quarta-feira, 27 de abril de 2011

Uma questão esportiva

Me arriscarei a falar um pouco sobre o nobre esporte bretão, o futebol, ou football, para sermos mais sinceros à origem das coisas, já que acabamos de citá-la. Uma vez que, falar de futebol no Brasil é, como em vários outros países, algo que nos garante o status de intelectual e algo que nos aproxima da realidade social - isso crêem os especialistas no assunto - criticá-lo consiste neste país numa das mais altas traições ao povo, à moral - pois sim, falar em futebol neste país é falar de moral - e à religião popular, uma vez que se acredita, neste canto de terra que espera a volta de Dom Sebastião, que tudo que vem do povo é necessariamente bonito, legítimo e casto.
Sem menos delongas, no entanto, e já ciente das possíveis acusações, a indagação que quero propor consiste no cruzamento do futebol com outro esporte, o vôlei. Na atual Superliga de Vôlei Masculino, encerrada semana passada, o Brasil viu um episódio de homofobia das mais rudimentares. Num jogo pela semifinal do campeonato entre Cruzeiro e Vôlei Futuro, a torcida do time mineiro vaiou em coro, chamando de "viadinho", um dos jogadores do Volei Futuro assumidamente gay. No jogo seguinte, realizado no estádio do Vôlei Futuro, os jogadores de seu time entraram em cor-de-rosa, todos com o nome do jogador vítima de preconceito e o líbero do time jogou vestido com as cores do arco-íris. Além disso a torcida segurava bastonetes cor-de-rosa, que pintaram o estádio.
Quando do episódio, todos os noticiários, programas esportivos e periódicos citaram o caso como absurdo e louvaram o comportamento do jogador descriminado, bem como de sua torcida, que o apoiou, e seus companheiros de equipe. Mais ainda, pessoas fãs de futebol elogiaram o feito do Vôlei Futuro, dizendo ser uma lição de "civilidade" ou qualquer termo do tipo, o que mostrava a evolução no esporte brasileiro, a conscientização social e o fair play esportivo.
Aqui é que reside a indagação: como se pode, ao mesmo tempo, condenar uma atitude como essa no vôlei, mas alimentar a mesma atitude no futebol? Como condenar o xingamento "viadinho" direcionado a um jogador de vôlei, mas ao mesmo tempo, apelidar torcedores de certos times de "viados"? Teria o futebol chegado a um ponto de imbecilidade tão absoluta? Ou ele simplesmente atingiu um status tão alto que o que vem dele possui automaticamente um valor de verdade? É condenatório o comportamente observado no vôlei, e o futebol reconhece isso, mas aceita esse comportamento quando ele parte do próprio futebol.
Teria o futebol se tornado tão imbecil? Pois esse parece ser o grande problema. Um comportamento como o ocorrido no vôlei é imperdoável, mas quando ocorrido no futebol, "faz parte", pois o futebol é muito maior que qualquer esporte - significando isso simplesmente que a paixão e, portanto, a rapidez que se passa do gosto ao fanatismo, é maior - e ele pode ensinar a população e outros esportes, mas jamais será ensinado, dobrado por qualquer outro. Isso, é óbvio, é só um exemplo, existem vários outros. O "viado" não é a úncia coisa ignorada no futebol apra que ele mantenha a posição de grande esporte do Brasil. Parece, no fundo, que o comportamento diferenciado no futebol em relação a outros esportes, vem de vários caminhos que se intercruzam: psicológicos, sociais, históricos. Parece haver uma transferência de nossas frustrações para o campo. Quando nosso time ganha, libertamos nossas forças reprimidas ou vencidas e liberamos nossas energia na festa ou na briga, noc aso de uma derrota. O que quero dizer é: por que o que aconteceu no vôlei "não vale", mas no futebol "vale" sendo mesmo ignorado? Se acredita ainda mesmo que o futebol seja demonstração de algo varonil? Ou que a pátria ainda é mesmo uma pátria em chuteiras?
A mim me parece que se são essas as chuteiras que calçamos hoje, a pátria em chuteiras se transformou numa pátria de asneiras. De qualquer modo, como eu não pretendo atingir o status de intelectual, não me delongarei no assunto. Deixo pura e simplesmente essa breve indagação.

