quarta-feira, 16 de junho de 2010

Da Arte ou Primeira incursão na Estética...

Atualmente, há uma discussão sobre a possibilidade da arte. Existiria ainda alguma arte? Seria a pintura, ainda, possível? Estética não é minha especialidade. Bom, na verdade um recém-formado não é especialista em nada, mas, de qualquer modo, o que me parece é que a arte sim é possível. Acontece que, a meu ver, toda arte verdadeira não é nada mais do que uma narrativa. Assim sendo, ela deve remeter a seu tempo, ainda que traga consigo toda a história.
No caso da pintura, se se nota um esgotamento de significado acredito que seja porque a própria arte muda de forma. Se há um descolamento da arte em relação à sociedade, é porque a transformação da arte em consumo destituiu a arte de qualquer caráter capaz de estimular uma reflexão ou de gerar reconhecimento entre autor e receptor. A arte se tornou, assim, meramente um produto de admiração, reduzido a seu valor de mercado, a seu valor, podemos dizer, "de exposição".
Perguntar se a arte ainda é possível é necessariamente reivindicar uma função social da arte, pois se já não é mais importante nos perguntarmos sobre a "forma" da arte, sobre o processo de criação da arte, então o que perguntamos é sobre um certo "papel" da arte. Uma vez que não há nada novo na pintura, que não há mais criação, e que os artistas são tão dispensáveis partir do momento em que deixam de ser uma novidade - assim como o trabalhador braçal, quando se esgota sua força - porque a arte deveria, de fato, "criar" algo novo? Ela deveria mudar? Deveria ainda proporcionar novas percepções ou novas experiências? Novas técnicas artísticas são criadaas à todo momento e se isso não é o suficiente para se dizer que a arte continua viva, então é porque necessariamente se reivindica uma arte que transforme seus receptores, que estimule uma reflexão, que tenha, assim, um cunho social.
Se, então, assumimos a idéia de que toda arte real é deve ser uma grande narrativa, a exigência de um reporte às realidade sociais fica facilitada: as artes mudam de forma, passam a residir em outros modos de expressão estética. As graphic novels e o grafite são expressões disto. A emergência de uma forma de romance que alie imagem gráfica, desenho, e palavra escrita, expressa o universo misto no qual o mundo atual se encontra. Ao ler uma história em quadrinhos cuidadosamente desenhada, de cunho político muito mais forte do que muitos romances atuais, as pessoas se reconhecem. Se explica assim o enorme sucesso de novelas como V for Vendetta - com a qual se poderia ensinar Locke - e Watchmen - com a qual se poderia dar uma aula de história sobre todo o Pós-Guerra até a Queda do Muro. O grafite, por outro lado, reporta as pessoas à sua relidade: o preenchimento de espaços urbanos vagos com cor, com figuras da própria cidade.
Buscar uma arte que não seja mercadoria, não faz sentido. Tampouco faz sentido reivindicar uma arte realista. Mas deve-se buscar sim uma arte que reporte o receptor ao mundo, que o estimule a pensar, antes de tudo. Não pensar em transformação, em práxis, mas que estimule a reflexão sobre aquilo que lhe foi retratado. A exposição de grafites no espaço público já demonstra seu caráter social. Há grafites logo ali no túnel da Avenida 23 de Maio para que todos vejam. Que retratem um grande monstro sem cabeça, Don Pedro I - como na Avenida Dr Arnaldo - não importa. Está à disposição para que as pessoas os observem e em seguida, observem seu entorno. Isto é muito mais propenso a uma reflexão do que a exposição aberta ao público num museu.
Sendo uma linguagem, as artes são reformuladas de tempos em tempos, num processo de longa duração, elas se consolidam em algo novo de tempos em tempos. Mas assim como as realidades sócio-políticas são naturalizadas, também a linguagem é naturalizada e a damos como dada, como algo que "sempre esteve ali" e não percebemos as reviravoltas que ocorrem.
Deste modo, a arte muda de forma, pensar em pintura hoje como uma "arte real", talvez não seja mais possível. Talvez ela sobrevia, mas tenha passado sua época de "grande arte". Uma das obras de Vera Martins me fez pensar nisto. Em certo momento de sua produção, Vera Martins desfiava telas, e as apresentava sobrepostas formando uma rosa que desabrochava em diversas fases. Isso remete não só, talvez, a seu processo criativo como artista, mas para além, disto, à transformação da pintura em outra coisa, em escultura talvez. A apresentação de telas inteiramente desfiadas, sobre suportes quadrados, lembrando egunguns, espíritos perambulantes, mostra, para além de sua intenção explícita, que a pintura, ainda que não tenha morrido, simplesmente sobrevive. É necessário buscar a arte em outros lugares, posi ela já ocupa outros lugares; já a levamos a outros lugares. Mas não nos demos conta.

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