segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Memória

Platão já dizia que só aqueles que esquecem precisam da memória. O que parece óbvio, nem vezes o é, de fato. Porque se essa constatação deixa claro que há algum problema com nossa história e que não podemos fugir dela, a necessidade e inevitabilidade da memória mostram que há, antes de tudo, uma necessidade de esquecer. Ainda que esqueçamos involuntariamente, sabemos que quanto mais treinamos nossa memória, mais lembramos.
O que me parece, na verdade, é que esquecemos porque se fossemos capazes de recordar tudo, a vida talvez não valhesse a pena. A memória é um jogo perigoso e deve ser sobre o perigo que ela deve ser estruturada, pois a recordação do perigo é o que afasta sua repetição. Assim como certas flores só desabrocham com o pôr-do-sol, exalando seu perfume por metros e metros, nossa memória deve desabrochar a cada situação, exalando imagens que atingem anos e anos. A cada lampejo, a cada fulgor, essas imagens constroem a memória sobre o tempo presente.
Se se diz que uma mentira contada mil vezes se torna verdade, isso é verdade, acima de tudo porque esquecemos. Se a mentira se tornou em nosso dias um grão que brotará como verdade com o passar dos anos, a memória, e portanto, a história - pois toda memória é histórica - deve ser a praga insistente que, ainda que morra, deixa furos e doenças nas plantas e solos.

P.S: Desculpem se o texto parece por demais um esboço ou se é imageticamente confuso, mas assim como eu tento construir minha memória como um lampejo de imagens, esse texto me veio, também, como um lampejo...

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