2 comentários:

  1. Ta muito interesante sua indagação, e acho que da no lado correto mas se precisa tb ir mas alá sem intelectualiza-lo. Vou explicar, primeramente acho que é bom nao intelectualizar o tema pq os intelectuais sempre desconfaron do futebol por acharlo vulgar e bruto, algumos exemplos: Borges, Umberto Eco, etc.
    Bom, aclarado isso, vou deixar minha opinao sobre a questao.
    Concordo quando vc diz plantea a questao sobre se o futebol tem hoje um status mais arriba ou se tornou tao imbecil, acho que sempre o futebol tuvo um status mais arriba dos outros esportes e sempre foi imbecil (sem desconocer sua beleza claro mas considerando que sou uma fa mais do esporte), Eduardo Galeano diz que o futebol é "La Sublimación de la guerra" e tem muito do razao, o futebol se desemvolveu de tal forma que como você diz é capaz de deixar sair todas nossas frustrasoes, toda a violencia e toda a hermandad possivel no homem. Saca o melhor e o pior de nos, mas o que se olha con maior forza é sempre o pior pq o numero de torcedores que se re-frustram é muito pra cima do que fica feliz. Nesse contexto o futebol tornou-se uma esfera de inclusao do todo que a sociedade exclui das suas outras esferas como a politica, o direito, economia e a educacao mesma.
    Fica ruim saber que no futebol os apodos racistas e tb homofobicos som permitidos, aceitados e como algumos chaman "hacen parte del folklore", como por exemplo "viadinho" "gaymio" "macaco" "bambis"...
    Mas acho tb que a questao tem limites e ele ta quando a agresao vai do futebol pra a esfera da intimidade, por exemplo o caso que vc detalha do jogador gay no time de volei, ou os multiples exemplos do racismo na europa para os jogadores do futebol. Que quero dezir com isso? Que o torcedor nao leva ese insulto racista ou homofobico pra sua casa, nao faz parte de sua intimidade mesmo quando só queda no campo de jogo, sem torna-se preocupante na esfera do torcedor quando aquelos insultos consstituim realidades sociaes, por exemplo algumas pessoas que sao tratadas de "ladrao" só por ser torcedor de um time... ahi temos algo sobre que pensar e solucionar, como diz vc pq a patria de chuteiras trascendeu e se tornou de asneiras.

    Saludos desde Chile!!!!
    Nathy.

    (desculpe meu portugues ruim)

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  2. Eu te entendo Nathy. Mas não penso que a questão seja intelectualizar ou não o futebol. O status de "intelectualizado" já existe no esporte, exatamente porque os "poetas" do futebol, exergaram no esporte um retrato da sociedade. O que me incomoda é a constatação deste mesmo status transformado em cânone.
    A única pergunta é: porque certas coisas são permitidas no futebol? E ainda por cima vistas com olhos indiferentes? Se é porque o futebol exprime certas atitudes reprimidas socialmentes, libertas no calor do jogo, então é hipócrita que dizer que este esporte é democrático, fraterno ou o que quer que seja que se possa considerar ideal para um esporte.
    Se o futebol é guerra, qualquer apologia ao espetáculo que ele produz será, também, uma apologia a essa guerra. Do outro lado, vemos exemplos no esporte, como no caso do Vôlei Futuro, que combateu precisamente esse caráter autoritário dos partidários de uniforme.
    Se existe uma liberação do preconceito reprimido em meio às festividades do futebol, esse preconceito já é parte da intimidade, como você disse, das pessoas. Nada impede que a possibilidade de liberação destas pulsões nos estádios, não exista também na vida cotidiana! Pelo contrário, se esse preconceito se libera dentro dos estádios é porque, antes, ele existe fora dos campos. E isso se percebe quando o tipo de comportamente presente no futebol se transporta a outros esportes.
    Isso não é culpa, obviamente, do futebol, mas vejo a resposta à minha pergunta exatamente naqueles que se preocuparam em transformar o futebol numa grande arte, naqueles pobres intelectuais apaixonados que fizeram do esporte uma grande arte pela arte e viram o rosto para falar dos problemas e preconceitos em questão.
    É isso que me incomoda. O futebol se torno uuma questão de partidarismo, uma questão da mais baixa política e eu me pergunto como podem as pessoas acharem normal ou comum o tipo de preconceito presente neste partidarismo, ainda maiss quando a moda hoje é ser politicamente correto.

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