terça-feira, 30 de agosto de 2011

Política e Juventude

Quando Walter Benjamin centrou suas discussões em certos conceitos, algo que acontece com a maioria dos grandes pensadores se repetiu na recepção da obra do pensador alemão: imobilismo temporal. Leitores não só de Benjamin, como de Foucault, Nietzsche e Deleuze, os pensadores da moda, apropriaram-se dos pensamentos alheios como se vivessem ainda no Século XIX, na década de 30 ou no Maio de 68. Não contaram que a passagem do tempo é inevitável. Assim, vê-se, em meio à nossa juventude intelectual, estudantes de filosofia, ciências sociais, história - porque administradores, economistas e advogados são incapazes, por definição, na mente destes "humanistas", de serem intelectuais - a repetição de termos como "experiência", "sujeito", "diferença", "história" e mesmo "vida" ou "política", como se sua enunciação fosse o suficiente para explicitar o conteúdo inerente às palavras.
O problema pode ser ilustrado se tomarmos como exemplo  próprio Walter Benjamin. Quando escreveu, em sua juventude, o texto Experiência (Erfahrung no original), Benjamin criticou a ideia usada tantas vezes e om tanta intensidade pelos adultos em sua defesa moral. Para ele, a vida adulta de seu tempo refugiava-se na ideia abstrata de experiência para legitimação de sua autoridade. Essa experiência, entretanto, era ilusória. A verdadeira experiência residia na vida política dos jovens, em seu potencial imaginativo e na pureza de seus ideias. Mais tarde, Benjamin percebeu a imaturidade de sua reflexão de então, pois, fundamentando seu pensamento em grande parte no conceito de experiência, revelou sua impossibilidade no mundo contemporâneo, cunhando o conceito de vivência (Erlebnis), que remeteria, essa sim, à antiga querela entre a juventude e a vida adulta.
O que acontece com a juventude que se diz política atualmente é que é essa mesma juventude, que clama para si a transformação política, a parcela que adotou a máscara de uma dita "experiência". A juventude atual é mascarada. Antes fosse inocente, ou utópica, mas na tentativa de subverter autoridade do Estado, da Família ou da Religião, ela se mascara denunciando a violêncai policial; se mascara transportando para outros locais aquilo que lhes é proibido em casa; se mascara no conforto da "religiões alternativas", novas concepções de mundo nas quais os homens seriam, em sua leitura, todos irmãos.
Mascaram com isso a transformação de sua própria geração em um mito. Os jovens fazem de si mesmo membros de um Destino Manifesto cujo destino seria mudar o mundo, para melhor, pela ecologa política, pela subversão das instituições sociais. Não percebem que a boa ação social, o trabalho em instituições de caridade e ONG's não deve ser um fim em si, pois a meta de qualquer geração que se diga politicamente ativa deve ser uma sociedade no qual essas próprias instituições não sejam necessárias. O pretenso ativismo de nossa juventude definha na atuação assistencialista conforme as regras que essa juventude mesma pretende burlar.
A juventude atual - e com isso me refiro a uma parcela da juventude, aquela de classe média atuoproclamada de esquerda - quer se redimir, não se salvar. Atuam guardando em segredo um sentimento de culpa que não sabem de onde vem. Sentem-se todos culpados, num undo em que ninguém é inocente, e aceitam como sentença uma pretensa ação política. Mas não percebem que essa política é fútil, vazia, e até  mesmo aparente. Veja-se o humanismo daqueles que creem fazer amizade com seus fornecedores de maconha ou cocaína. Que melhor modo de superar a luta de classes? Ou, caso a denominção marxista lhes pareça antiquada, que melhor modo de superar as diferenças sociais senão mostrando que se é capaz de lidar com todos, que qualquer diferença é mero detalhe e com boa vontade, tudo pode ser superado?
