre o Futebol e o Rugby:

No primeiro, os jogadores passam 90 minutos bem fingindo estarem machucados. No segundo os jogadores passam 90 minutos machucados fingindo estarem bem.
Dê uma olhada em alguns sites de Uniões de Rugby:
http://www.rfu.com/ - England
http://www.ffr.fr/index.php/ffr/accueil__1 - France
http://www.wru.co.uk/ - Wales
http://www.irishrugby.ie/ - Ireland
http://www.scottishrugby.org/ - Scotland
http://www.nzrugby.co.nz/ - New Zealand
http://www.rugby.com.au/ - Australia
http://www.sarugby.net/ - South Africa
http://www.uar.com.ar/ - Argentina
http://www.brasilrugby.com.br/ - Brasil

Uma questão esportiva

Me arriscarei a falar um pouco sobre o nobre esporte bretão, o futebol, ou football, para sermos mais sinceros à origem das coisas, já que acabamos de citá-la. Uma vez que, falar de futebol no Brasil é, como em vários outros países, algo que nos garante o status de intelectual e algo que nos aproxima da realidade social - isso crêem os especialistas no assunto - criticá-lo consiste neste país numa das mais altas traições ao povo, à moral - pois sim, falar em futebol neste país é falar de moral - e à religião popular, uma vez que se acredita, neste canto de terra que espera a volta de Dom Sebastião, que tudo que vem do povo é necessariamente bonito, legítimo e casto.
Sem menos delongas, no entanto, e já ciente das possíveis acusações, a indagação que quero propor consiste no cruzamento do futebol com outro esporte, o vôlei. Na atual Superliga de Vôlei Masculino, encerrada semana passada, o Brasil viu um episódio de homofobia das mais rudimentares. Num jogo pela semifinal do campeonato entre Cruzeiro e Vôlei Futuro, a torcida do time mineiro vaiou em coro, chamando de "viadinho", um dos jogadores do Volei Futuro assumidamente gay. No jogo seguinte, realizado no estádio do Vôlei Futuro, os jogadores de seu time entraram em cor-de-rosa, todos com o nome do jogador vítima de preconceito e o líbero do time jogou vestido com as cores do arco-íris. Além disso a torcida segurava bastonetes cor-de-rosa, que pintaram o estádio.
Quando do episódio, todos os noticiários, programas esportivos e periódicos citaram o caso como absurdo e louvaram o comportamento do jogador descriminado, bem como de sua torcida, que o apoiou, e seus companheiros de equipe. Mais ainda, pessoas fãs de futebol elogiaram o feito do Vôlei Futuro, dizendo ser uma lição de "civilidade" ou qualquer termo do tipo, o que mostrava a evolução no esporte brasileiro, a conscientização social e o fair play esportivo.
Aqui é que reside a indagação: como se pode, ao mesmo tempo, condenar uma atitude como essa no vôlei, mas alimentar a mesma atitude no futebol? Como condenar o xingamento "viadinho" direcionado a um jogador de vôlei, mas ao mesmo tempo, apelidar torcedores de certos times de "viados"? Teria o futebol chegado a um ponto de imbecilidade tão absoluta? Ou ele simplesmente atingiu um status tão alto que o que vem dele possui automaticamente um valor de verdade? É condenatório o comportamente observado no vôlei, e o futebol reconhece isso, mas aceita esse comportamento quando ele parte do próprio futebol.
Teria o futebol se tornado tão imbecil? Pois esse parece ser o grande problema. Um comportamento como o ocorrido no vôlei é imperdoável, mas quando ocorrido no futebol, "faz parte", pois o futebol é muito maior que qualquer esporte - significando isso simplesmente que a paixão e, portanto, a rapidez que se passa do gosto ao fanatismo, é maior - e ele pode ensinar a população e outros esportes, mas jamais será ensinado, dobrado por qualquer outro. Isso, é óbvio, é só um exemplo, existem vários outros. O "viado" não é a úncia coisa ignorada no futebol apra que ele mantenha a posição de grande esporte do Brasil. Parece, no fundo, que o comportamento diferenciado no futebol em relação a outros esportes, vem de vários caminhos que se intercruzam: psicológicos, sociais, históricos. Parece haver uma transferência de nossas frustrações para o campo. Quando nosso time ganha, libertamos nossas forças reprimidas ou vencidas e liberamos nossas energia na festa ou na briga, noc aso de uma derrota. O que quero dizer é: por que o que aconteceu no vôlei "não vale", mas no futebol "vale" sendo mesmo ignorado? Se acredita ainda mesmo que o futebol seja demonstração de algo varonil? Ou que a pátria ainda é mesmo uma pátria em chuteiras?
A mim me parece que se são essas as chuteiras que calçamos hoje, a pátria em chuteiras se transformou numa pátria de asneiras. De qualquer modo, como eu não pretendo atingir o status de intelectual, não me delongarei no assunto. Deixo pura e simplesmente essa breve indagação.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Sobre as origens do Método Sociológico: Durkheim e Simmel

