quarta-feira, 7 de abril de 2010

Eterna Infância



Estou lendo Peter Pan, essa história infantil, esse conto de fadas tão conhecido.


Se eu soubesse antes da riqueza deste texto...


J.M. Barrie é capaz de não só mostrar a vida da criança no começo do Século XX, como se rebela contra o imaginário dos adultos do começo do Século XX.


Acreditem, por trás da inocência do garoto que nunca cresce, há toda a malícia do Capitão James Hook. Vejam bem, na medida em que se adentra na história, vê-se que eles não são tão antitéticos quanto se pensa. Hook é o adulto que se esqueceu da infância, ou a criança que nunca pode ser criança. Já Peter, é o adulto que nunca cresceu, aquele que, talvez tendo passado por muitos traumas, não pôde nunca seguir adiante. Por isso Hook se irrita com a prepotência e insolência infantil de Peter, e Peter se irrita com a velhice de Hook. Hook não vê bom humor em nada.


De qualquer modo, é interessante observamos como as crianças da história criam suas relações com o mundo. A Terra do Nunca é um faz-de-conta que existe, na qual a contagem do tempo permite que as coisas sempre recomecem, façam-se sempre de novo. Interessante mesmo notar que a própria Ilha parece ser circular. Quando os personagens se perseguem, é sempre em círculo; o lago em que Peter quase se afoga é também ele, circular, sempre invocando o retorno das coisas.


As refeições também são diversas vezes, um faz-de-conta. As crianças, não tendo o que comer, tem os maiores banquetes imaginários. E se satisfazem.


O decisivo, porém, é o porque de Wendy ser tão necessária aos Meninos Perdidos: eles precisam de uma mãe. Há quem interprete essa necessidade edipicamente. Eu, por outro lado, vejo o ponto principal em outra questão. A mãe é importante porque é ela quem lhes conta histórias! Wendy vai para a Terra do Nunca para que os Meninos Perdidos tenham quem lhes conte histórias. Os meninos na Terra do Nunca não crescem porque eles mesmos não tem história. Nada muda na Terra do Nunca porque lá não há história. O tempo é imaginário.


Faltando o embate entre o mundo das normas representado pelos adulto, e aquele da desordem nos quais vivem as crianças, não há como o tempo passar, não se pode crescer.


Como diz o narrador, as crianças sabem que um dia vão crescer. Wendy descobriu isso aos 2 anos. E é quando percebe que nõa poderá nunca crescer que ela sente a súbita vontade de voltar para casa. Quando deixa de crescer, Wendy começa também a esquecer das coisas. Seu mundo de criança, que se fazia como resitência ao mundo ordenado dos adulto passa a ser tão absoluto quanto aquele ao qual lutava na Inglaterra.


As crianças, então, devem crescer, mas aquilo que viveram como crianças não deve ser jogado fora. O que Wendy guardará e passará adiante na posteridade é exatamente o mundo tal qual ela o viu quando criança. O que seus netos conhecerão não é um mundo irreal, mas uma forma diversa de enxergá-lo.


Na verdade, pode-se criar várias relações entre a Terra do Nunca e o "mundo real". As sereias, aqueles sers místicos tão atraentes, que não devem ser visitadas à noite: há algo de erótico nelas, uma atração sexual frente a elas, talvez as prostitutas londrinas do começo do seculo não possam ser enxergadas como sereias? E os piratas, bandidos. Não poderiam eles ser vistos como figuras paternas? Que coibem e tentam dominar os garotos? E os peles vermelhas? Os selvagens, estranhos de outras terras, exóticos, atraentes e ao mesmo tempo perigosos. Não é difícil achar na Londres do começo do século estrangeiros selvagens...


Esse romance enigmático e aparentemente simples traça relações magníficas entre criança e adulto. Quem vence, no caso, é a criança, porque Wendy, John e Michael aprenderam, graças a um menino que nunca pode crescer, que a infâncai deve sempre nos seguir. É o momento em que temos uma relação mais sincera pelas coisas, em que conseguimos percebê-las de modo mais distante do senso e do lugar comum.


A máxima desta obra pode ser entendida tal qual a epígrafe de Saramago em suas Pequenas Memórias: "Deixa-te levar pela criança que fostes".



foto: Fairies on Kensington Park, de Peter Pan, por Arthur Rackham


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