domingo, 1 de maio de 2011

Duplipensamento

Este mundo atual é o mesmo de sempre. É, ao menos o mesmo desde que postulamos as relações dialéticas entre infra e superestrutura. As mesmas usinas que abastecem um país, podem levar a população à morte por conta de um acidente geográfico. As inovações, as novidades, os avanços sõ pensados somente em termos tecnológicos. Por isso se diz que vivemos uma tecnocracia. A técnica e a tecnologia vêm em primeiro lugar. Ditam as normas, as visões de mundo e as posturas ético-morais. Isso, entretanto, é antigo. Basta lermos, por exemplo, Baudelaire.

O mundo parece ser uma soma de fracassos. Com o medo da repetição das atrocidades passadas, fingimos aprender a lidar com a história, quando na verdade, a recalcamos. A arte, tem sido cúmplice da confusão humana com o passado ao transformar a pobreza em luxo, ao embelezar os horrores e a feiúra. O pensamento desorientou-se e se tornou legítimo falar em qualquer coisa, partindo do princípio de que, ao se politizar uma questão ela necessariamente ganha valor de verdade e, portanto, legitimidade. A premissa de um discurso político exime a cumplicidade dos horrores e tranquiliza a consciência. Ao mesmo tempo o outro resta sempre irracional, pois os motivos daquele que se pronuncia, são e só podem ser, reais. Tudo isso, obviamente, na cabeça de quem se proclama. Pois o estímulo à subjetividade totalizante, que o mundo tanto alimenta, cria um sem número de "eus" que vêem em seu bem-estar a totalidade de seu processo. Esse processo, entrentanto de proclamação do "eu", não passa de um espelho da estandardização sofrida em geral e neste movimento, os homens tornam-se aos outros, um grande dedo acusador que denuncia as mentiras que vêem nos outros.

A técnica, mesmo que acusada pelas grandes mentalidades atuais, é ainda, a grande dona dos avanços, inclusive intelectuais. A medicina avança como a indústria bélica: se um foguete erra o alvo matando algumas centenas de civis a mais, corrigem-se os cálculos e tenta-se novamente. O salto ontológico que se preconiza é do ser social ao ser maquinal.

A Sociedade Civil, tão protagonista nas sociedade ocidentais já há quase 250 anos, tornou-se um burocracia manifesta pelas grandes ONG's, Terceiro Setor e organizaçõe slocais que precisam se parelhar às administrações sociais governamentais.

Duplipensamento - Lucas Armendani

Na arquitetura, os homens voltam a tentar conquistar as alturas e os designs arredondados e limpos, brilhantes, não condizem com as periferias que a vista atinge na altura de seus andares.

Os automóveis dobram em número e ainda que se aposte em fontes de energia ecologicamente corretas, o lixo e o desperdício se renovam mais rápido e mais eficientemente do que as fontes limpas.

Os homens vivem sob a sombra do consumo. A crédito, de preferência. E o consumo, que para tantos é importante, pois é simbólico e traz uma gama de significações que afirmam a subjetividade, é somente o meio de reprodução dos símbolos impostos por essa mesma lógica tecnocrática e estandardizante. Tanto que os hábitos reproduzidos advém de revistas e programas televisivos que informam, de um ponto de vista presumidamente racional, lógico e de fundo científico, a forma de se cozinhar, de educar e implicitamente, de pensar. Essas mesmas idéias e mentalidades ultrapassaram a barreira dos conhecimentos populares adquiridos e transmitidos pela experiência coletiva em comunidade, mesmo urbanas, que compartilhavam a vida numa rotina conjunta.

A intelectualidade é, ao menos no Brasil, politicamente correta e as doces flores de nossa classe média acreditam assumir posições políticas pelo mero discurso, reproduzido das tradições de iniciados nos segredos ocultos da militância pela justiça dos nobres burgueses.
O politicamente correto assumiu os argumentos políticos, mascarando os reais preconceitos adquiridos. Não basta não ser contra as minorias, deve-se amá-las. Nessa direção, a luta pela igualdade social tomou a forma de igualdade racial, ou igualdade sexual. Ou isso ou aquilo.

As pessoas às margens dos processos de alfabetização, alimentação, infraestrutura, são, no fim das richas dos emergentes, esquecidas. Todos falam em injustiça, e humanização, mas poucos cruzaram suas cidades para encontrar a pobreza e a miséria. Os dedos acusadores apontam, em riste, para as barbáries dos outros, pois estes dedos mesmos são, evidentemente, incapazes de apertar um gatilho.

Mas muitos ainda vivem nesta miséria. Todos nós. Vivemos nesta barbárie que renovamos a cada uma ou duas décadas. Sobrevivemos à cultura que criamos a cada momento, para nos adequarmos às situações imperativas.

O que se cria de bom é superado pelo instante próximo, pois é obsoleto. E a obsolescência impera. O irônico é que dependemos disso. Dependemos dos avanços técnicos à custa das guerras. Chegaram tão longe os males que criamos a nós, que nesses mesmos males residem nossas esperanças. Irônico ainda que, a todo momento propomos soluções. Elas nascem dos professores, dos operários, dos proprietários, de homens e mulheres e crianças e jovens e velhos. Mas os velhos não podem o que sabem e os jovens, não sabem o que podem. Os choques a que nos acostumamos recalcam as atitudes insurgentes e a crença no futuro é de uma utopia nada concreta, pois nós mesmos ignoramos as possibilidades efetivas às quais os avanços nos possibilitam, uma vez que  mudam a todo instante.

Sob tudo isso, o mundo está, ele todo, em crise. A sombra de guerras começa a imperar e as revoluções no norte da África e no Oriente Médio não devem ser tomadas como casos que se resumem à territorialidade das situações. A tecnocracia esconde o império econômico segundo o qual o instante da crise traz o momento de perigo da guerra.

Em Portugal os jovens são desacreditados. No Brasil, a crença é sebastianista, ainda. No mundo, corre solto o veneno do sonho de que querer é poder; de que o desejo pelo Bem vale mais do que pensar e agir pela ideia do Bem. Corre solta, frouxa, a ideia de queas ações miúdas do politicamente correto, de que o amor à natureza e ao próximo, são as ações que começarão a mudar o mundo. 

Talvez a mudança real resida na sombra desta guerra que começa a tomar conta. Talvez a mudança real impere extamente nestes momentos críticos.

Quando jovens migrarmos; quando jovens encontrarmos os amigos do além-mar, começaremos a compreender que nossa situação não é exclusividade nossa, mas linha geral de uma situação global. A mudança talvez venha quando da crise nasça uma grande recusa, que ponha em conta os riscos das ações políticas que repercutem no mundo inteiro.




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