Durkheim pensou a Sociologia no momento de sua formação. Praticamente todo seu esforço se dirigiu no sentido de delimitar a área de atuação da disciplina. Ainda que recorra a um debate com a História - uma vez que põe história e etnografia no mesmo patamar nas Formes Elémentaires de la Vie Religieuse - Durkheim fez questão de diferenciar e afastar a investigação sociológica das investigações das ciências naturais, quebrando a tradição comteana, da filosofia, da economia política e da psicologia, principalmente. Para ele, uma ciência nascente não pode ter como fim senão um sentimento incerto e vago da região à qual ela se dirigirá. Motivo pelo qual é de extrema importância que ela adquira uma consciência mais elevada de seu objeto, o que só se poderia dar metodologicamente.

Nesta questão, é conhecido o pressuposto metodológico fundamental de Durkheim exposto nas Regles de la Methode Sociologique, de 1895: tratar os fatos sociais como coisas. “Fatos”, em sua concepção, seriam fenômenos com caracteres nítidos pertencentes a um determinado grupo que se distinguiria daqueles fenômenos estudados pelas ciências da natureza. Sistemas monetários, o desempenho de deveres e os próprios deveres, sistemas de sinais, linguagem, em suma tipos de conduta ou pensamento, sistemas de pensar e agir que existem fora de nossas consciências individuais que funcionam independentemente dos usos que deles façamos. Seriam, além disso, dotados de um poder imperativo e coercitivo.

De certo modo, para que nos fique clara a idéia de um fato social, podemos nos remeter ao célebre texto de Mauss sobre as práticas corporais, nas quais ele demonstra que mesmo as coisas mais ínfimas como o modo de andar ou nadar é resultado de uma aprendizagem que tem como objetivo a educação do ser social. Por isso Mauss dizia ser capaz de diferenciar um soldado inglês de um soldado francês simplesmente pela forma da marcha de cada um, assim como indicava as diferentes posições tomadas pelas mulheres na hora do parto: acocoradas, debruçadas sobre pernas e mãos ou deitadas; como parte de um sistema de crenças e símbolos característicos de culturas diferentes. E é exatamente isso que definiria um fato social: “crenças, tendências, práticas do grupo tomadas coletivamente; quanto às formas que os estados coletivos revestem ao se refratas nos indivíduos, são coisas de outra espécie” (DURKHEIM; 1977: 6). Essas crenças, tendências e práticas tomariam, segundo Durkheim, uma forma muito particular quando assumidas coletivamente, sendo empiricamente distinguíveis dos fatos individuais que as manifestariam. Aparentemente inseparáveis, à primeira vista, da forma que tomam nos casos particulares, a estatística ofereceria os número que exprimem certo estado da alma coletiva. Tomados por si só, as manifestações privadas reproduziriam, claro, algo de social, mas dependem da constituição orgânico-psíquica dos indivíduos, não constituindo, assim, fenômenos propriamente sociológicos. O fato social seria a resultante da vida em comum, produto de ações e reações travadas entre as consciências individuais, cuja origem coletiva estaria exatamente na capacidade de coerção externa de cada fato.

