sábado, 10 de julho de 2010

Pierre Clastres

Mais um texto meu, bem informal desta vez. Proponho aqui explicitar de que modo Clastres caracteriza a questão do poder e a economia nas sociedade ditas "primitivas".

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As sociedades primitivas são assim denominadas por serem sociedades sem Estado, nas quais o poder não se separa da sociedade. Não há, nessas sociedades, divisão entre dominantes e dominados. São, portanto, homogêneas ou, se se quiser, indivisas. A questão do poder nas sociedades primitivas se dá, assim, de forma diferente das sociedades ditas “ocidentais”.
De fato, o chefe, personagem que na teoria antropológica clássica seria o detentor do poder nas sociedades primitivas, segundo Clastres não possui poder algum. Ele é simplesmente encarregado de assumir a vontade que a sociedade tem de aparecer como uma totalidade uma, isto é, ele é o homem que fala em nome da sociedade quando necessário, dadas as circunstâncias e os acontecimentos. O líder primitivo jamais toma decisões por sua própria conta. Obviamente, ao designar um homem como chefe, lhe é dado um crédito mínimo de confiança, garantida pelas qualidades que ele coloca a serviço da sociedade. Essa atenção que é prestada ao chefe, no entanto nada tem a ver com poder, mas sim com prestígio.
Deste modo, as sociedades primitivas se matem como indivisas e sem classes, mas não são, por isso, apolíticas. “Na sociedade primitiva, não existe órgão separado do poder, pois o poder não é separado da sociedade, porque é ela que o detém como totalidade una” (p. 110). O lugar real do poder é desta maneira, o próprio corpo social.
Dando como exemplo os big man melanésios, Clastres mostra que, no cerne da relação de poder, estabelece-se a relação de dívida. O chefe, que será “porta-voz” da sociedade, garante seu prestígio oferecendo em troca seus bens. A partir do momento em que se torna seu líder, o chefe se encontrará em dívida com a sociedade e seu prestígio nunca se transformará em poder, pois é a sociedade que detém, sob a relação de dívida, o exercício de poder do chefe. A dívida age, assim como um regulador. O chefe terá uma dívida para com a sociedade por todo o tempo em que for chefe, mas em troca receberá prestígio, honra, por vezes, mulheres. A questão em si, não é o poder. De fato, como se pode falar de poder se, neste como em diversos outros casos, o chefe é explorado pela sociedade? É por esse motivo que Clastres afirmará que as sociedades primitivas são sociedades contra o Estado.
Não só contra o Estado, mas também contra a Economia. Clastres, prefaciando o texto de Sahlins Age de pierre, Age d´abondance, critica a concepção clássica da economia primitiva como economia de subsistência e que assim o é pelo fato de ser mísera. Na verdade, a economia primitiva não só não é uma economia da miséria como permite também caracterizar a sociedade primitiva como a primeira sociedade da abundância, ou da afluência.
Seguindo o método aplicado por Sahlins em seu livro, Clastres analisará uma realidade econômica: o MPD (Modo de Produção Doméstico), para compreender que toda comunidade primitiva aspira à autonomia completa, do ponto de vista de sua produção. Não o lucro, mas a autonomia. Esse é o ideal autárquico da sociedade primitiva. “O MPD garante [...] à sociedade primitiva uma abundância medida pela equalização da produção em relação às necessidades. Funciona tendo em vista sua completa satisfação, recusando-se a ir além. Os Selvagens produzem para viver” (p.134). Todas as necessidades, nestas sociedades, são satisfeitas. Estruturalmente[1], para Sahlins a “economia” não existe. Tendo em vista apenas a produção de consumo e não a produção de troca, podemos dizer que as sociedades primitivas são sociedades de recusa da economia.
“‘A sociedade primitiva admite a penúria para todos, mas não a acumulação para alguns’” (p. 136).

[1] O grifo é do autor.

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