sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Brincadeiras à parte? Paulo Ghiraldelli e o caso da Rural do Rio

Infelizmente, essa é a realidade da maioria das Universidades do país. É comum o tipo de comportamento de bando. Não existe reflexão, existe um imediatismo estúpido, plenamente passional (patológico) e fechado a qualquer sombra de racionalidade.
Sim, o Paulo não é "correto", muito menos "incorreto". Sua forma de ensino é a daquele que propõe aos alunos pensarem. A onda do politicamente correto - que tem lá seus motivos - acabou com o caráter que é propriamente subversivo e pedagógico do humor (lembremos de Kierkegaard e Sócrates). Mas é claro que isso é pedir demais. Exige-se uma seriedade total e absoluta para acabar com aquele espaço cinza conhecido como moral. Exige-se preto no branco. Exige-se da filosofia algo que não lhe cabe: a verdade total da circunstância.
Seja como for, o problema está posto. Existe, efetivamente, um problema entre estudantes e professores. Isso não é de hoje. Sabemos que o clientelismo vem dando a estudantes a postura e atitude do "Eu pago, eu faço o que quiser". Eu ouvi não poucas vezes alunos recorrendo à ouvidoria com casos de "humilhação" por parte de professores que haviam dado a eles nota zero numa prova.
O jeitinho ainda impera, infelizmente. Há um jeitinho para tudo. E neste momento, o jeito, aparentemente, é recorrer à acusação de fascismo. Fascismo, hoje, é um termo que cabe para tudo. Nesta luta presente entre PT e PSDB (leia-se esquerda capenga e direita burra), à qual todos nós, ignorantemente não fazemos nada, nos é legada essa forma de picuinha, de manobra  política de grupelhos, de certo e errado que outorga a nosso tempo útil, a nosso tempo de trabalho do pensamento (no caso da filosofia), uma discussão que foge aos problemas tanto da filosofia quanto de nossa vida prática numa sociedade que se propõe democrática.O problema, como dito, está posto. Ele existe. Porque não, então, o debate? Porque essa briga por algo que, na verdade, não é mais do que uma briga por hegemonia? Alunos querem hegemonia, querem mandar e desmandar e sua briga política não é, pela forma que adota, briga por participação, mas por autoridade.
Pondé também foi proibido de falar. Eu entendo. Muitas vezes gostaria de falar que calasse a boca. Mas não é possível defender ou continuar defendendo a postura de silenciar um professor porque se discorda, por mais razão que haja para isso, do que ele fala. Pondé, inclusive, ao me insuflar com a vontade de mandar-lhe um tremendo "cala a boca", me mostra, ao contrário, que é esse, precisamente, o tipo de comportamento que se outorga a pensadores que vão contra a corrente, ou que pregam ideias conservadoras ou mesmo absurdas.
Esse é o jeitinho. Cala-se. Impede-se o direito fundamental de uma democracia em nome dela própria. Deseja-se coadunar pensadores conservadores à ditadura por uma pseudo-luta política que só tem, no fundo, apelativo passional, carece de argumento.
São energúmenos sim! Sempre fui a favor do protesto contra professores, universidades, reitores, políticos. Em suma, contra qualquer coisa que possa estar errada. Mas nunca fui a favor do silêncio. Silenciar alguém é não só baixo, mas cruel. Demonstração de poder por meio da linguagem, naquela perversa economia simbólica analisada por Bourdieu.
Não é preciso ser gênio, nem mesmo conhecedor de Filosofia para saber que o Paulo, com suas piadas, não reproduz o preconceito, o racismo, o machismo ou a homofobia. Ao contrário, ele os torna explícitos como sintomas de uma sociedade que, consciente da existência destas realidades, é incapaz de refletir sobre os motivos, origens e razões de ser tendo em vista o tratamento social para a erradicação de tais problemas.