Fato social seria então “toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior [...] apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter” (DURKHEIM; 1977: 11). O que parece significar que o fato social é a estrutura sobre a qual se constrói a vida subjetiva e a vida coletiva. Tomado individualmente, o fato social compreendido desta forma parece ser capaz de remeter ao caráter estruturante daquilo que é entendido como social, sistemas de sinais, práticas corporais, sistemas monetários e etc.

Uma vez resolvido o problema sobre o que seja o fato social, é preciso entender então o que é uma coisa, para que o fato social seja como coisa tratado. Ora, a coisa, é aquilo que se opõem à idéia; é tudo aquilo que não podemos apreender por um processo de análise mental simples; tudo aquilo que o espírito só pode compreender com a condição de sair de si mesmo, por meio da observação e da experimentação. “Tratar fatos como coisas não é, pois, classificá-los nesta ou naquela categoria do real; é observar, com relação a eles, certa atitude mental” (DURKHEIM; 1977: XXI). A natureza só possui coisas, e não conceitos, mas se relativo à ciência, deve-se observar certa atitude mental, como escapar do psicologismo?

Segundo Durkheim, os fatos sociais defeririam dos psíquicos por apresentarem um substrato diferente, não evoluindo no mesmo meio, nem dependendo das mesmas condições. Se o objetivo do sociólogo é estudar a sociedade como um todo, então o que se deve ter em vista os fatos sociais tais como existem, e não a idéia que deles tem o vulgo. O perigo de um apoio no psicologismo é exatamente o de tomar como objeto não os fatos sociais, as coisas, mas o senso comum. Tomemos por exemplo a economia. Não nos é dada a idéia que os homens formulam a respeito do valor; o que nos é dado são os próprios valores que se trocam nas relações econômicas. Somente acessando as fontes das idéias e que se pode saber de onde estas idéias, as idéias pessoais, provêm. Deve-se, então, destacar os fenômenos sociais dos indivíduos conscientes e de suas formulações a seu respeito. Mesmo porque, a coisa não é passível de mudança por mera vontade, não depende de nós, ou só de nós.

Ainda que os fatos sociais sejam por demais complexos, dificultando a objetividade e a interpretação, seu acesso é mais fácil, pois vêm da natureza e na natureza não existe senão coisas. A psicologia, por exemplo, não só tem dificuldade em elaborar os fatos, como também a tem em apreendê-los. O primeiro preceito para se apreender um fato social é afastar todas as prenoções. Ainda que esse seja o corolário de toda ciência, em sociologia torna-se particularmente complicado, pois o sentimento afetivo intervém freqüentemente nas questões. Mas o sentimento em si é objeto de ciência e não critério de verdade. Por isso, para que se tenha um pé na realidade, é necessário que se classifique os fenômenos em função de propriedades inerentes a eles mesmos. Para saber se um preceito é moral ou não, por exemplo, deve-se observar se apresenta ou não um sinal exterior de moralidade. A “punição não cria o crime, mas é pela punição que o crime se revela exteriormente a nós e, por conseguinte, é dela que se deve partir se quisermos chegar a compreendê-lo” (DURKHEIM; 1977: 36).