A boa vontade e o antiquismo são ideias premente também nesta geração. É uma geração que crê estar abandonando tudo o que é velho, tudo o que já foi tentado e fracassou, sem se dar conta de que o fazem porque são incapazes de se atualizar, de transformar aquilo que é bom, pois o que é bom - perdoem meu platonismo - é eterno, mas vive no tempo. O que lhes resta é a boa vontade, a simpatia, a humildade. Os conceitos que deveriam ser pensados exatamente pela nossa geração, pois somos frutos de um mundo em crise, são simplesmente passados desapercebidos, tidos como certezas e adotados como conduta: o multiculturalismo, a ecologia, o politicamente correto.
Nota-se uma juventude cômoda, de vida fácil, que sai de seus colégios construtivistas "pronta para a vida", "formada", amante da natureza e da humanidade, que sofre terrivelmente com as injustiças do mundo. Mas o mesmo tempo, é essa juventude que delicia-se com o fato de ter um refúgio que só a ela é permitida: a arte legitimada da burguesia, a nouvelle vague, o dinheiro gasto com a cota mensal, o carro.Longe dela deleitar-se com os prazeres simples do povo, essa categoria abstrata da qual a juventude intelectual se diz defensora, como a telenovela, a música barata, as lojas de departamento. Não, sua fuga é mais profunda e "infelizmente", reside numa questão de origem, também sentida com pesar pela burguesia. Mas o que se pode fazer caso se tenha nascido numa família emergente? Aí sim deve-se aceitar o fato de que certas diferenças existem e fazem diferença. No fundo eles escondem a vergonha de antepassados analfabetos, imigrantes italianos, espanhóis, portugueses, árabes ou judeus que vieram tentar a sorte, trabalhando. Certos passados devem ser mantidos no passado. E a burguesia se regojiza com o fato de que podem assistir Godard, Lars Von Trier e todos os nomes do circuito "alternativo" paulistano, porque significa que aquele passado, analfabeto e braçal foi superado. Ainda que se traiam dados os seus modos toscos à mesa ou no trato entre as pessoas. Isso ajuda a manter a aura de destino para a atuação política dessa juventude.
A hipocrisia da juventude que se diz política reside no fato de que por trás de seu ativismo se esconde uma vontade de apolítica. Sua atuação política é fundada numa religião de ultratumba, numa apokatastasis terrena. São políticos porque pretenedem expiar sua culpa. São políticos, enfim, para si mesmos.
A hipocrisia da política desta juventude reside no fato de que é incapaz de sair de um lógica mitológica de reprodução do mundo. Aceitam como seu destino tornarem-se o salvadores da Terra, mas não pautam sua política numa questão de caráter.
Subverter não é fazer o que socialmente é inaceito. Ser politicamete correto não significa nada se não se é inteligente o suficiente para saber quando sê-lo, ou para perceber que este mesmo politicamente correto é também uma forma de dominação. Uma ação, por menor que seja, pode sim ser significante, mas não significa que um ou outro será uma pessoa melhor ou que o mundo será um lugar melhor. Não é por isso que se deve agir com retidão.
O erro, é um novo alento para a busca da verdade. Não caiam então, na ideia de que aos 20, 20 e poucos anos, suas experiências possuem mais ou menos conteúdo, ou que são vocês, com todo seu potencial, com toda sua fagulha revolucionária ou desobediente, aqueles capazes de conferir à essas experiências e por consequência ao mundo, conteúdo a partir de seu espírito.
Por trás desta crença cega no Fim da História que começa em vocês, reside a intolerância do filisteu.