Conheço o Paulo. Suas brincadeiras sempre tiveram em vista trazer à luz essas realidades preconceituosas. Aconteceu conosco quando fizemos uma aula-trote que fossemos encaminhados à coordenação do curso por "brincadeira de mal-gosto" ou algo do tipo. Ora, ninguém percebeu, então, que nenhum dos alunos fez algo contra a brincadeira que apresentava um professor como uma pessoa absolutamente racista, machista e homofobica. Ninguém fez absolutamente nada. Preferiram recorrer às "Instâncias superiores" de um sistema que exatamente estrutura e reproduz toda essa realidade.
Ignorância? Burrice? Talvez. Ou talvez simplesmente estejamos nos tornando conscientes de que uma população majoritariamente iletrada (e isso não tem a ver com analfabetismo), carece de um preparo que a possibilite filosofar, questionar.
O bumbo no auditório é uma velha estratégia de grupos estudantis. Acontece em todos os lugares e por vezes tem razão de ser. Na PUC se protesta contra medidas administrativas e jurídicas da reitoria. Na Rural do Rio se protestou contra o suposto preconceito de um professor por parte dos alunos. Ora, essas acusações não são só sérias, mas devem ser fundamentadas racionalmente.
Sim, talvez o Paulo perca a mão, force um pouco. Isso pode ser mal-entendido e tomado como ofensa. Acontece. Quando brincamos, muitas vezes erramos a medida. Não obstante, isso se resolve ali, na hora, no boca-a-boca. Andam retomando a discussão de Paulo com o Nassif. Eu reconheço e creio que Paulo perdeu a mão, atacou, denunciou e acusou Nassif de forma não muito acadêmica, mas o que foi feito em resposta? Nassif, de forma tampouco acadêmica ou polida também, respondeu e rebateu as acusações, se defendeu.
As medidas pedagógicas do Paulo podem não ser convencionais, mas medidas refletidas e pensadas enquanto medidas pedagógicas por alguém que estudou e estuda ainda o problema educacional brasileiro, que entende a vida estudantil e os problemas do ensino. Sim, que reclamem que suas brincadeiras perdem a linha, forçam a barra, erram na medida. Justo. Mas que o façam a partir do diálogo. Que briguem contra aqueles que os impedem de ir a frente, não contra os que, mesmo que haja diferenças pessoais, os impulsionam a pensar e questionar. Briguem contra aquele seu colega estúpido e desonesto que por sedezinha de poder terminará sendo seu chefe corrupto, de departamento ou de bancada. Briguem contra os professores que impedem o acesso à educação por cotas ou que usem de diferenças pessoais para impedí-los de seguir adiante. Entendam que o verdadeiro inimigo não é alguém que ensina há 40 anos sem procurar tirar proveito seja financeiro, seja político, por paixão, por vocação, mas aqueles que reproduzem essa estrutura preconceituosa nas instâncias burocráticas que regem nossa sociedade "democrática", naqueles mesmos donos do poder que se escondem de nossa vista. E se entendermos que o inimigo, que o vilão, está por vezes lá no gabinete da reitoria ou na chefia do município, do estado, no chefe da polícia e na falta de debate que reproduz isso tudo, então não precisaremos silenciar ninguém. A universidade, com todos os seus males, oferece uma ágora, um espaço de debate onde contrários podem dialogar, Dia-logo, quer dizer, um argumento duplo, em que ambas as partes têm voz. Esse espaço foi aberto. Devemos usá-lo. Aí sim, saberemos quem merece ser silenciado.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Quando um governo age como uma tribo, é necessário um pastor para seus burros.