Uma vez que o sentimento não é critério de verdade, a sensação será tanto mais objetiva quanto mais fixo for o objeto ao qual se liga. Fora dos atos individuais, os hábitos coletivos se exprimem por meio de formas definidas: regras jurídicas, morais, ditos populares, não são mais do que a expressão de uma coletividade referente a algum campo, como leis, comportamento e etc. Portanto, para que evite cair em subjetivismo, o sociólogo deve empreender a exploração de uma ordem de fatos sociais esforçando-se para considerá-los naquele aspecto em que se apresentam isolados de suas manifestações individuais. Torna-se, portanto, necessário um critério que ultrapasse o indivíduo. Isto se alcança pela Morfologia Social, que constitui e classifica os tipos sociais e cujo princípio é a idéia de que as partes constitutivas de qualquer sociedade são sociedades mais simples, desvendando-se assim de que modo se ajuntaram os compostos que originaram uma sociedade. Para Durkheim, a morfologia social possibilitaria a observação correta dos fatos sociais, mas não daria suporte suficiente para suas explicações. Mostrar, por exemplo, a função ou utilidade de um fato social não é o suficiente, pois explica as propriedades que os caracterizam, mas não as que os criam. Além disso, um fato pode muito bem existir sem utilidade. É, portanto necessário que se busque separadamente a causa eficiente que produz o fenômeno social e a função que esta desempenha.

Uma crítica possível é apontada pelo próprio Durkheim. Diz ele que se a sociedade é constituída por um sistema de meios instituídos pelos homens tendo em vista certos fins, esses fins só podem ser individuais. Portanto é do indivíduo que viriam as idéias e necessidades que determinariam a formação das sociedades sendo necessariamente por ele que tudo deveria ser explicado, sendo a origem dos fenômenos sociológicos senão de ordem psicológica.

Como dissemos no início do texto, o todo é mais do que a soma das partes, constitui algo de diferente e cujas propriedades divergem daquelas que apresentam as partes de que é composto. Isto significa que a sociedade não é a simples soma dos indivíduos que a compõe, mas um sistema formado pela sua associação que representa uma realidade própria com caracteres específicos. As consciências se associam, combinam de determinada maneira e é disto que resulta a vida social sendo conseqüentemente esta combinação que a explica. Chegamos, portanto, ao ápice da crítica durkheimiana ao psicologismo e ao subjetivismo: “a contribuição psíquica é por demais geral para determinar o curso dos fenômenos sociais” (DURKHEIM; 1977: 94). A causa determinante de um fato social deve ser buscada entre os fatos sociais anteriores, portanto, e não entre os estados de consciência individual, pois a função do fato social não pode ser senão social.

Esta crítica à Psicologia e ao subjetivismo, no entanto, não descarta a importância da disciplina em relação à Sociologia. Vida coletiva e vida individual estão em estreita relação. Mas o que Durkheim busca é uma neutralidade que, segundo ele, deve ser inerente à própria ciência e à postura do cientista. No fim, segundo Durkheim, a cultura psicológica constitui uma propedêutica necessária ao sociólogo, útil sob a condição de superá-la, de dela se libertar, de ultrapassá-la, completando-a por uma cultura especialmente sociológica.

Num texto posterior às Règles, datado de 1900, Durkheim afirma ter sido Simmel o sociólogo a ter feito o maior esforço para delimitar o domínio da sociologia. Para Simmel deve-se partir da idéia de que se existe uma sociologia, esta deve se constituir como um sistema de investigações a parte, perfeitamente distinto daquele das ciências existentes sob o nome de economia política, história da civilização, estatística ou demografia. A diferença residiria no fato de que estas ciências estudam fatos da sociedade, mas não a sociedade ela mesma. Para que isso fosse possível, seria necessário estabelecer a separação de duas formas de elementos no seio daquilo vulgarmente chamado de sociedade: o conteúdo “c’est-à-dire les différents phénomenes qui se produisent entre les individus associés” ; e o contido ou continente , ou seja, a associação em si pela qual se observam tais fenômenos. De modo que a associação seria a única coisa verdadeiramente social e a sociologia, a ciência da associação in abstracto. O método da abstração possibilitaria a conclusão sobre as leis particulares de socialização, a despeito das diferentes finalidades e interesses. De acorodo com Durkheim, Simmel mostra que a abstração é não só o método da Sociologia nascente, mas o método de toda ciência. A crítica a uma possível incapacidade de se tomar a sociedade pela abstração - pois isto impossibilitaria o conhecimento real da própria sociedade - cai por terra quando Durkheim demonstra que a própria abstração, sendo então um recurso metodológico, deva ser repensada enquanto tal, algo explicado ao se tomar como exemplo a Economia Política, que reclama o direito à abstração, mas a usa de forma viciada, a partir do momento em que põe à base de todas as suas deduções uma abstração que ela não tem o direito de utilizar: a noção de que um homem, nas suas ações, é exclusivamente guiado por seu interesse pessoal.

