segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A Daniel e Bárbara

"O que me fascina e me mantém encantado nas fotografias que amo? Creio que se trata simplesmente disso: a fotografia é para mim, de algum modo, o lugar do Juízo Universa; ela representa o mundo assim como aparece no último dia, no Dia da Cólera. Certamente não é um aquestão de tema; não quero dizer que as fotografias que amo são as que representam algo grave, sério ou mesmo trágico. Não; a foto pode mostrar um rosto, um objeto, um acontecimento qualquer.

[...]

Há, porém, outro aspecto, nas fotografias que amo, que não gostaria de silenciar de modo algum. Trata-se de uma exigência: o sujeito fotografado exige algo de nós [...] Mesmo que a pessoa fotografada fosse hoje completamente esquecida, mesmo que seu nome fosse apagado para sempre da memória dos homens, mesmo assim, apesar disso - ou melhor, precisamente por isso - aquela pessoa, aquele rosto exigem o seu nome, exigem que não sejam esquecidos.

[...]

Autores do Nouveau Roman: Alain Robbe-Grillet, Claude Simon, Claude Mariac, Jérôme Lindon, Robert Pinget, Samuel Beckett, Nathalie Serraute e Claude Ollier, em frente das Éditions de Minuit, em Paris. Foto de Mário Dondero.

De tudo isso, a fotografia exige que nos recordemos; as fotos são testemunhos de todos esses nomeperdidos, semelhantes ao livro da vida que o novo anjo apocalíptico - o anjo da fotografia - tem entre as mãos no final dos dias, ou seja, todos os dias".


AGAMBEN, Giorgio. O Dia do Juízo. In: Profanações. São Paulo: Boitempo, 2005. pp 27-30.
Mario Dondero


2 comentários:

  1. "De tudo isso, a fotografia EXIGE que nos recordemos"

    A fotografia exige mesmo Gu. Que voltemos a uma época, um dia, um momento... Que remete à milhões de outras lembranças. E se o momento não fez parte do nosso imaginário, ele passa a fazer, com a construção desse cenário nas nossas mentes!

    Adorei o post!! Ótimo, como sempre!

    bjoksss

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  2. Gusinho!
    "anjo apocalíptico - o anjo da fotografia"!
    coincidentemente quando você postou isso eu tava relendo, ou dando uma folheada, porque como de costume sem paciência de reler as coisas, "Pequena História da Fotografia" do Benjamin. Estou fazendo um curso teórico sobre fotografia, mais pra curtir o lugar, porque o curso que queria foi cancelado.Mas tá interessante. O texto da próxima aula é "O ato fotográfico" do Phillipe Dubois. E o professor adora fotografia conceitual. É... como bem colocou Mário Dondero e bem pontuou a Babi, esse trecho, "a fotografia EXIGE que nos recordemos". Nomes se esquecem, ainda mais em fotografias representantes de uma época, porque de um momento todas representam, elas não são atemporais, mesmo que sejam de objetos. Hoje com a informação contida no arquivo de cada foto, está aberto a todos o dia, minuto e segundo que aquela tal foto foi tirada. Mas essas fotografias representantes de uma época tem mesmo o objeto retratado que pulsa delas. E assim não passamos alheios a esse objeto. Ele tem um tempo, ele nos remete à Memória. Parece óbvio tudo isso se pensarmos na questão da fotografia, mas esse é um ponto interessantíssimo a ser discutido.
    Até!

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