Eu trabalhei por vinte anos como empregado em diversos departamentos governamentais no Líbano. Durante este tempo, eu nunca recebi um sinal de apreciação ou prêmio, ou mesmo uma promoção simplesmente porque eu me recusei a ser um protégé de um governante ou homem do clero.
Eu segui o conselho de meu tio, que costumava alugar burros (mkari), e sempre dizia: “Não ate seu cabresto na manjedoura de políticos, pois uma vez que você o faça, eles o considerarão fraco”.
Como eu não possuía nenhuma conexão com gente influente, eu costumava carregar não só o fardo do meu trabalho, mas também daqueles que eram mais altos do que eu em status, ainda que muito menos inteligentes.
Eu descobri que alguns empregados civis do governo não assumem qualquer responsabilidade uma vez que se consideram os verdadeiros “filhos do governo”. Diferentemente do resto dos oficiais e empregados, eles costumavam trabalhar de acordo com a regra que diz: “Ao invés de resolver um problema, passe para outra pessoa, até que Deus dê conta”.
Entretanto, eu costumava me consolar toda vez que me lembrava das palavras das velhas pessoas que na minha cidade costumavam repetir: “Uma pessoa digna deve ser como o sempre verde carvalho que uma vez cresceu na praça de nosso vilarejo e costumava atrair o gavião para o seu topo e os coelhos selvagens pastando em sua sombra”. Mas eu me sentia e continuava a sentir-me triste toda vez que me lembrava de que forma os turcos haviam cortado aquela árvore antes que fossem expulsos de nosso país pouco depois da Primeira Guerra Mundial.
Um dia, um cidadão entrou em meu escritório para perguntar sobre o destino de um arquivo, que me havia sido enviado naquela mesma manhã de outro departamento. Enquanto lia, descobri que havia sido passado de um oficial a outro vinte vezes. Foi surpreendente descobrir que qualquer um dos oficiais poderia ter terminado a autorização e salvo o pobre tipo de vinte viagens ao ministério.
Após ter escrito meus comentário sobre a petição que eu havia datilografado, eu mesmo levei o documento à instância maior, fiz com que fosse assinado, levei de volta à minha mesa, registrei o documento no livro oficial e finalmente levei ao homem que esperava e observava meus movimentos com surpresa.
Ele me agradeceu e, com sinais de assombro em seu rosto, disse: “Posso lhe fazer uma pergunta?”.
“Claro” – eu disse.
“Eu gostaria de saber qual é seu cargo aqui”.
“Sou pastor de burros” - eu respondi .
“O que quer dizer com isso? Não entendi” , perguntou o homem.
“Você tem tempo para ouvir uma curta história?” – eu disse. “Sim, tenho todo o tempo” – ele respondeu.
Então eu contei a história:
“Uma vez, um homem procurou refúgio numa tribo. O líder da tribo o acolheu e o apresentou ao restante do clã.
‘Este é o Sheikh dos Árabes, Hmaydan. E este é o líder da tribo Shiwan. E este é o príncipe de nosso povo, Abu Swaydan’.
Então todos fitaram o homem e perguntaram: ‘E vós, quem sóis?’
‘Eu sou o pastor de burros. Eu soube que necessitavam de alguém que levasse vossos burros ao pastoreio... então aqui estou eu’.
‘E como sabias que precisávamos de alguém para pastorear nossos burros?
‘Bem, se cada um de vós sois ou Sheikh, ou líder, ou Príncipe, quem haverá para ser o pastor?’”
Quando eu terminei minha história o homem olhou para mim e disse: “É verdade”. E emendou: “Quando o governo age como uma tribo, com certeza precisa de alguém que leve os burros ao pasto...”.