“Il n’existe pas de moyen pour s’assurer s’il y a em nous quelque chose d’assez défini pour qu’on puisse l’isoler des autres fateurs de la conduite et le considérer en lui-même . Qui peut dire s’il existe entr el’égoïsme et l’altruisme cette séparation tranchée que le sens commun admet sans réflexion?»

Deve-se então, não somente evocar as abstrações utilizadas nas ciências, mas provar que a abstração à qual se recorre, satisfaz aos princípios aos quais devem se conformar todas as abstrações científicas. A partir desta discussão metodológica de Simmel, Durkheim passa a tratar das questões morfológicas da interpretação sociológica. O uso correto da morfologia é explicitado por Simmel, quando este mostra que o uso desta noção se torna restritivo ao se limitar à forma como os indivíduos se relacionam uns aos outros no seio da própria associação, isto é, patrões e empregados, pais e filhos e etc, reduzindo a sociologia à tão somente consideração do substrato sobre o qual repousa a vida social.

Durkheim faz uma crítica, ao mesmo tempo em que elogia a tentativa de Simmel. Para o último, o motivo da sociologia como uma área específica derivaria de duas proposições: a de que em qualquer sociedade humana poder-se-ia fazer uma distinção entre conteúdo e forma; e que a própria sociedade em geral se refere à interação entre indivíduos. Este próprio motivo forneceria, então, a matéria de aplicação a ser descrita: conteúdos formais e formas de vida social, de onde se concluiria que a sociação “é a forma (realizada de incontáveis maneiras diferentes) pela qual os indivíduos se agrupam em unidades que satisfazem seus interesses. Esses interesses [...] formam a base das sociedades humanas” . Este trecho de Simmel é sugestivo para entendermos em que ponto, segundo Durkheim, a teoria de Simmel é incompleta. Para o sociólogo francês, não haveria duas espécies de realidade, como forma e conteúdo, que, mesmo solidárias seriam distintas e dissociáveis, mas fatos da mesma natureza examinados em estágios diferentes de generalidade. Seria necessário então fazer da Sociologia algo diferente do que “simples variations philosophiqes sur certains aspects de la vie sociale, choisis plus ou moins au hasard, em fonction des tendances individuelles » , tal qual Simmel.

Essa crítica a Simmel talvez venha do fato de este ter pensado a Sociologia numa esteira anti-positivista e anti-racionalista, ao que muitos dizem o ter levado ao irracionalismo. Quando Simmel, por exemplo, trata as formas sociais aparentemente desprovidas de funções como no caso do direito que segundo Simmel, nasce de requisitos da existência social que forçam ou legitimam certos comportamentos individuais, cujo “porquê, com a instituição do direito, retrocede para segundo plano: “agora os requisitos são seguidos simplesmente porque se tornaram o ‘direito’, e de forma completamente independente da vida que originalmente os engendrou e dirigiu” . Com isso ele queria dizer que, ainda que o direito tenha suas origens nos propósitos da vida social, ele deixa de ter propósito a partir do momento em que passa a determinar a forma pela qual os conteúdos de vida devam ser determinados. Simmel indica, na realidade, para uma dialética entre sociedade e individualidade, tema que Elias abordaria posteriormente. Os conteúdos sociais, segundo Simmel, se autonomizam, como no caso do direito; prescindem da vida coletiva mas a ultrapassam numa reviravolta da determinação das formas pela matéria da vida à determinação de sua matéria pelas formas.

