quinta-feira, 18 de março de 2010

Teclas

O Piano, por sinal, é um instrumento do qual muito pode ser dito. O Violão, dizem, é sensual, deve-se tocar violão como se faz amor. E é verdade. Qualquer guitarrista sabe disso. O Violão é nossa maior amante. Suas curvas femininas não nos enganam. Quando tangemos suas cordas é como se tocássemos o corpo suave de uma mulher.E tal qual quando se faz amor, há momentos delicados e outros fortes, violentos até.
O Piano, por outro lado, eu já não consigo ver como algo erótico. Na verdade, como algo "só" erótico. O Piano é a expressão de todos os sentimentos e não só da paixão. A técnica de conseguir acertar, uma a uma, todas aquelas teclas, é diretamente correlata à dificuldade de agirmos. Os dedos por vezes se entrecruzam, se batem, deslizam um meio tom, fraquejam. Só se consegue a quase perfeição com muita concentração e estudo. Concentração, por sinal, introspectiva, correlata ao estudo filosófico, ao olhar crítico.
Talvez eu esteja subestimando o Violão. Não é isso. ele requer o mesmo tipo de estudo, a mesma auto-reflexão. Mas o Piano é, para mim, a expressão mais Absoluta do que a Música pode significar particularmente. Não que só o Piano baste, longe disso, ou que só peças clássicas de Piano são músicas de verdade. A questão é outra. É uma questão de percepção... de que esse talvez seja o instrumento mais sincero. Pois as coisas falam conosco.
Há uma certa verdade no Piano; esse instrumento misto do tradicional e do moderno, que emprega técnicas de engenharia altamente rebuscadas, mas que não existe sem a mão do homem, de vários homens. Verdade essa que só se deixa sentir, que se desenvolve no enredo de uma melodia bem executada - e para ser bem executada, ela não deve ser perfeita, pois se torna mecânica - executada com a alma, verdade que vem da perfeita comunhão entre os dedos, as teclas e a visão do pianista sobre o instrumento. Verdade que vem à tona com toda a intensidade dos sentimentos reais e das emoções da vida humana. A raiva, no socar das teclas; o amor, na carícia gentil; a paixão, na rapidez frenética; a tristeza, na languidez e na postura dos pulsos.
E sobretudo, há aquela Beleza, que é um averdade, na junção de todos esses elementos. Uma boa música parece Bela quando vemos as mãos executá-las.

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