AL RASSI, Salam. An-Naas Bin-Naas

domingo, 5 de agosto de 2012

Teses Cabalísticas sobre a Confiança

1. Pessoas sem vícios não são confiáveis;
2. Pessoas sem preconceitos não existem. Por isso as que se pensam como tal, com certeza não são confiáveis;
3. Pessoas 'boazinhas', são boas por algum motivo, que diz respeito somente a elas. Não confie!
4. Quem possui um cachorro que não obedece, não possui autoridade alguma. Sob qualquer pressão elas cedem. Não merecem, por isso, sua confiança;
5. Greve de fome é algo por demais violento. Assim sendo, a não-violência de Ghandi foi relativa. Cuidado com os pacifistas contemporâneos.
6. Quem ama o feio, possui algum interesse. Quem confunde atração com beleza ou é inocente ou é falso. Por via das dúvidas, não leve muito a sério.
7. Como disse Burroughs, as mulheres mais baratas se tornam, com o tempo, as mais caras. Nada mais precisa ser dito.

Sinais Honrosos Sempre Aparecem na Face de Homens Honrosos

O Sheik Abu Ali Sayyagha era um dos homens mais respeitados de seus dias. Ele era capaz de, quando fosse que encontrasse alguém pela primeira vez, adivinhar que tipo de pessoa esse alguém era: estúpido ou esperto,  generoso ou avaro, honesto ou não. Simplesmente mirando os rostos, uma ciência naquele tempo conhecida como fisiognomia.

Antes que carros fossem feitos, o Sheikh se encontrava um dia viajando a pé de Hasbayya a Jdeidet Marjeyoun (Sul do Líbano).

Quando ele atingiu a intersecção de Souq El Khan, o Sheikh encontrou um homem montando um burro indo na mesma direção. Quando o homem se aproximou dele, o Sheikh mirou sua face e disse a si mesmo: “Eu não gosto dele... não é um homem honesto”. O homem desmontou de seu burro, correu em direção ao Sheikh e perguntou: “Para onde te diriges?”.

“Jdeidet Marjeyoun”, respondeu o Sheikh. O homem disse, então, em bom som: “Que sorte tenho eu. Também para aí me dirijo”. E então insistiu para que o Sheikh montasse no burro. O Sheikh hesitou e pensou por um momento: “Como pode tão nobre gesto vir de alguém que me parece de tal modo desonesto?”. E pensando isso ele olhou novamente para o homem somente para ver sinais da desonestidade em seu rosto.

O Sheikh se desculpou de uma forma gentil dizendo: “Não, obrigado... Mas eu prefiro caminhar”. Mas o homem insistiu: “É impossível que caminhes enquanto eu monto” – e disse mais –  “Alguém que conhecemos pode passar por nós e se impressionar com quão rude e grosseiro eu seria. Não, não, deves montar, eu insisto”.

O Sheikh finalmente montou o burro, apesar de sua vontade. Toda vez que ele parava e ameaçava desmontar, o homem se punha em seu caminho ameaçando rasgar o abdômen do burro com sua adaga.

Durante o percurso o homem tagarelava sobre sua devoção e respeito aos homens do clero, algo que começou a preocupar o Sheikh ainda mais: “A mim esse homem me parece infernal, mas seu comportamento me mostra que ele é um homem de honra. Acredito que eu tenha um problema aqui. Talvez eu precise reconsiderar, de agora em diante, a maneira que eu julgo as pessoas. Se meu julgamento deste homem estiver errado, então talvez eu tenha julgado mal outros… e esse é um problema sério porque então, eu talvez perca a confiança das pessoas em mim”.


Chegando em Jdeidet Marjeyoun, o Sheikh desmontou do burro e foi-se embora…

Salam Al Rassi
O homem correu atrás do Sheikh dizendo: “Mas Eminência, não me pagaste a taxa do burro…”. O Sheikh perguntou: “Sim, é claro, quanto quereis?”. O homem respondeu: “Meio Majidi”.

 O Sheikh fitou o rosto de homem e lhe disse: “Escutai, meu amigo. Somente a verdade prevalece no fim. Eu sabia que tipo de pessoa és desde a primeira vez fitei vosso rosto, mas me preocupaste sobre o modo que leio as pessoas...” – e continuou – “Aqui está um Majidi completo e estou muito feliz que eu não estava enganado a vosso respeito”.

Salam Al Rassi. Li-alla Tadhi (Ainda que se percam).