segunda-feira, 5 de julho de 2010

Antropo-ilógicas

Claro, as identidades são criadas, inventadas, cheias de interesses. E é assim que deve ser. O que não se pode é deixar que sejam criadas ao bel-prazer seja por governantes, ou pelo próprio povo (que dificilmente legitima algo conscientemente). Se há críticas em direção à impossibilidade de uma idetidade em tempos atuais, porque continuamos sendo o país do futebol? Porque até os mairoes dos anarquistas e marxistas "se rendem" à beleza do esporte? Porque de alguma forma, algo nos impele a dizermos que somos brasileiros. Um bom anarquista e um bom marxista sabe que isso não é inevitável simplesmente por sermos catalogados e fichados, por vivermos sob um Estado chamado Brasil, mas porque compartilhamos símbolos e sinais, linguagens comuns a todo um povo, que faz com que a congada e o maracatu nos sejam dançáveis, com que Jorge Amado e Castro Alves nos sejam legíveis, com que Cartola e Gonzagão nos sejam audíveis.
A questão da identidade está para além das fronteiras políticas. Se é óbvio que a identidade é algo criado, deve ser sim esforço de antropólogos a manutenção e a recriação desta identidade. Mas é chegada a hora de tomar partido. A aparência que se tem é que o santropólogos são meros observadores. Limitando-se a constatar o que é feito em certas comunidades - feitos, em sua maioria, de forte cunho identitário, como grupos urbanos das periferias - a antropologia perdeu seu caráter de não-domesticação; recusa-se a ir além daquilo que é dado. Para lá do que é visto, não há mais questionamento. Não se toma partido.
A antropologia não deve se perder em apologias à igualdade e à justiça social, às instituições. Antes, ela deve ir além do que é dado; deixar de lado o como das coisas, e investigar o porque. Não basta investigar de que forma as coisas se dão, mas porque elas se dão. A antropologia compartilha exatamente este caráter indomesticável com a Filosofia. Ela se recusa a dar-se por terminada.
O fato de vermos "tribos" urbanas não deve se limitar a observar o que essas tribos pensam de si mesmas, ou como elas se vêem. Isto em grande parte é tarefa da psicologia. A antropologia deve é reivindicar uma atitude política que a possibilite inclusive criticar as atuais conformações culturais deste país em desenvolvimento. Muitas vezes, quando há crítica, esta sempre surge em momentos de violência: skinheads que espancam um jovem gay; universitários que espancam um jovem negro. E a antropologia se perde entre a sociologia e a psicologia social, ou a psico-pedagogia; torna-se uma área nebulosa que não possui identidade alguma.
Mas talvez seja esse mesmo o problema. Assim como as identidades só existem se inventadas, a Antropologia parece ter se recusado a criar sua própria identidade, ou a assumí-la. Ao invés de se render à crescente especialização imposta às ciências, a Antropologia devia se reinventar como política, capaz de pensar para além de sua "ciência". Se oficialmente ela tem se declarado tão aberta, tão livre, como se dispota e todo e qualquer diálogo, o que fez de fato foi abrir mão de seu próprio discurso.
Talvez eu esteja sendo duro demais, mas o que tenho visto na Antropologia universitária é isso: a maior das ciências de gabinete. Mesmo quem vai à campo, volta para sua escrivaninha e teoriza algo que termina por não dar conta de qualquer realidade. E quando se assume a parcialidade, a palavra de ordem é "Toda a cultura é válida!", porque a cultura vem do povo. Mas sabemos que não é bem por aí, não é?
A questão é, depois de Gilberto Freyre, depois de Sérgio Buarque e Paulo Prado, depois das pesquisas de Mário de Andrade e do trabalho de Roquette Pinto, Darcy Ribeiro, o que se criou de novo na Antropologia? Que papel essa ciência tão nobre assumiu para se pensar o Brasil? A Antropologia devia voltar a trabalhar as questões maiores de nosso país, a começar por uma, sem a qual a grande gama de trabalhos antropológicos deixa de fazer sentido: que raios, é, afinal, o Brasil?
E viva o povo brasileiro...

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