Enquanto para Durkheim a sociedade caminha à perfeição pela criação de instituições como o direito e a religião, exatamente porque são resultado de formas de pensar de toda uma sociedade, Simmel crê a vida social, em seu âmbito mais amplo, ou seja, do conjunto das instituições e regras criadas por uma sociedade, é somente uma parcela da própria sociabilidade que deve envolver compreende o homem como uma construção ad hoc: ser político e econômico, membro de uma família, representante de uma profissão e etc. Essa disparidade entre sociabilidade e subjetividade talvez seja o que levou Durkheim a afirmar que Simmel, apesar de sua tentativa em definir um campo sociológico científico, transformou a Sociologia numa elucubração filosófica, quase como se a Sociologia tratasse, no fundo, de “qualquer coisa”.

Numa continuação às suas Regras do Método Sociológico, Durkheim afirma serem as questões principais postas ao domínio sociológico para a definição dos substratos sociais as seguintes:

1) a extensão territorial;

2) a situação geográfica da sociedade, isto é, sua posição periférica ou central em relação ao continente e a forma pela qual ela é avizinhada;

3) pela forma de suas fronteiras.

De forma nova, Durkheim parte de uma concepção naturalista da formação da sociedade na qual a sociedade se forma, primeiramente, pela transformação da natureza. Transformações estas que deveriam, também serem compreendidas pela Sociologia, pois esses fenômenos seriam fenômenos estruturais da sociedade, que possuiriam mais estabilidade que os fenômenos funcionais. O grande problema é que a estrutura em si é um devir que se forma e se decompõe incessantemente. Eis a importância da morfologia. Ao lado da morfologia, a fisiologia, na qual se encontrariam os fenômenos funcionais da sociabilidade. Mas diferentemente do que para Simmel, que aparentemente cria não ser possível estabelecer uma divisão entre ambas as esferas, Durkheim acreditava ser possível estabelecer onde começa e termina uma e outra região da vida coletiva. O ponto de partida para esta limitação estaria no fato de que uma verdadeira Sociologia teria como necessário que se produzissem, em cada sociedade, fenômenos nos quais esta sociedade fosse a causa específica e que não existiriam se ela não existisse. Uma proposição cujo corolário é de que os fenômenos sociais não possuem causa imediata e determinante na natureza individual. Se os fenômenos sociais fossem da mesma natureza que os fenômenos individuais, isso significaria, para Durkheim, que a Sociologia teria o mesmo papel da Psicologia.

A caída da analise dos fenômenos sociais, ou melhor, dos fatos sociais como epifenômenos psicológicos mais ou menos desenvolvidos, condenaria a análise científica a uma sociologia “fácil e abstrata”, posto que assumiria a sociedade como não tendo leis próprias, não havendo, socialmente, nada a descobrir. A sociologia de Simmel cairia neste erro, ao estudar fatos já estudados por outras ciências existentes muito antes da Sociologia. Para Durkheim, a verdade seria que todas as ciências especiais como a Economia Política, a História comparada do Direito, das religiões, a demografia e a geografia política foram concebidas e aplicadas até seu tempo, como se cada uma formasse um todo independente quando na verdade os fatos dos quais se ocupam não passem de manifestações de uma mesma atividade, a atividade coletiva. O que se passa é que os lugares que as ligam passam despercebidos. Para que se chegasse à idéia das leis dos fenômenos sociais, se deveria descobrir primeiramente o que são as leis naturais e os procedimentos pelos quais as leis sociais possam ser descobertas, algo pelo qual se chegaria pela pratica das ciências nas quais as descobertas se improvisam constantemente: as ciências da natureza, corolário dos primeiros pensadores a pronunciar a palavra sociologia, Comte e Spencer.

