sábado, 22 de agosto de 2009

O choc, de novo

O esquema do choc baudelairiano veio à tona e ficou muito explícito para mim, na medida em que ouvia um certa música dos Beatles.
Essa música, Eleanor Rigby, narra a história de uma mendiga que, tendo sido morta numa igreja, sem que ninguém prestasse qualquer homenagem em seu funeral, é enterrada junto com seu nome, e esquecida.
O choc, entretanto, reside não somente nessa personagem "principal", Eleanor Rigby, mas também no Padre Mackenzie, o vigário da igreja onde Eleanor ia para juntar o arroz espalhado no chão após os casamentos. É o Padre Mackenzie que recebe, com indiferença, os golpes da vida de Eleanor Rigby. É ele que a enterra e, sem mais o que fazer, apaga os vestígios, limpando "the dirt from he´s hands as he walks from the grave".
É curioso notar, além disso, que Eleanor Rigby é enterrado "along with her name", isto significa, não só é enterrada sob um túmulo com seu nome, mas também tem seu nome enterrado junto a si, pois, retomando a idéia saramaguiana, os nomes, se não lhes pomos algo dentro, não são nada.
De qualquer modo, o choc fica explícito. Imagine-se: uma mendiga alheia num casamento junta os resíduos de um casal também alheio - pois na sociedade contemporânea os nomes não importam - uma face sem expressão, a da mendiga, e a morte sofrida dessa mendiga, alheia, e esquecida na grande multidão; e um padre, que sobra como o único capaz de contar uma história possível, que, aliando sua vivência à da mendiga, é capaz de juntar todos os cacos, resíduos e fragmentos daqueles que passam perante si, mas que, sob constante embate com essa vivência, que é uma eterna repetição, só tem como saída limpar as mãos, bater o pó e apagar os vestígios.
Para Baudelaire, os mendigos, as protitutas e o flâneur tinham importância vital, mas talvez possamos encaixar neste grupo, os confessores dos milhões de indivíduos alheios, que morrem em igrejas, hospitais, hospícios e mansões, mas são igualmente enterrados "along with their names".

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