2 comentários:

  1. Oi Gustavo!
    Acabei de ler seu texto e acabei de sair da PUC, e estou com uma aula de reprodução e produção na cabeça nesse exato momento, por isso não sei se seria uma boa comentadora. Por outrora, no calor do momento eu digo:
    É óbvio que não condiz gritar Maio de 68 ou pensar que estamos em plena Ditadura, porque não estamos! Os tempos são outros, acabaram revoluções, começam outras (não necessariamente precisa ter armas e mortes). Não adianta viver do passado, porque justamente, oq tinha sentido em 68 não tem mais sentido hj. Existem coisas parecidas, causas que provém de uma História, mas não irá acontecer igual.

    Será que a juventude é tão mórbida mesmo? Será que o problema é só de pequeno burguês? Eu penso que é muito mais questão de como vemos o outro. É fácil criticar o outro, é fácil chamar alguém de ecochato, é fácil citar filósofos (para quem domina o assunto)....mas e nós mesmos? O que fazemos em relação a nós? Não seria mais interessante ser sustentável por vc e não pela moda?

    Benjamin escreveu numa época em que os valores estavam ao avesso, e hoje, como ele escreveria? Como estão os nosso valores hoje? Será que não julgamos mais do que fazemos?

    Uma pessoa que ñ tem estudos sobre cinema, ela vai assistir Godard! Que bom para ela! Para ver cinema, só precisa se identificar, se identificando, não se aliena, pq vc questiona se gosta ou não e dai por diante!

    Um ação por menor que seja faz diferença, vc esta certo. Mas oq faz sentido pra vc pode ñ fazer pro outro e vice-versa.

    As pessoas agem o tempo todo, nós das ciências sociais ficamos procurando o detalhe do detalhe do detalhe do detalhe por isso é fácil falar de "alienados", "vendidos", "capitalistas", etc etc...mas será que essas pessoas são tão assim mesmo? Ou será que elas ñ querem viver no seu cotidiano-rotina apenas?

    Como eu disse, sai agora da PUC, pensamentos a mil hahhaha...continue escrevendo querido, vou ler sempre que der!

    bjss

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  2. Dé, seguinte:
    Primeiramente, o problema ao qual me refiro não é só da burguesia. Mas o problema da burguesia é o que me interessa aqui. O que me interessa é entender como a fruição "legítima" de Godard foi relegada a ela, nas perambulações "alternativas" da Rua Augusta e regiões, e o que isso significa quando os jovens universitários reivindicam essa distinção para si. Não se precisa entender de cinema para se entender Godard, mas também não interessa ao críticos e aos intelectuais de uma forma geral, o que um ou outro popular pensam de Godard.
    No que diz respeito a Maio de 64 e etc, o problema é a citação livre das palavras de ordem, o hasteamento de bandeiras, ou seja, a colocação da apropriação da história frente à compreensão da mesma, por meio da forma de sua perpetuação.
    "Ver o outro" é algo que se expressa nos modos de vida das pessoas e é traduzido principalmente pela luta de classes, do que o cinema é exemplo. E cuidado, não seja tão inocente ao crer que a alienação é algo do qual se livra pela pura vontade. Se não ela não seria chamada de falsa consciência.
    Se cremos que uma mudança é possível, quer dizer que cremos em algo que possa ser melhor para todos, que faça sentido a todos. Talvez o que você queira dizer é que devemos respeitar aqueles que não concordem conosco, o que é atualmente confundido com a ideia de que cada ponto de vista é legítimo, pois próprio da histórias de cada. Ora, isto é evidentemente um paradoxo, pois eu sou incapaz de respeitar alguém que, por exemplo,pregue o apartheid ou diga que o homossexualismo é uma doença. Ou seja, certas coisas não devem ser aceitas, por isso, se eu creio em algo melhor, crendo consequentemente que as coisas podem ser melhores para a sociedade como um todo e portanto fazem sentido para todos,então temos uma questão de debate e embate político que deve ser acessível a todos aqueles que queiram participar.
    Obviamente, no que se crê é uma questão subjetiva que remete à importancia da psicologia. MAs não tratei disso porque pensei esboçar de alguma forma certas questões de reprodução do status quo, por parte da juventude intelectualizada, que se mostram nem conscientes nem totalmente inconscientes, mas mascaradas, pois postas de lado, como algo de importância menor.Sem dúvida, a "crença" política é antes de tudo uma questão de certa educação filosófica e até mesmo religiosa (pois a religião é sim importante e muitas vezes muito mais inteligente do que a pura política), que é, por fim, mediada pela sociedade.
    Assim, "capitalistas", "vendidos" ou "alienados", não é o termo certo para descrever aqueles que eu critiquei aqui. POrque a questão posta em voga é a auto-imagem que essa geração cunhou para si. Uma imagem mitológica, na forma do destino como missão: a de salvar o mundo pelo "pequeno gesto", pela "boa vontade", pela "tolerância".
    A ação de outros jovens pelo mundo, como no caso da Primavera Árabe só foi possível por uma autocrítica destes próprios jovens que passou também ( e talvez em primeiro lugar), pelo problema econômico que sua geração atravessa.
    Mas nossa geração (e seu comportamento deixa claro), sofre somente com um problema de consciência, que ela mesma finge desconhecer, exteriorizada nesse destino traçado como missão desta juventude que, assim como o herói de nosso povo, não tem caráter nenhum.

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