quarta-feira, 30 de março de 2011

Sobre a Amizade

Amizade, dizia Montaigne, não se explica. A Amizade é o reconhecimento das almas, uma frente à outra. É o reconhecimento de almas como gêmeas. Por isso amigos, reais, se amam, e não temem dizê-lo. A amizade talvez seja a única jóia da vida que nos permita contar o tempo não de maneira retrógrada, tal qual o pensamento de Bergson. É por isso que, quando encontramos verdadeiros amigos, mesmo depois de muito tempo, sentimos como se o houvessemos visto há um dia apenas.
O homem, não há dúvida, é um ser para a morte. Por isso devemos querer viver. Se há algum modo de transformarmos nossa existência, direcionando-a pela pulsão de vida, a amizade é sem dúvida um ponto decisivo. Isso talvez pelo fato de ser a Amizade, conforme Aristóteles, um fenômeno que "assinala o mais alto ponto de perfeição na sociedade". A verdadeira amizade implica uma série de consequências ético-estéticas, pelo fato de, por exemplo, uma amizade ser uma grande legisladora, posto que amizades exigem justiça. Isso não significa  imposição de leis e obrigações naturais, como o dever familiar. As Amizades se exercem livremente. Por isso mesmo requerem justiça.
A amizade talvez seja mesmo algo cujo interesse não é direcionado ao amor, ao dever, à obrigação ou ao prazer, mas pura e simplesmente, à própria amizade. É difícil encontrar alguém que tenha definido melhor a Amizade do que Montaigne, em seus Essais, grande obra de Experiência. Sua amizade - e ele com certeza discorria sobre sua relação com La Boétie - é uma em que "as almas entrosam-se e se confundem em uma única alma [...], não se distinguem, não se lhes percebedo sequer a linha de demarcação". Esta filia nunca se esgota e atigne um grau de perfeição. Tal Amizade, que nos parece inexplicável - e de fato, talvez seja - só pode atingir um nível de compreensão se a tivermos como uma identificação de caráter.

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