Por meio desta análise, Durkheim conclui que, mais do que uma renovação de vocabulário, o termo Sociologia define, no sentido dado pelo pensador francês, uma renovação profunda de todas as ciências que têm por objeto o reino humano, uma vez que a vida social em toda sua extensão, não foi ainda compreendida exatamente pelo fato de estudarem as ciências separadamente, sem se importar com aquilo que as uniria, tarefa da sociologia contemporânea, ao mesmo tempo em que, para que a síntese da análise dos fatos sociais seja realizada, deva-se fazer progredirem as ciências particulares. O erro de Durkheim, no entanto, seria de que o progresso de ciências particulares pela Sociologia daria origem a especificidades dentro da própria sociologia, por exemplo, quando da descrição social com referência a achados geograficamente determinados, procedimento que viria a fundar a Sociografia.

Para concluirmos, fica claro que a questão do método é determinante na Sociologia, uma vez que as formas de investigação acabam determinando o que é socialmente essencial. A tentativa de formalização da Sociologia, da qual Simmel, mesmo se o lermos por Durkheim, parece ter sido um dos mais produtivos sociólogos, expressa exatamente a impossibilidade da Sociologia em formação de determinar o que é essencial e mesmo o que é o próprio objeto de estudo da Sociologia: a sociedade. A análise de ambos deixa de lado o nexo dos fenômenos sociais com o desenvolvimento histórico. E mais ainda, o caráter da Sociologia de Durkheim reside no fato de saber que os fatos sociais propriamente ditos não equivalem aos fatos sensoriais singulares, mas que seria, entretanto possível lhes atribuir um caráter de dado tangível. Essa característica é importante, pois nos leva a uma conclusão decisiva sobre o método sociológico defendido por Durkheim: sua visão implica que o social é envolto numa espécie de

“‘dado de segudo grau’, uma inclinação da Sociologia a corroborar o processo de reificação ou de autonomização a que a sociedade se subordina por leis imanentes, e a tomar essa reificação sempre dotada de uma aparência de sociedade, como algo absoluto, em vez de refletir criticamente e dissolver a reificação”

O que faz da sociedade coisificada, ou seja, sendo composta, para a Sociologia, senão de coisas, algo positivo. Mas nesta concepção, tal como demonstramos aqui, omite-se que o conceito de sociedade é propriamente um conceito que designa uma relação entre pessoas, isto é, omite-se o fato de que a sociedade seja sempre uma sociedade de indivíduos. Tem-se aqui uma idéia clara, segundo Adorno, do que se compreende por dialética.

No fundo, a Sociologia de Durkheim, ainda que vital para a compreensão sociológica cai, pelo chosisme, no erro de não superar suas próprias contradições. Ao tratar fatos como coisas, legitima uma reificação que reproduz o sistema social que produz os problemas que a própria sociologia pretende solucionar. Essa é obviamente, uma crítica de orientação marxista, uma vez que, a se falar em reificação, fala-se em alienação. No entanto, pode-se pensá-la numa crítica marxista-hegeliana, pois o que se pode concluir da crítica à contradição no sistema de Durkheim, é que o que está em debate é a própria idéia de ciência posto que esta, em seu início, ultrapassava a barreira de um procedimento formal e quase burocrático, procurando alcançar certa conexão “espiritual” dentro de um sistema racional filosófico como a Doutrina da Ciência de Fichte ou a Ciência da Lógica de Hegel. Na realidade, é um debate que aprece estar longe de terminar, algo próprio da ciência, que faz com que seja o primeiro dever do cientista o pensar sobre seu próprio ofício. Algo a que a Sociologia não escapa.


Bibliografia

ADORNO, Theodor W. Introdução à Sociologia. São Paulo: UNESP, 2007.

DURKHEIM, Émile. La Sociologie et son Domaine Scientifique. In. http://classiques.uqac.ca/classiques/Durkheim_emile/textes_1/textes_1_01/socio_scientifique.pdf

SIMMEL, Georg. Sociabilidade – Um exemplo de sociologia pura ou formal. In. MORAIS FILHO, Evaristo de (org.) Coleção Grandes Cientistas Sociais. 34. São Paulo: Editora Ática, 1983